Certa ocasião Eric Hobsbawn confessou ao historiador liberal norte-americano Simon Schama sua vontade de ser lembrado como aquele que manteve a bandeira tremulando. A bandeira do socialismo, claro.

Foram mais de oitenta anos de adesão e dedicação à causa do socialismo se forem contados desde sua primeira leitura do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, em 1931, quando tinha 14 anos de idade. Essa adesão encontrou, naquele menino, o solo fértil de uma mente inquieta que tinha assistido, naqueles anos, ao crescimento do nazismo na Alemanha e à ascensão de Hitler ao poder. “Qualquer um que tenha assistido, de primeira mão, à ascensão de Hitler, não poderia ter evitado ser politicamente moldado por este acontecimento. E este garoto está ainda dentro de mim, sempre estará”, escreveu muitas décadas depois, em suas memórias.

Foi esta convicção que fez de Hobsbawn um historiador singular, e o maior de nosso tempo. Convicção fortalecida por outro acontecimento histórico, que coincidiu com o ano de seu nascimento: a revolução russa de 1917: “pertenço à uma geração para quem a revolução bolchevique representou uma esperança para o mundo”, registrou também em sua autobiografia.

Escreveu, e muito – mais de 40 livros – cioso de que a tarefa do historiador é entender como é que o mundo muda, e influir nessa mudança. E, como exige a concepção materialista da história, da qual talvez sua obra seja o mais consequente exemplo, o tema é a vida humana em sua imensa multiplicidade e variedade, envolvendo a política, a economia, a cultura, a ideologia etc. são livros fundamentais para a compreensão do mundo moderno, como por exemplo os livros da Era da revolução. Ou como a monumental História do Marxismo, que coordenou.

Foi um homem de seu tempo, das lutas de seu tempo. Filiado ao Partido Comunista a Grã-Bretanha desde 1936, fez parte do notável grupo de historiadores reunido em torno da Escola daquela agremiação (entre eles Maurice Dobb, Christopher Hill, Rodney Hilton, Edward Palmer Thompson, George Rudé) e que, desde 1946, revolucionou a historiografia colocando o foco de sua análise nas lutas dos trabalhadores, dos camponeses, do povo pobre. Mesmo depois da crise desse grupo, reflexo da crise comunista aberta pelas acusações a Stalin feitas no 20º do Partido Comunista da União Soviética, manteve-se no grupo. Outros se afastaram; Hobsbawn não. Manteve sua ligação com o partido e, sobretudo, com o pensamento marxista.

Ele distinguiu-se entre seus colegas historiadores por não abrir mão da luta pelo socialismo e subordinar a ela sua elaboração historiográfica. Se a relação partidária teve altos e baixos, a convicção marxista nunca esmaeceu.

A contrário, viu-se confirmada quando a crise econômica desde 2008 trouxe o pensamento de Marx de volta ao primeiro plano. “A redescoberta de Marx está acontecendo”, disse numa entrevista “porque ele previu muito mais sobre o mundo moderno do que qualquer outra pessoa em 1848. É isso, acredito, o que atrai a atenção de vários observadores novo”.

A confiança na superação do capitalismo por uma sociedade superior nunca foi abandonada por ele. “Os problemas do século 21 exigem soluções com as quais nem o mercado puro nem a democracia liberal pura conseguem lidar adequadamente. É preciso calcular uma combinação diferente,” disse em outra ocasião.

Hobsbawn, que deixou a vida nesta segunda-feira (1º) queria ser lembrado como aquele que manteve a bandeira tremulando. Ele será! Mais do que isso, sua memória será a daquele que, como importante pensador marxista que foi, ajudou a reunir multidões em torno desta bandeira tremulante que anuncia o futuro.

São Paulo, 3 de outubro de 2012.

Adalberto Monteiro

Presidente da Fundação Maurício Grabois

José Carlos Ruy

Membro do Conselho Diretor da Fundação Maurício Grabois