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“Uma Tribuna para o Partido”

Leia aqui a atuliazação da coleção do jornal Tribuna da Luta Operária

“Uma Tribuna para o Partido” é dessa forma que o militante do PC do B e jornalista, Bernardo Joffily, define o nascimento do periódico em 1979. Com o partido na clandestinidade, briga interna entre a Estrutura I e II, em São Paulo, no Rio de Janeiro e Bahia, sem recursos financeiros e vindo de uma jornada na Albânia, onde tinha se exilado a partir de 1973, Bernardo Joffily se juntou com a sua esposa Olívia Rangel e os militantes Rogério Lustosa e Dilair Aguiar para dar vida ao periódico. À época, contou com a participação de Carlos Azevedo, militante da Ação Popular, que colaborou para o jornal, e tinha passado pela experiência de fazer a revista Realidade, da Abril.

Contudo, foram nas difíceis condições financeira que o jornal procurou sobreviver nos primeiros anos. Nessa entrevista à Equipe da Pesquisa Tribuna da Luta Operária, do DCH –UNEb, Bernardo relembra os primeiros anos da fundação do jornal e detalha como era fazer uma imprensa comunista no ano de 1979, quando o regime militar intensificava a sua política de distensão.

A entrevista foi concedida à professora Andréa Cristiana, em Salvador, em setembro de 2007.

Blog: No início da criação do jornal, já havia a percepção de que o periódico poderia servir como elo para organizar o partido?

Bernardo: Acho que é nitidamente isso. Ainda não havia anistia, depois que passou a haver anistia, passou a ter a presença do João Amazonas, dos dirigentes que ainda não podiam atuar como sendo do partido comunista, mas que eram publicamente conhecidos como comunistas e que atuavam politicamente de maneira aberta. Agora o jornal, mais tarde você vai ver, ele teve mesmo essa função de conjugar e de vertebrar o partido comunista. Isso fica nítido também por um terceiro fator, porque tinha o problema de o partido ser ilegal; havia ainda o problema que o partido estava desconjuntado, tinha que conjuntar. E tem um terceiro problema: essa era uma época de luta interna do PC do B.

Blog Tribuna: Como foi o inicio para criação do jornal.

Bernardo: Entre as pessoas que nós fomos escalados para procurar, havia o Rogério Lustosa, o casal Cesar e Amélia Teles, junto com o Carlos Danielle do partido e tal. Ele era gráfico de profissão, ligado a essa coisa. E nós o procuramos lá em São Paulo, e o José Genoíno que também tínhamos que procurar.
Lembro que eu e Olivia Rangel tivemos um encontro com o Genoino. Na época, ele era professor num cursinho, Cursinho Objetivo. Expus para ele a idéia do jornal, e ele deu uma ducha fria, porque ele estava se afastando do PC do B, e ele... Aquele grupo que, junto com ele estava se afastando do partido, tinha idéia de que não era o momento de mostrar a cara, de fazer um jornal. Era o momento de se fingir de morto e esperar passar a ditadura se degradar mais, para passar uma tática mais ofensiva assim. Então, como havia divisão, grupo interno tudo, talvez João Amazonas pensasse fazer assim, talvez ele tivesse de olho nessa problemática partidária, mas acho que sem sombra de duvida, sempre ficou nítido na nossa conversa, que ele tinha essa função mesmo a de organizar o partido. A gente conversou com o Genoíno e ele não deu muito espaço. Desejou boa sorte e tudo, não foi uma conversa hostil. Ele não aderiu, vamos dizer, assim a idéia. No caso do Cesar e da Amelinha foi um pouco diferente porque eles estavam organizados no partido...Á época, o partido estava desconjuntado se orientavam pela Rádio Tirana, ouvindo o Jornal A Classe Operária, uma coisa muito precária, mas mantinham uma organização local.

Em São Paulo, como você falou, tinha a estrutura I e a II, então esse pessoal era da estrutura II, que vinham do PC do B (desde 1962). O Cesar era originário do PC do B, antes da incorporação da Ação Popular, mas ele tava organizado com essa turma, e eles terminaram. Eu acho que, na discussão com eles, devem ter se reunido com a direção estadual lá da estrutura II, e disseram "é melhor você continuar aqui fazendo o que você ta fazendo e tal, e não ir". Ninguém sabe quem é esse Rogério Lustosa, se isso é trabalho ou emprego. Eles tinham uma certa desconfiança, porque não tinha papel timbrado, assinatura, era tudo na base do fio do bigode. Então eles não aderiram também, ficou tudo mesmo no numero zero. Era o Rogério que era Diretor do Jornal; eu, chefe de Redação, acho que era esse o nome, e a equipe: o Carlos Azevedo, o Dilair Aguiar.

Blog: E o Romão Marcelino entrou quando? Ele assinava o jornal no expediente?

Bernardo: O Romão Marcelino é um companheiro do Paraná, que eu acho que nunca escreveu uma linha para Tribuna. Era o seguinte: Do grupo, o único que tinha MTB (registro) era o Carlos Azevedo, mas o Azevedo por esse tipo de militância que eu descrevi para você, ele não se dispôs a ser um jornalista responsável pelo jornal do PC do B. Eu nunca disse isso com todas as letras, mas nós discutimos muitas vezes. Quem vai ser o jornalista responsável, não sei o quê... uma possibilidade que surgia também era o Pedro Oliveira que trabalhava ..Nessa época, ele trabalhava na Editora Abril, ele era Chefe de Arte da Revista Veja, então ele ia perder o emprego no dia seguinte..

Blog: Na época, Pedro trabalhava na Abril? E quando você fez o primeiro contato com ele, foi nesse período? Ou só depois?

Bernardo: Fiz, porque tem a questão dos conhecimentos pessoais. O Pedrinho eu conheci no movimento secundarista, tinha sido militante junto com o irmão dele, conhecia muito a mãe dele, tinha militado com ela em Campinas, então às vezes tinham essas facilidades praticas né? Quer dizer eu fui atrás da Dona Ada que era mãe do Pedrinho, uma militante fantástica! Morreu já. E aí através dela que eu fiz contato com o Pedro. Ele era da estrutura II, ajudou, mas não participou da equipe não. Ajudou, por exemplo, nos colocando em contato com um artista gráfico, o Elias Andreato, que fez aquela pintura, fez aquela a contracapa do jornal (imagem com os três militantes).. Ele desenhou também a logomarca e faz sugestão do projeto gráfico, de elemento gráfico assim... Um jornal muito feinho nos seus primeiros números. Mas o que tem de bonito ali é do Elias porque ele deu alguns elementos.

Blog: Inclusive na contracapa há a foto, a logomarca dele é uma obra. Ele coloca três personagens, é uma pintura de três trabalhadores, que depois inclusive vocês vão vender?

Bernardo: Exatamente, é. E a pintura é bonita, é expressiva mesmo, em policromia ela fica bem bonita, em preto e branco

Blog: Nesse inicio, você pessoalmente que foi construindo essa rede de contatos, de amigos colaboradores para conceber o jornal?

Bernardo: É vamos fazer assim, dois níveis de proporção. Na superfície era assim: o Bernardo, o Rogério, o Azevedo, a Olívia iam resolvendo fazer um jornal, porque é permitido né? Abaixo da superfície, era desde o início um projeto do Partido Comunista do Brasil e com essa missão mesmo de vertebrar um partido que estava abalado pela repressão.

Blog: Se vocês tinham que colocar o jornal logo no inicio vocês precisavam construir uma empresa, ou não havia essa questão? O Walmor era apenas uma figura para análise e contato?

Bernardo: O Walmor era militante do partido, mas ele era um jornalista profissional, tinha o DRT do profissional legal, emprestou e assumiu, topou de botar o MTB lá. A empresa eu acho que tinha sim, tenho quase certeza. Porque você tem que registrar o jornal em nome de uma empresa, então certamente devia ter. Eu sou muito esquecido...


Blog: A Redação funcionava onde, porque aparece como uma publicação da Editora Anita Garibaldi?

Bernardo: Era na rua Beneficência Portuguesa, o endereço aparece.... Através do Dilair Aguiar, tinha um amigo dele, não sei o que, que tinha uma salinha lá que estava desocupada, um mocufozinho, bem pequeno..Lembro-me até que esse Igor Fuser que era jornalista, que era da Estrutura I do PC do B, de São Paulo, veio nos visitar nesse lugarzinho, nós tivemos uma longa conversa. Ele assuntando, querendo saber qual era o plano, antes mesmo do jornal sair e tal... A mãe dele terminou sendo uma das primeiras ilustradoras do jornal, a Marlene, ilustrava a seção Fala Povo. A Marlene foi a primeira ilustradora do Fala Povo, ela por acaso era militante também, e era mãe do Igor. Quando o jornal começou a sair, acho que não fechamos nenhum numero nessa saletinha, aí nós mudamos para um outro, que eu não vou lembrar o endereço, mas ficava ali perto do Mercado Municipal.... Acho que é qualquer coisa Rua da Cantareira, talvez. Esse segundo lugar era mais amplo, numa área muito degradada da cidade, sobre lojas, você tinha que subir até dois lances de escada, tudo muito degradado.
Do lado tem o mercado Municipal que depois foi reformado, um lugar muito bonito de São Paulo, é um dos poucos pontos turísticos que eu recomendo da cidade, tem até um pastel muito gostoso. Mas, na época, tinha um cheiro miserável, porque é um mercado de frutas né? Sempre tem aquelas frutas que vão apodrecendo, então o bairro todo ficava meio que com cheiro das frutas podres, é uma zona muito degradada. Então, ficamos pouco tempo lá. Pelo terceiro, quarto numero, aí aconteceu o seguinte, é uma dedução minha, a turma da estrutura de São Paulo que era uma das secções mais fortes do PC do B, tinha eleito o Aurélio Perez, como primeiro Deputado Federal Operário, então uma turma que tinha base de massa, tinha bala na agulha, resolveu dá um voto de confiança na Tribuna. Não foi ainda uma entrega total, isso só ia acontecer quando o Amazonas chegasse. Quando o Amazonas chegou é que ouve um entendimento, vamos dizer assim, de que aquela iniciativa era mesmo do PC do B, era do bem e tal. Mas resolveram dá um voto de confiança. Ai, então, nós alugamos uma sede para redação na Bela Vista, na Rua Conselheiro Damásio, aí ficou um tempão, você deve ver lá no expediente: Rua Conselheiro Damásio, 500 e poucos. Era um sobradinho, um lugar bem agradável, no Bexiga, bairro assim meio italianado de São Paulo.

Blog. Nesse primeiro momento da criação jornal, como é o recurso financeiro? Porque vocês tiveram que buscar apoio para gráfica ou nunca tiveram?

Bernardo: Pois é (risos), nunca tivemos parte gráfica, nós fazíamos até a diagramação, nós fazíamos na redação. Depois a composição naquele tempo já eram off set e tudo. Mas tinha aquelas máquinas que botavam as letras, tudo coisa que desapareceu... A impressão era numa gráfica perto do aeroporto de Congonhas, deve estar no expediente, era de um velho, acho que ele nunca foi comunista, mas era um velho amigo da imprensa, uma pessoa com coragem pessoal e que topava imprimir o jornal do Partido Comunista. Mas tarde passou a ser... Me desculpe, tem coisas que...Essa memória de nome não é o meu forte. Mais tarde ele foi ser impresso em uma gráfica em Pinheiros, que era de uma moça ligada a essa construtora Camargo Correia se não me engano, era uma filha de família rica, mas que ajudou...O setor de finanças foi um drama muito grande, principalmente para o numero 1. Foi o seguinte: meu pai tinha morrido logo antes de eu ir para Albânia, e deixou, ele era funcionário publico, um apartamento em Brasília de herança para os três filhos. Eu sou o mais velho tenho uma irmã dois anos mais jovem e um irmão 10 anos mais jovem. Ai, convenci meus irmãos que era melhor vender aquele apartamento em Brasília, meu irmão morava no Rio, minha irmã morava no Rio, eu morava em São Paulo, e torrei toda a minha grana. Comprei uma maquina de lavar roupa, uma coisinha pra montar a casa, talvez uma geladeira, eletros domésticos mais custosos e o resto todo foi para Tribuna.. Foi o que deu uma sobrevida no inicio.

Blog: Você não lembra quanto foi esse recurso? Vocês tinham contabilidade?

Bernardo: Tínhamos contabilidade, se você quiser pesquisar eu nunca me envolvi com isso, sempre fui péssimo para negócio.

Blog: Então o primeiro recurso financeiro foi pessoal? Foi injetado parte...

Bernardo: Foi, esse primeiro para decolar da pista, foi essa a primeira grana. Em seguida, o jornal sempre foi vendido, e aí havia um acerto. Hoje, em dia eu diria assim alguém tem que pagar esse jornal ou você cobra R$1,00 R$2,00 do cara que você está vendendo ou então você tira do teu bolso. Uma parte era doada, vamos dizer assim: pô você não tem grana paga depois, se fazia um acerto entre o vendedor e o comprador. Mas o jornal se auto-sustentava assim de uma maneira impressionante.

Blog; Sobre as finanças, porque é interessante assim o jornal tinha, tem alguns números que vocês chamam de campanha de filiação.

Bernardo: Não, era campanha de assinatura, não campanha do semanário, campanha de ajuda do semanário.

Blog: Por exemplo, vocês colocavam uma lista: militante doou mil reais, militante doou o valor de uma rifa de eletrodoméstico. Então, foi assim que se tornou auto-sustentável o u era a venda em bancas?

Bernardo: Não, a venda em bancas sempre foi muito pequena, existiu mais sempre foi muito residual, nunca conseguiu uma presença grande. Pelo menos, naquele tempo era muito difícil você conseguir expor um jornal na banca, aquilo tudo é loteado, é um feudo, a Abril tem tanta, não é como você pensa: tenho aqui uma coisinha legal bota aí, não é assim. O grosso eram assinaturas que sempre é uma graninha interessante porque vem adiantado, tinha a venda de mão em mão.

Blog: Dos mutirões?

Bernardo: Dos mutirões, é.

Blog: O militante tinha uma cota pra vender? Porque aqui, em Juazeiro, os militantes diziam que se eles recebessem 10 Tribunas, vendiam. Como vocês faziam isso nacionalmente?

Bernardo: Então, é. Eu sempre vi esse negocio do outro lado do balcão, eu não convivi com a estrutura totalmente partidária da coisa, mas acho que deviam ter cotas, cotas voluntárias; Por exemplo, se você folhear um numero, lembro que um companheiro, que era operário da Mapre, uma fabrica de parafusos, metalúrgica lá em São Paulo, que vendia 140 Tribunas. Ai, a gente ia lá fazia uma reportagem: como é que você consegue vender 140 Tribunas dentro da fabrica, uma fabrica de, sei lá, 800 mil empregados? Então, tinha essa forma que era mais orgânica, o cara vender para os seus colegas de trabalho, de estudo de moradia e tal. Tinha também o que você falou os mutirões, nós mesmos da redação resolvemos adotar um lugar. Tinha uma fabrica de cerveja da Bhrama que não era longe e a gente ia lá toda semana, pelo menos por um tempo a gente fez isso, ia lá vender o jornal, vendia um pouco na porta da fabrica, vendia no farol, no sinal de trânsito, então tinha os mutirões. E a campanha não era para financiar a rotina do jornal, era para transformar o jornal em semanário. Nós fizemos duas campanhas que eu lembro. Uma foi para transformar o jornal em semanário, e a outra foi quando a repressão incendiou o jornal em 84. Então, a gente fez uma outra campanha pra reconstruir a sede, a redação e tal.

Blog: Você fala que havia duas equipes : havia uma equipe jornalística, outra administrativa? Como era?

Bernardo: Havia, vamos voltar à equipe para eu descrever pra você. O Carlo Azevedo saiu tipo no numero quatro. Quando a Estrutura II do PC do B, de São Paulo, resolveu nos dar um crédito de confiança, deu-nos também um militante que é o Altamiro Borges, hoje Secretario de Comunicação, é um cara...È ele tem matérias assinadas. Ele estava começando, era um garoto, 10 anos mais jovem que eu, formado recentemente, tinha passado um tempo no jornal de São Paulo, jornal da Igreja Católica.

Blog: A Olívia Rangel era responsável pelo Fala Povo?

Bernardo: Olívia desde o inicio ficou responsável pelo Fala Povo, tinha um problema de rim, que ela tem ate hoje, mas naquela época atrapalhava um bocado e também ela ficava basicamente com o Fala Povo. Fazia alguma coisa por fora, mas basicamente era só isso.

Blog: Tinha matéria assinada por você como a do movimento contra a carestia. De Delfin, logo no inicio.

Bernardo: É eu era meio assim... Chefe de redação, repórter.... Não é anormal que seja assim, até hoje no Vermelho é um pouco assim, mas eu ficava mais com a parte da política, o Rogério também ajudava na política.

Blog: Mas oficialmente era você que era o chefe de redação?

Bernardo: Oficialmente, era eu o chefe de redação, era rotina muito democrática comparada com a grande imprensa, e comparado mesmo com o Vermelho hoje. Eu me lembro que praticamente nenhuma matéria, pelo menos nenhuma acima de duas colunas, nenhuma matéria ia para o prego sem ser lida por um outro companheiro. Então, a gente tinha esse habito de: ô da uma lida nesse negocio aí, e o outro lia, dava palpite, ajudava.

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Fonte: http://tribunadalutaoperaria.blogspot.com