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Rogério, revolucionário exemplar

 

Era perto da hora do almoço quando fui chamado pelo meu vizinho dos fundos, em 21 de outubro de 1992, para atender a um telefonema. Eu morava na Vila Prudente, em São Paulo, havia dado aquele número aos familiares e à direção do PCdoB, para casos de emergência, e fui, assustado, atender. Era do Comitê Central, informando que Rogério Lustosa, amigo querido e dirigente comunista, fora encontrado morto, deitado sob uma árvore no Parque do Ibirapuera. Era

necessário comunicar ao Partido e à imprensa e fui solicitado a ir à sede da direção nacional, na Bela Vista, para ajudar nesse trabalho. Lá chegando, encontrei camaradas consternados. Rogério morreu de enfarte, aos 49 anos, quando fazia sua costumeira caminhada. Era magro, não tinha vícios, alimentava-se e se exercitava regularmente. Vá entender...

Conheci Rogério em 1979, quando eu era jornalista e dirigente do PCdoB, ainda clandestino, em Alagoas. Eu atuava nos sindicatos dos Radialistas (trabalhava na TV Gazeta) e dos Jornalistas (trabalhava também no jornal Gazeta de Alagoas) e mobilizamos colegas, militantes e amigos do Partido para que trazê-lo a Maceió a fim de nos apresentar a Tribuna Operária e as condições de montar uma sucursal alagoana - era a forma de o PCdoB atuar na semi-clandestinidade, garantindo-se contra a repressão, mas divulgando o mais amplamente suas propostas.

Rogério fez uma exposição sobre a situação internacional e nacional, disse da necessidade de um jornal que circulasse em todo o país, “uma tribuna de luta a serviço do que há de melhor no movimento operário e popular”. Logo formamos uma sucursal e passamos a contribuir, enviando matérias e coletando depoimentos de trabalhadores para a sessão "Fala o Povo".

No final de 1981, Rogério me convidou para integrar a redação da Tribuna, em São Paulo. Mudei-me com a família e nos instalamos, até conseguir alugar um apartamento, na casa de Bernardo Joffily e Olívia Rangel. Pelos próximos oito anos tivemos convivência permanente.

Rogério era uma pessoa agradável, brincalhona, mas rígido no que dizia respeito às tarefas e orientações do Partido. Em meio às reuniões de pauta e encontros, dentro ou fora do trabalho, transmitia seus conhecimentos e vivências. Contava episódios pitorescos que aconteceram com ele, como a vez em que foi preso, em Belo Horizonte, quando realizava uma pichação para o Primeiro de Maio em 1969. Alegou aos beleguins que não tinha a ver com aquilo, mas foi levado à delegacia. Lá, com documentos falsos (já havia sido preso e identificado antes, no Congresso da UNE em Ibiúna), contou uma história de que estava passando fome, sem dinheiro para voltar para o interior. Os policiais fizeram uma vaquinha e deram dinheiro para ele tomar um lanche e pegar o ônibus.

Relatava também coisas da rotina de 10 anos de prisão no Ceará, onde dividiu cela com o dirigente histórico do Partido, José Duarte, e onde também estava José Genoíno, que havia sido capturado durante a Guerrilha do Araguaia. Os cursos que faziam e ministravam entre os presos; os exercícios físicos diários, a partir de um manual da Força Aérea Canadense; as atividades de resistência, como a greve de fome para denunciar torturas; e a luta pela anistia, mesmo no cárcere.

Outra história foi "presente", digamos assim. Num dos atentados dos militares terroristas contra a Tribuna Operária, a redação, na rua Adoniran Barbosa, foi estourada. Chamamos a polícia que, em vez de apurar o atentado, proibiu nossa entrada na sede e os investigadores federais, sob o comando do delegado Romeu Tuma, levaram nossos arquivos de matérias e fotografias, nossas máquinas de datilografia e chamaram para interregatório dirigentes do PCdoB, inclusive João Amazonas (que chamava a algoz que o inqueria de "madama" e denunciou que ela que estava usando a máquina de escrever da Tribuna para colher seu depoimento) e Rogério. Pelas tantas, Rogério foi questionado - o senhor foi anistiado?. Ele respondeu: "Não lembro, anistia é esquecimento, e eu esqueci".

Depois que a Tribuna Operária encerrou suas edições, nós da redação fomos para tarefas diversas e passamos a nos encontrar mais esporadicamente. Em alguns eventos especiais do Partido, o Rogério me pedia que ajudasse na comunicação. Até que fui chamado para essa triste tarefa, escrever o seu obituário. Foi escrito com pesar, honra, admiração e orgulho de ter convivido com esse grande revolucionário, demasiado humano. 

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Jornalista

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Fonte: Portal Vermelho