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Carlos Marighella: a chama que não se apaga

 

“Chegas de longa caminhada a este teu chão natal, território de tua infância e adolescência.

 

Vens de um silêncio de dez anos, de um tempo vazio, quando houve espaço e eco apenas para a mentira e a negação.

Quando te vestiram de lama e sangue, quando pretenderam te marcar com o estigma da infâmia, quando pretenderam enterrar na maldição tua memória e teu nome.

Para que jamais se soubesse da verdade de tua gesta, da grandeza de tua saga, do humanismo que comandou tua vida e tua morte.

Trancaram as portas e as janelas para que ninguém percebesse tua sombra erguida, nem ouvisse tua voz, teu grito de protesto.

Para que não frutificasses, não pudesses ser alento e esperança.

Escreveram a história pelo avesso para que ninguém soubesse que eras pão e não erva daninha, que eras vozeiro de reivindicações e não pragas, que eras poeta do povo e não algoz.

Cobriram-te de infâmia para que tua presença se apagasse para sempre, nunca mais fosse lembrada, desfeita em lama.

Esquartejaram tua memória, salgaram teu nome em praça pública, foste proibido em teu país e entre os teus.

Dez anos inteiros, ferozes, de calúnia e ódio, na tentativa de extinguir tua verdade, para que ninguém pudesse te enxergar.

De nada adiantou tanta vileza, não passou de tentativa vã e malograda, pois aqui estás inteiro e límpido.

Atravessaste a interminável noite da mentira e do medo, da desrazão e da infâmia, e desembarcas na aurora da Bahia, trazido por mãos de amor e de amizade.

Aqui estás e todos te reconhecem como foste e serás para sempre: incorruptível brasileiro, um moço baiano de riso jovial e coração ardente.

Aqui estás entre teus amigos e entre os que são tua carne e teu sangue. Vieram te receber e conversar contigo, ouvir tua voz e sentir teu coração.

Tua luta foi contra a fome e a miséria, sonhavas com a fartura e a alegria, amavas a vida, o ser humano, a liberdade.

Aqui estás, plantado em teu chão e frutificarás. Não tiveste tempo para ter medo, venceste o tempo do medo e do desespero.

Antonio de Castro Alves, teu irmão de sonho, te adivinhou num verso: “era o porvir em frente do passado”.

Estás em tua casa, Carlos; tua memória restaurada, límpida e pura, feita de verdade e amor.

Aqui chegaste pela mão do povo. Mais vivo que nunca, Carlos”.

 

 Texto escrito por Jorge Amado, amigo de Marighella e seu companheiro na bancada comunista da Assembléia Nacional Constituinte e na Câmara dos Deputados entre 1946 e 1948.

Lido por Fernando Santana em 10 de dezembro de 1979 – Dia Universal dos Direitos do Homem – por ocasião do sepultamento dos restos mortais de Marighella no cemitério das Quintas, em Salvador.