Boas vindas ao Portal Grabois, conheça nossa marca
O que você está procurando?

Ato cultural fez coro de denúncia à tortura no antigo DOI-Codi de SP

A Internacional, hino comunista proibido durante a ditadura militar, ecoou na tarde deste sábado (14), no antigo DOI-Codi de São Paulo, o mais temido centro de tortura dos Anos de Chumbo.

Ativistas de direitos humanos, ex-presos políticos e parentes de vítimas da ditadura se manifestaram para pressionar o governador Geraldo Alckmin (PSDB), a transferir a delegacia de polícia, que funciona no local até hoje, e transformar o espaço em um marco da memória em homenagem aos que tombaram na resistência ao regime.

Os manifestantes divulgaram uma carta aberta à população explicando que o prédio já foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de São Paulo, em janeiro de 2014, e apontando as razões pelas quais o DOI-Codi deve se tornar um centro de memória.

Desta vez, praticamente não houve discursos. Os ativistas optaram por uma manifestação predominantemente cultural. As músicas deram o tom do protesto.

Todas as canções, regidas pelo maestro Martinho Lutero, fundiram o coro de crianças e adultos do coral Luther King e do Canto Sospeso, que veio da Itália para participar do evento.


Resistência

A manifestação começou ao som do coral infantil Lazi interpretando "O Bebado e a Equilibrista", ainda na Praça Santíssimo Sacramento, na esquina das ruas Tutóia e Tomás Carvalhal, praticamente em frente ao portão por onde entravam os camburões com os prisioneiros.

Dali todos seguiram em caminhada cantando "Suíte do Pescador", até os fundos do DOI-Codi, onde funcionavam as salas de tortura e as celas onde os presos políticos eram trancafiados.

O som da rua invadiu o antigo DOI-Codi com a italiana Bella Ciao, da resistência ao fascismo, mas o ápice da crítica ao arbítrio foi externalizada com "A Internacional" cantada pelo coro e pelo público.

O protesto foi encerrado na frente da 36a Delegacia de Polícia com os ativistas entoando os nomes dos companheiros assassinados pela ditadura militar e colocando rosas vermelhas sobre o muro da delegacia, em homenagem aos que tombaram na luta.

Não ao golpe

Criméia de Almeida, uma das presas políticas torturadas no DOI-Codi paulista, perdeu o marido e o sogro executados pelos militares na Guerrilha do Araguaia. À época ela estava grávida de sete meses, mesmo assim não foi poupada. O comandante do DOI-Codi, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a torturou pessoalmente e ainda desferiu chutes em sua barriga.

A ativista também teve a irmã, Maria Amélia Teles, a Amelinha, e o cunhado, César Teles, torturados por Ustra. Os sobrinhos de Criméia também foram levados ao DOI-Codi para ver o sofrimento dos pais na tortura.

Ela não se conforma de ver outro golpe ser dado no país. "A reprise é muito triste. Eu me sinto muito triste. Já vivi um golpe, não esperava viver outro", lamenta. Mas ela confia na resistência. "A gente deteve os tanques, não vai ser os cabelinhos acajú, que a gente não vai deter", afirma confiante.

Para o maestro Martinho Lutero, o impeachment da presidente Dilma comprovou que a ditadura não é uma coisa do passado. "Vimos um deputado louvando o coronel Ustra (que comandou a tortura no DOI-Codi entre 1970 e 1974). A cultura é uma arma importante para denunciar o arbítrio", enfatiza.

O jornalista Audálio Dantas, que presidia o Sindicato da categoria quando Vladimir Herzog foi assassinado sob tortura nas dependências do DOI-Codi, também está preocupado com a inflexão política do Brasil. "Neste momento o país sofre um grave retrocesso e corre o risco de perder todas as conquistas da democracia."

Mas assim como Criméia e o maestro, ele considera que é possível barrar o avanço da direita com manifestações de rua. "Atos como este são fundamentais para impedir esse avanço."