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Livro de Duarte Pereira estimula reencontro de fundadores de AP

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No final da década de 1960 e início de 1970, Duarte Pereira foi dirigente da Ação Popular Marxista-Leninista (AP-ML) e, também, um de seus ideólogos. Dele, por exemplo, partiu a proposta  de unificação daquela organização com o PCdoB.  Militantes daqueles tempos heroicos compareceram num fim de sexta-feira gélido de inverno para testemunhar o lançamento de seu livro, mas também um raro reencontro.

Foi a oportunidade para o encontro de quatro amigos, que, há muito, não estavam juntos no mesmo lugar. Os militantes históricos de Ação Popular (AP), Aldo Arantes, Duarte Pereira, Haroldo Lima e Renato Rabelo, registraram esse momento raro, depois de tantos anos de luta contra a ditadura, prisões, torturas, exílios e clandestinidade. Uma noite solene, sob a arquitetura opulenta da principal biblioteca de São Paulo, que se encheu de calor e gestos emocionados de amizade vindos de mulheres e homens que se deslocaram de longe para o encontro.

Pensamento que se atualiza

O historiador Augusto Buonicore, presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois, ressaltou a importância da publicação, com artigos selecionados por Haroldo Lima e o autor. Segundo ele, trata-se de textos que defendem e renovam o marxismo, rompendo com o positivismo e o dogmatismo que costumam impregnar as interpretações do marxismo, mas sem embarcar no chamado revisionismo, que nega a essência crítica e revolucionário da teoria marxista.

Haroldo Lima fez a proposta de publicação do livro e ajudou a selecionar os artigos, mas também compartilha de muita história com Duarte Pereira. Ele ressaltou a presença, no auditório, de algumas pessoas que participaram da fundação de AP em 1963, além dele e Duarte, citando Aldo Arantes, Maria Auxiliadora Arantes (Dodora) e Solange Rodrigues Lima, companheira de Haroldo.

Estava prevista ainda a participação do sociólogo da Universidade Candido Mendes (RJ), Luiz Alberto Gomes de Souza, também fundador de AP, que enviou uma carta. Haroldo leu trechos em que Souza lembra da construção coletiva do texto fundador daquela organização política, escrita juntamente com Duarte e Herbert de Souza, o Betinho. Ele ressalta o papel de Duarte na confecção daquele documento, especialmente em seus aspectos filosóficos.

Segundo Haroldo Lima, a Ação Popular teve um papel muito significativo na história recente do Brasil, em particular na resistência à ditadura.

A partir de 1989, não apenas o socialismo europeu é questionado, mas também o marxismo que o inspirou, a partir da leitura soviética. “É nesse contexto que se coloca o livro de Duarte, ao reexaminar o marxismo com o objetivo de desenvolvê-lo, criticá-lo no que for necessário, para poder crescer e iluminar os futuros do campo marxista e socialista no mundo”.

A Pró-Reitora de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae) da UFBA, Dulce Aquino, destacou que Duarte Pereira foi o aluno mais brilhante da Faculdade de Direito da UFBA, tornando-se uma referência na comunidade acadêmica. Sobre o lançamento do livro, ela afirmou que ele foi organizado num momento importantíssimo, especialmente diante dos momentos difíceis que o país está passando.

A referência militante e teórica

O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, considerou o lançamento da coletânea de artigos um ato singelo, mas importante para a Grabois, que tem dado prioridade à divulgação do debate e do estudo do pensamento progressista, sobretudo dos que se identificam com a doutrina e o método marxista. “Esse é um esforço que a nossa Fundação vem fazendo”, disse.

O livro de Duarte, segundo Rabelo, contribui no esforço para o desenvolvimento da teoria e da ideologia das correntes políticas avançadas, que não se resumem ao círculo vicioso do dia-a-dia, o pragmatismo exacerbado. "Mas correntes que têm um horizonte mais vasto, uma missão histórica de superação da sociedade capitalista e de alcançar uma sociedade superior, a sociedade socialista”.

Mas, continua Rabelo, não está determinado, fatalisticamente, que o socialismo será a alternativa da história em qualquer situação. “Assim, acredito que essa coletânea de artigos, entrevistas e ensaios, fornece valiosa contribuição à investigação e ao esforço pelo desenvolvimento do nosso pensamento marxista”.

Ele aproveitou para relembrar sua atuação, juntamente com Duarte, na Comissão Executiva Provisória da AP, “em condições duras, difíceis e perigosas”, em plena clandestinidade imposta pela ditadura militar às correntes democráticas, progressistas e revolucionárias. "Sua elevada estatura militante e rigor e honestidade teóricos no terreno político sempre foram uma referência que muito contribuiu para a minha formação”, concluiu, agradecendo emocionado a oportunidade do reencontro.

Desenvolver a teoria diante do desafio tático

Duarte duvidava se a publicação era oportuna, “uma vez que o livro não se debruça sobre problemas táticos”, mas Haroldo Lima o convenceu dizendo que a obra daria contribuição para a construção de um pensamento mais estratégico e não tático, imediato.

O autor agradeceu à Fundação Maurício Grabois e à Editora Anita Garibaldi, por concordar com a iniciativa de publicação. “Essa iniciativa tem um mérito maior, porque eles não ignoram que persiste entre nós divergências políticas sobretudo no plano tático. E apesar disso, vieram com sua tolerância e contribuíram para que esse produto esteja a disposição de mais gente, com a possibilidade de examiná-los [os textos] em conjunto, o que favorece a leitura”.

Duarte mencionou a importância de sua formação no Liceu Salesiano, no Seminário Central da Bahia e na Faculdade de Direito, onde iniciou sua militância estudantil, até chegar à vice-presidência da UNE, diretoria que foi derrubada pelo golpe. “A presença da Dulce [Aquino] serve para recordar essa fase da minha vida”, mencionou.

Ele citou a presença de Walter Barelli, membro da comissão provisória da UNE, logo após o golpe, e que ajudou a reorganizar a AP em 1965 e sua trajetória na equipe da Revista Realidade, notando a presença de membros daquela redação na plateia.

Duarte mencionou uma certa tendência empirista de AP, dada a conjuntura de Revolução Cultural na China, que cunhou a expressão “marxismo se aprende na prática”. “Nada se aprende só na prática. A prática exige método e formulação de conceitos para trabalhar sobre essa prática para se tornar teoria. Essa tese apresentada de forma esquemática não é verdadeira. Mas é verdade que marxismo não se aprende só nos livros, mas na prática, no confronto com os desafios de cada momento, nas lutas que nos exigem. Foi assim que fui desenvolvendo minha própria formação”.

Duarte mencionou a forte influência cristã na ideologia de AP, a partir do catolicismo de Luiz Alberto e Betinho. Outra influência importante na fundação de AP, segundo ele, foi o marxismo de Vinicius Caldeira Brandt que editou o jornal Ação Popular, desde 1961, em Minas Gerais. Mas ele também salientou a importância dos evangélicos protestantes na organização.

Após mencionar algumas reminiscências sobre a luta política contra a ditadura, Duarte falou sobre o livro. São artigos, entrevistas e textos mais encorpados, escritos em distintas épocas, que podem parecer estranhos pela natureza teórica, neste momento nacional e internacional tão convulsionado e desafiador. “Pode parecer que se está fugindo da prática e resvalando para um teoricismo meio sem sentido. Na crise que estamos vivendo que, pra mim, encerra uma fase da nossa história, é necessário, ao invés de continuar apenas resvalando na tática e na busca das manobras eleitorais, nas articulações imediatas, fazer um certo recuo. Elaborar o método que permita compreender a realidade imediata, cheia de surpresas e desafios, que não estavam no nosso horizonte anterior. É esse esforço que eu procurei fazer por meio desses textos, dentro dos meus limites”, explica ele.

Diante da situação atual, alerta ele, um risco é se contentar com as lutas parciais de movimentos específicos, parciais, objetivos e fragmentados, sem ter a capacidade de elaborar uma síntese que permita encaminhar para a construção de uma sociedade nova. “É preciso repensar a tática desses últimos anos, que se revelou inadequada, que terminou em derrotas importantes do movimento operário e popular, das forças antiimperialistas, em sentido mais amplo”.

Ele menciona um ensaio “decisivo” do livro, “Lênin e a dialética hegeliana”, que em plena Primeira Guerra Mundial, Lênin se recolheu a uma biblioteca e passou um mês estudando Hegel. “Ele embarcou nesse esforço teórico, difícil, elaborando textos e conceitos abstratos. Mas isso era uma necessidade da prática. No momento em que Lênin sentia que aumentava suas responsabilidades revolucionárias, pelo malogro da Segunda Internacional, ele sentiu a necessidade de armar-se teoricamente para corresponder aos novos desafios e conseguir dar a resposta adequada a esses problemas”.

Confrontamos-nos, hoje, com problemas semelhantes, na opinião de Duarte, com uma conjuntura “extremamente grave, ameaçadora, com horizonte de tendências fascistas”. “Quando a gente achava que já tinha vivido o suficiente com o social-liberalismo, com viés de direita ou de esquerda, temos pela frente, seguramente, a oportunidade de ver um governo realmente neoliberal. Vamos ver o que significa, o neoliberal no sentido pleno da palavra”, disse ele, sobre o governo interino de Michel Temer e suas sinalizações programáticas.

Concluindo, afirma que o marxismo precisa ser “repensado, desenvolvido e atualizado para que se torne o horizonte da nossa luta e dê significado e eficácia a essa luta, que não pode se esgotar apenas nos desafios da tática, por mais importantes que eles sejam”, concluiu ele.