Em entrevista ao Portal da Fundação Maurício Grabois, Romualdo Pessoa Campos Filho, mestre em História e professor de Geopolítica do Instituto de Estudos Sociambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que os vínculos estabelecidos pelos guerrilheiros com a população eram “relações de amizades muitas delas inquebrantáveis”. Autor do livro Guerrilha do Araguaia, a Esquerda em Armas (editado pela UFG), ele também afirma que o presidente Lula precisa determinar uma investigação séria sobre o resultado da repressão à Guerrilha no começo dos anos 70.

Romualdo Pessoa Campos Filho afirma que os crimes praticados no período militar ceifaram vidas importantes, personagens que seguramente estariam se destacando nos dias atuais na luta política democrática. Para o professor, há muito tempo existem claras evidências de execuções

Em entrevista ao Portal da Fundação Maurício Grabois, Romualdo Pessoa Campos Filho, mestre em História e professor de Geopolítica do Instituto de Estudos Sociambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que os vínculos estabelecidos pelos guerrilheiros com a população eram “relações de amizades muitas delas inquebrantáveis”. Autor do livro Guerrilha do Araguaia, a Esquerda em Armas (editado pela UFG), ele também afirma que o presidente Lula precisa determinar uma investigação séria sobre o resultado da repressão à Guerrilha no começo dos anos 70.

Romualdo Pessoa Campos Filho afirma que os crimes praticados no período militar ceifaram vidas importantes, personagens que seguramente estariam se destacando nos dias atuais na luta política democrática. Para o professor, há muito tempo existem claras evidências de execuçõessumárias e de uma guerra de extermínio — versão agora assumida pelo ex-major Curió.

O professor enfatiza, ao comentar a versão dos repressores de que dirigentes da Guerrilha “abandonaram” a região dos combates, que é comum em toda ação repressiva a tentativa de desqualificar as lideranças de qualquer movimento revolucionário. Sobre, Maurício Grabois, o comandante da Guerrilha, Romualdo Pessoa Filho diz que ele era um dirigente muito respeitado e bastante ponderado nas relações com seus comandados.

Veja a íntegra da entrevista:

Em entrevista ao Portal da Fundação Maurício Grabois, Romualdo Pessoa Campos Filho, mestre em História e professor de Geopolítica do Instituto de Estudos Sociambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que os vínculos estabelecidos pelos guerrilheiros com a população eram “relações de amizades muitas delas inquebrantáveis”. Autor do livro Guerrilha do Araguaia, a Esquerda em Armas (editado pela UFG), ele também afirma que o presidente Lula precisa determinar uma investigação séria sobre o resultado da repressão à Guerrilha no começo dos anos 70.

Romualdo Pessoa Campos Filho afirma que os crimes praticados no período militar ceifaram vidas importantes, personagens que seguramente estariam se destacando nos dias atuais na luta política democrática. Para o professor, há muito tempo existem claras evidências de execuções sumárias e de uma guerra de extermínio — versão agora assumida pelo ex-major Curió.

O professor enfatiza, ao comentar a versão dos repressores de que dirigentes da Guerrilha “abandonaram” a região dos combates, que é comum em toda ação repressiva a tentativa de desqualificar as lideranças de qualquer movimento revolucionário. Sobre, Maurício Grabois, o comandante da Guerrilha, Romualdo Pessoa Filho diz que ele era um dirigente muito respeitado e bastante ponderado nas relações com seus comandados.

Veja a íntegra da entrevista:

Portal da Fundação Maurício Grabois: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que é importante analisar o que é verdade e o que não é sobre o arquivo da Guerrilha do Araguaia revelado por Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió. Pelo seu conhecimento, é possível fazer essa distinção?

Romualdo Pessoa Filho: Olha, hoje em dia nós temos possibilidade de investigar quaisquer fatos que tenham ocorrido no passado, e encontrarmos respostas para eventuais crimes cometidos. Em alguns casos existem maiores dificuldades, principalmente naqueles onde não possam existir testemunhos de pessoas de fora das corporações militares.

No meu trabalho (o livro Guerrilha do Araguaia, a Esquerda em Armas), por exemplo, publicado em 1997, após um trabalho de pesquisa que começou cinco anos antes, eu consegui coletar depoimentos que me permitiram chegar à confirmação de fatos que agora foram apontados pelo ex-major Curió. Estão lá no meu livro, inclusive a denúncia sobre as práticas de degolas, que até hoje os militares insistem em se eximir das responsabilidades, seja acusando os índios suruís — como no depoimento do coronel Lício Maciel, ou apontando para a ingenuidade dos guias, como dito agora pelo Curió.

O que o presidente Lula precisa é determinar, com firmeza e propósito de conseguir obter resultados, uma investigação séria, que não fique somente sob o comando de agrupamentos militares, mas que envolva entidades, organizações e grupos de familiares que há mais de duas décadas buscam informações sobre o paradeiro dos corpos daqueles guerrilheiros que teriam sido presos e executados pelo Exército.

Na recente anistia concedida aos camponeses da região, os processos revelam exemplos que atestam os vínculos da população local com a Guerrilha. Esses dados confirmam as pesquisas que o senhor realizou, apontando para essa direção?

Sim. De uma maneira ou de outra, seja conscientemente, em que alguns moradores da região tinham conhecimento do que ali faziam os militantes, ou simplesmente pela relação de amizade construída ao longo dos anos, eles deram apoio de diversas formas aos guerrilheiros. Foi exatamente por isso que, após o intervalo da segunda para a terceira campanha, e tendo feito um minucioso trabalho de investigação, os militares saíram prendendo os moradores de São Domingos das Latas, como era chamado naquela época o principal município ali daquela área (hoje São Domingos do Araguaia).

Os militantes comunistas conseguiram estabelecer vínculos fortes e relações de amizades muitas delas inquebrantáveis, como só pode saber aqueles que entendem e convivem com a população interiorana, de lugares onde o valor da amizade é ditada pela maneira carinhosa e respeitosa como você trata o outro, coisa rara de se ver nas grandes cidades, principalmente nos tempos atuais. Ainda mais em se tratando de um lugar onde o poder público estava completamente omisso.

E os militantes, quando ali chegaram, buscaram ajudar a população em áreas carentes como saúde e educação. Pela capacidade intelectual, conhecimento e em função dos próprios objetivos que os levaram para ali, não foi difícil esse envolvimento. Certamente, se a Guerrilha não tivesse sido abortada as forças militares teriam enormes dificuldades em conter um movimento que poderia se expandir numericamente com o engajamento na luta de mais camponeses e moradores da região.

Pode-se dizer que as informações sobre execuções são a parte mais importante das revelações de Curió?

Elas são importantes porque partem de um personagem central na repressão ao movimento. Afinal, ele foi o responsável pelo trabalho de investigação feita em toda a área que a Guerrilha está circunscrita. Apesar dos elogios aos guerrilheiros, feitos em sua entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Curió representou a parte cruel da ação das Forças Armadas, a chamada “guerra suja”, onde foi praticado todo tipo de crime seja contra a população local, em que muitos moradores foram presos e torturados, ou das prisões dos guerrilheiros seguidas de sumárias execuções.

Crimes claramente repudiados por vários acordos internacionais, principalmente ao mais importante deles, a Convenção de Genebra, onde se tipifica os crimes de guerras. Mas, a rigor, suas informações não são novidades.

Muitas delas, repito, estão eu meu livro, e são frutos de depoimentos de moradores da região, algumas delas ditas por ex-guias, pessoas que adentraram a mata com os militares e presenciaram a maioria das prisões e até mesmo tinham certeza de eventuais execuções. Outras já foram mostradas em livros que foram publicados posteriormente, como os de Eumano Silva e Thaís Morais (Operação Araguaia – Os Arquivos Secretos), inclusive com apresentações de fotografias de guerrilheiros mortos com as mãos amarradas.

Quero dizer, portanto, com ênfase, que há muito tempo existem claras evidências de execuções sumárias e de uma guerra de extermínio, praticadas principalmente na terceira campanha, que eu denomino em meu livro de “cerco e aniquilamento”. Está lá, dita há mais de dez anos: a ordem era não deixar sobrevivente. Somente agora confirmada pelo Curió.

Curió diz que com os crimes praticados “a erva daninha” foi arrancada pela raiz. A luta camponesa na região depois da Guerrilha contraria essa versão?

A História nega veementemente os impropérios de Curió. O que nós temos hoje? O que ficou demonstrado ao longo de nossa História, o que foi mais nefasto para o nosso país, o golpe militar de 1964 e o seu consequente endurecimento até transformar-se em uma ditadura militar ou as bandeiras de lutas em defesa da democracia, por um governo popular e soberano?

Não somente a luta dos trabalhadores do campo e da cidade, que se intensificou e prossegue sob novas circunstâncias nos dias atuais, como todo o processo de redemocratização do Brasil, que culminou na eleição do presidente Lula, confirmam que aquele período representou um enorme atraso para o nosso país.

Os crimes praticados no período militar ceifaram vidas importantes, personagens que seguramente estariam se destacando nos dias atuais na luta política democrática. A meu ver, Curió, a par de justificar seus crimes, seja cumprindo ordens ou não, prossegue fechado em uma redoma que o impede de ver a realidade.

Isso, aliás, é muito comum nos psicopatas e tem sido objeto de intensas discussões sobre alguns crimes que são cometidos na sociedade contemporânea. O indivíduo não consegue sentir culpa ou remorso, porque ele não consegue identificar naquilo que faz como uma ação criminosa.

Como o senhor analisa a versão de Curió sobre a “fuga” de João Amazonas da região da Guerrilha?

É comum que toda ação repressiva tente desqualificar as lideranças de qualquer movimento revolucionário. Também o Coronel Lício Maciel segue na mesma linha de Curió. Na verdade é um discurso orquestrado. Em todo movimento desse tipo, é preciso que os seus principais dirigentes sejam eliminados. Aliás, os militares fizeram isso com Angelo Arroyo, destacado dirigente da guerrilha que também conseguiu furar o cerco na região e escapar ileso.

Logo depois ele foi assassinado no triste episódio conhecido como “o massacre da Lapa”, quando a repressão assassinou tanto ele quanto Pedro Pomar. No caso de João Amazonas, como eles não conseguiram eliminá-lo passaram a divulgar uma versão de fuga, para desqualificá-lo.

Mas o Partido agiu corretamente ao tirá-lo da região. Naquele momento, a saída dele e de Angelo Arroyo foi crucial para a preservação da organização. Isso é natural em um movimento guerrilheiro — determinadas lideranças devem ser protegidas, principalmente com o objetivo de preservar ao máximo possível a organização que dirigem.

Curió diz que a “Operação Sucuri” foi a ação repressiva mais bem realizada na América Latina. Gostaria que o senhor comentasse os métodos utilizados por ele nessa operação.

Bom, pelo menos ele indiretamente reconhece a incapacidade que os militares latino-americanos possuíam naquela época em lidar com guerras de guerrilhas. Por isso, eles recorreram aos Estados Unidos, tanto em apoio militar quanto em aprender técnicas abomináveis de tortura. Comparativamente, portanto, a tantas ações desastrosas, pode-se dizer que sim, mas é preciso deixar claro a que custo.

Afinal, foi feito, de fato, um profundo levantamento de dados da região e informações sobre todo e qualquer morador na área em que se situou a guerrilha. O tempo corresponde ao período entre outubro de 1972 a meados de 1973. Quase um ano de infiltração de agentes e de mapeamento de toda a área.

Mas o que Curió chama de “a mais bem realizada ação repressiva” contabiliza uma enorme quantidade de equívocos, quando da identificação de moradores da região, em que a neurose dos agentes igualava todos aqueles que se aproximaram dos militantes comunistas, muitos dos quais não sabiam dessa condição deles e imaginavam serem moradores comuns, de outras regiões, em busca de um pedaço de terra como eles.

A ação truculenta e repressiva foi indistinta com esses moradores — prendeu-os e torturou-os física e psicologicamente. Alguns ficaram com seqüelas para o resto da vida e houve também quem desaparecesse, certamente tendo morrido em decorrência das torturas. Em seguida, quando se estabelece o cerco à mata, na área onde se concentraram os guerrilheiros, o resultado foi prisão, tortura e assassinato, com requintes de crueldades e até mesmo ato de vingança.

Certamente, o orgulho apresentado pelo ex-major Curió só é possível ocorrer porque, lamentavelmente, ao longo desses anos, ao contrário de outros países, o governo brasileiro não soube agir com firmeza para identificar e punir tais crimes. Somente desta maneira criminosos confessos se apresentam como heróis de uma República que não consegue fechar as páginas truculentas de seu passado.

Ele também afirma que a “ordem superior” era não deixar rastros da Guerrilha. É uma confissão de crimes praticados pelo Estado?

Sim. Embora, como eu já disse anteriormente, não há novidade nessa “confissão”. O que causa indignação é sabermos que durante mais de duas décadas temos ouvido declarações negando isso, quando não o silêncio cúmplice de autoridades e chefes militares.

Não há dúvidas que todo o mistério que cerca a Guerrilha do Araguaia decorre da vergonha por atos criminosos praticados naquele momento e, certamente, para evitar que os responsáveis viessem a ser julgados por tais atos. Além do fato militar em si, quando as forças armadas incorreram em uma derrota ao ver um enorme contingente seu ser por duas vezes derrotado por menos de uma centena de guerrilheiros.

Qual a sua opinião sobre a criação, pelo Ministério da Defesa, de um grupo comandado por militares para buscar vestígios dos mortos na região da Guerrilha?

As decisões do governo federal têm sido durante todos esses anos marcados pela dubiedade. Ora apoiando iniciativas feitas pela comissão de mortos e desaparecidos políticos, ligada à Secretaria de Direitos Humanos, ora com decisões com objetivo de emperrar certos procedimentos, ou até mesmo a ausência de decisões — como no caso da identificação das várias ossadas há muito tempo recolhidas e ainda à espera de análises de legistas.

É estranho que, depois de tantas idas e vindas, de ações desenvolvidas por essa comissão, por familiares dos desaparecidos, por iniciativa do próprio PCdoB e no momento em que o ex-major Curió dispõe-se a falar (ou foi instruído a isso) seja baixada uma portaria delegando ao próprio Exército a procura por restos de guerrilheiros que essa instituição negou existir por tantos anos.

Obviamente, é incompreensível do ponto de vista da lógica do senso comum, mas é evidente que se trata de uma decisão política e, creio, tem a finalidade de reduzir os impactos de tais denúncias feitas agora de dentro da própria corporação. Mas não creio que vise a acobertar possíveis descobertas de vestígios. Acho que ao longo desses anos também as Forças Armadas passaram por algumas transformações.

As resistências maiores às investigações situam-se naqueles oficiais mais antigos e em muitos que já encontram-se na reserva. Mas, de qualquer maneira, essas buscas não podem deixar de contar com o trabalho que a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos já vem realizando, nem com o apoio dos familiares que por tanto tempo tem estado permanentemente em busca dessas informações.

Como o senhor avalia o papel do Maurício Grabois no comando da Guerrilha do Araguaia?

Não tenho muitas informações. Mas as poucas que obtive me dão a clareza de que ele era um dirigente muito respeitado e bastante ponderado nas relações com seus comandados. Creio que as decisões militares eram tomadas pela Comissão Militar e havia pessoas com características completamente distintas.

O retorno de João Amazonas deixou o peso da experiência nas costas de Maurício Grabois, que seguramente era dentre eles o mais experiente — além de um quadro muito bem preparado intelectualmente. Basta ver o trabalho que ele, junto com Amazonas e Arroyo, assumiu ao produzir um extenso documento para comemorar os 50 anos do PCdoB, boa parte dele escrito nas matas do Araguaia.

Um caso especial, que muito me chamou a atenção e que cito em meu livro, diz respeito à decisão tomada por Amaro Lins, comunista experiente, mas que, deslocado para a região da Guerrilha, apaixonou-se por uma jovem do lugar, São Geraldo, bem mais jovem do que ele. Como a regra para todos guerrilheiros dizia que não se devia existir relacionamentos fixos, foi solicitado que ele desfizesse aquela relação. Algo mais forte que sua vontade.

O comando do destacamento então tomou a decisão de afastá-lo do grupo. Grabois ao tomar conhecimento, logo após chegar de uma viagem, fez uma crítica ao grupo por ter deixado Amaro sem nenhum apoio e vivendo com a nova companheira dentro da mata embaixo de uma lona e garantiu recursos para que ele pudesse reconstruir sua vida. Embora afastado do grupo, durante um tempo fora da região em que estava seu destacamento, retornou para São Geraldo e passou a atuar no apoio aos guerrilheiros.

E foi por isso preso, torturado e permanentemente vigiado pelas forças de repressão. Ao me contar esses fatos (então com uns 70 anos), senti o profundo respeito que o senhor Amaro nutria pelo Grabois, ou “velho Mário” como ele se referia. Amaro morreu alguns anos depois da entrevista que me concedeu. A sua companheira filiou-se ao PCdoB e tornou-se uma militante na região à frente do movimento de mulheres.