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Indígenas perseguidos pela ditadura militar são reconhecidos e anistiados

A Comissão de Anistia concedeu nesta sexta-feira (19 de setembro) a anistia política a um grupo de índios da etnia Suruí vítimas da ação da ditadura militar durante a Guerrilha do Araguaia. Dos 16 pedidos analisados nesta sexta-feira, a comissão reconheceu 14. Em todos os processos os índios foram utilizados pelos militares para o reconhecimento do território e para servir de apoio nas perseguições aos guerrilheiros.

Ao reconhecer a violação dos direitos dos índios, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, pediu desculpas pela ação do Estado brasileiro. Segundo Abrão, a iniciativa abre espaço para que a história seja recontada reconhecendo a perseguição a indígenas e até mesmo a tribos inteiras. Para chegar ao reconhecimento, a Comissão de Anistia analisou documentos, depoimentos prestados pelos índios ao Ministério Público Federal e dos próprios indígenas

Um relatório detalhado foi entregue à Maria Rita Kehl, integrante da CNV responsável por apurar as graves violações de direitos humanos de indígenas e camponeses, pelo vice-cacique Mahu Suruí, pela jovem liderança Winorru Suruí e mais três idosos, vítimas das violações: Api, Tawé e Teriwera Suruí.

O trabalho é fruto de investigação documental, bibliográfica e de cunho antropológico, coordenada pela antropóloga Iara Ferraz, que há 20 anos convive com a etnia, e colheu "longos e detalhados depoimentos" dos Aikewara no ano passado, com o apoio do Grupo de Trabalho Araguaia, criado pelo governo para atender a determinação judicial para localizar os restos mortais das vítimas do extermínio da guerrilha.

Na avaliação de Iara, o caso dos Suruí se destaca pela comprovada participação direta das Forças Armadas nas violações, assim como ocorreu com os Waimiri-Atroari, no Amazonas, invadidos e mortos para construção da rodovia Transamazônica.

Maria Rita Kehl avaliou como muito positiva a iniciativa dos Suruí. Ela esteve com a etnia duas vezes em 2012, momento em que foi comunicada da decisão dos indígenas de que eles mesmos contariam sua história. "Vai ser de muito valor para o capítulo do relatório que tratará das graves violações de direitos humanos contra indígenas e camponeses, pois será, junto com o dos Xavante Marãiwatsédé, um dos únicos relatos feito pelos próprios indígenas", afirmou.

Volta no tempo e no espaço
Os índios anistiados habitam a Aldeia Soror, na Terra Indígena Aikewara, localizada entre os municípios de Marabá (PA), São Geraldo do Araguaia (PA), São Domingos do Araguaia (PA) e Brejo Grande do Araguaia (PA). No período da Guerrilha do Araguaia, o contato dos suruís com os “brancos” era recente, feito a partir da década de 50 do século passado e intensificada na década de 1960.

Com pouco tempo de contato com a população não-indígena, eles ficaram em cárcere privado dentro da aldeia, não podiam sair, não podiam caçar, o estoque de alimentação foi destruído. Dentro da aldeia montaram uma base na qual o Exército ficou de 1971 a 1973 e alguns indivíduos adultos foram requisitados para ajudar nas ações. Apenas um índio entendia o português.

Na avaliação dos Suruí, eles foram tratados como prisioneiros de guerra, pois as mulheres e crianças foram diuturnamente vigiados na aldeia, enquanto todos os homens adultos, recrutados à força, com o aval da Funai, foram usados como guias na mata, como escudos humanos, sofreram a violência das privações e humilhações, carregando cargas pesadas às costas para os militares, dormindo ao relento na estação das chuvas, com fome, sede e medo sob a mira das armas, na "caça" aos guerrilheiros.

Segundo Winorru Suruí, a ocupação da aldeia pelo Exército, além das consequências imediatas relatadas pelos anciãos, resultou em duas sequelas: invasão e perda do território. "Após a guerrilha teve Serra Pelada e, depois do garimpo, os migrantes ficaram por lá e muita gente entrou na nossa terra", contou.

O movimento guerrilheiro no Araguaia começou no fim dos anos 60 para lutar contra a ditadura militar. Organizado por pessoas ligadas ao PCdoB, o grupo acabou constituindo o primeiro movimento que enfrentou o Exército durante o regime militar. Foram utilizados mais de 3 mil militares no conflito, que durou de 1972 a 1975. Mais de 60 pessoas morreram e muitos corpos continuam desaparecidos.

Um dos índios, Marahy Suruí, hoje com mais de 80 anos, ficou surdo e tuberculoso em consequência das condições em que ficou. Somente em 2010, eles decidiram entrar com o pedido, por receio de alguma possível retaliação dos militares. Com o reconhecimento da anistia, cada um dos indígenas vai receber 130 salários mínimos.

Uma das consequências da ação dos militares foi a retirada dos índios de seu território. Segundo Winurru, apesar da anistia individual, os índios pleiteiam também uma reparação coletiva. Segundo ele, atualmente os índios se encontram em um território de apenas 26 mil hectares (um hectare corresponde aproximadamente à área de um campo de futebol oficial).

Embora fossem da região do Rio Araguaia, agora, encontram-se a 70 quilômetros do rio mais próximo. Isso provocou um impacto cultural imenso pois os índios deixaram de fabricar utensílios de barro e de argila, além da construção de canoas. Depois de milhares de anos como canoeiros, os índios agora só conhecem esse meio de transporte fluvial pela televisão.

Faz 40 anos que os suruís esperam que seja reconhecido que eles foram perseguidos, que sofreram muito e sobretudo que perderam seu território original. Esta medida pode ser revertida por meio de um processo da Funai, engavetado por 20 anos, acrescentando 11 mil hectares ao território, que começa a tramitar no próximo mês (outubro) no MInistério da Justiça. Atualmente com uma população de 350 indivíduos, os Aikewara estão distribuídos em duas aldeias – Sororó e Itahy - na Terra Indígena Sororó, situada nos municípios de Brejo Grande do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Marabá, a sudeste do estado do Pará.