Taxa de juros negativos.

Esta é a nova política que se generaliza e imposta aos bancos centrais para tirar a economia capitalista mundial de desta “Longa Depressão” (Michael Roberts). [1] Isso porque falhou a política de “juros zero”. Assim como falhou a generalização anterior da política “Quantitave Easing” (Inglaterra, EUA, Japão e União Europeia), tendo fracassado ainda a impressão de moeda. Vários bancos centrais pequenos já haviam adotado a NIRP (Suíça e Suécia), mas a semana passada o Banco de Japão passou a adotá-la.

No caso do poderoso Banco do Japão, os rendimentos dos bônus do Tesouro de dez anos passaram ao negativo, o que significa que os bancos e outros investidores de grandes empresas corporativos preferem pagar ao Banco central japonês e ao governo para manter os bônus para a próxima década, ao invés lugar de gastar o investir dinheiro efetivamente.

Com uma taxa de juros negativos os bancos comerciais (que geralmente emprestam a longo prazo) passam a pagar ao banco central para manter suas reservas nele, imaginando-se que os bancos estariam mais dispostos ao crédito e outras operações. Mas a deflação que atinge a maioria das economias centrais (especialmente na zona do euro) serve como um bloqueio ao investimento, direcionando-se assim lucros ao entesouramento ou a especulação.

Para se ter ideia, o volume de transações com títulos de governos (soberanos) com taxa de juros negativos atingiu cerca de US$ 6 trilhões. Martin Wolf (Financial Times), sempre representando os régios interesses da city londrina etc., passou e defender o (cinicamente) chamado “dinheiro de helicóptero”. Isto é: transferir crédito diretamente nas contas bancárias dos correntistas, ou um tipo de quantitative easing “para o povo”, com vem denominando a ala esquerda do trabalhismo britânico.

Na base da argumentação de Wolf, a economia mundial “está esfriando, tanto estrutural quanto ciclicamente”, ainda que as taxas de juros negativas “já passaram do terreno do impensável para a realidade”. E remete ao último outlook da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) onde se lê a recomendação para a “expansão fiscal”, em direção oposta à “austeridade” por ela recomendada a ferro e fogo. É que, igualmente para a OCDE, em desaceleração persistente, a produção mundial “não será mais elevada que em 2015, que já foi o ritmo mais lento dos últimos cinco anos”.

[http://www.valor.com.br/opiniao/4451536/dinheiro-jogado-de-helicopteros]

Entretanto, pode-se concluir que, até o momento, na prática as taxas de juros negativas não têm conseguido impulsionar o crédito nem a demanda agregada (quantidade de bens e serviços que o conjunto dos consumidores deseja e se dispõe adquirir num tempo determinado e por um preço) que se esperava. De fato, o problema decorre ao extraordinário nível de endividamento no capitalismo desenvolvido nos últimos 20 anos, ao que se seguiu um processo deflacionário que está longe de terminar.

Noutro ângulo, sequer a redução das taxas interbancárias (spread) feita recentemente pelo BCE (Banco Central Europeu) conseguiu alterar as operações do varejo. O que demonstra ser a redução ao negativo das taxas de juros bem mais uma manobra de continuidade da “guerra cambial” (guerra de capitais): neste caso o euro se posiciona mais favoravelmente do que o dólar.

Conforme ainda importante análise da Unctad (Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), a economia mundial estaria passando por uma “terceira etapa da grande crise financeira iniciada em 2008”, agora atingindo os emergentes. A saída, afirma enfaticamente Alfredo Calcgano, chefe do setor de macroeconomia e políticas de desenvolvimento, passa por mobilização mais acelerada de países ricos para recuperar a demanda global, inclusive por parte dos que têm déficit.

Em direção semelhante a da OCDE, para a Unctad “um incremento do gasto público em bens e serviços de 4,4% do PIB durante cinco anos, até 2020 (ou seja, gasto extra de 0,87% ao ano), comparado com o cenário atual, resultaria num crescimento acumulado adicional de 2,5 pontos percentuais globalmente (0,5 p.p. anual). Acompanhado de política fiscal progressiva, esse cenário é considerado pela entidade consistente com uma redução do déficit fiscal. “A confiança no mercado financeiro volta com o crescimento e não com austeridade”, diz Calcgano. E que, para enfrentar a crise, “Todo mundo fez política expansionista, com bons resultados, e conseguiu controlar [o pior da crise]”, declarou.

[http://www.valor.com.br/internacional/4439760/unctad-defende-mais-gasto-publico-para-enfrentar-crise]

Notemos ademais que, para Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), na medida em que vários bancos centrais adentraram no território de taxas negativas de juros, títulos dos governos tem obtido rendimento perto de zero, “e a economia mundial não reage. Isso é muito preocupante”

O que foi explicitamente reiterado por Mario Draghi, presidente atual do BCE, em comunicado no dia 1 de março de 2016: “Neste ambiente, as dinâmicas de inflação da zona do euro continuam mais fracas do que o esperado”, diz a carta. Mario Draghi afirma ter “uma variedade de instrumentos à sua disposição” e que “não há limites para quão longe estamos dispostos a usar os nossos instrumentos, dentro do nosso mandado, para atingir o nosso objetivo”.

Enquanto a reunião do G-20 em Xangai praticamente desconheceu os “alertas” do FMI frente a situação da economia mundial. “Essa evolução dos acontecimentos aponta para maiores riscos de uma recuperação fora dos trilhos, num momento em que a economia mundial está extremamente vulnerável a choques adversos”, alertou o FMI. Para quem “a economia mundial precisa de ações multilaterais ousadas para estimular o crescimento e conter o risco”.

[http://www.valor.com.br/internacional/4453434/fmi-fala-em-momento-critico-e-pede-medidas-energicas-do-g-20]

No comunicado do G-20, diz-se que “a recuperação global continua, mas segue desigual e aquém da nossa ambição”. Um resumo do ridículo explícito, apesar das promessas de “usar todas as ferramentas” (monetária, fiscal etc.) para a “retomada do crescimento” – o que já virou lero-lero. (“G-20 vê recuperação da economia global aquém da esperada”, O Estado de S. Paulo, 25/02/2016).

Venezuela

Uma nota. A Venezuela prossegue em grandes dificuldades econômicas. O país reduziu recentemente a importação de alimentos e remédios para continuidade do pagamento da sua dívida externa (no 26 de fevereiro vencia US$ 1,5 bilhão em títulos de dívida, tendo o governo anunciado que faria o pagamento). A estimativas para o PIB deste ano revelam um possível crescimento negativo de nada menos que 8%, evidentemente a se confirmar. Além, o país vem consumindo suas reservas internacionais que, em queda, estariam em torno de (apenas) US$ 14,56 bilhões em fins de fevereiro.

Brasil

A manutenção da taxa Selic em 14,25% a.a. significa que o governo dispenderá este ano cerca de R$600 bilhões com juros da dívida pública, aumento expressivo frente aos R$501 bilhões de 2015. Para Amir Khair – cujas análise são via de regra despolitizadas, advirta-se -, trata-se de “explosão da dívida bruta como proporção do PIB. O barco está afundando, a cada ano gasta-se mais com juros”, comparando o valor aos R$ 24 bilhões de uma economia no superávit deste ano, que Nelson Barbosa se refere.

De todo modo – e em certo sentido indevidamente – Khair afirma que houve uma variação de apenas 1,4% (R$ 6 bilhões) nas despesas previdenciárias entre dezembro de 2015 e 2014; já os juros cresceram R$130 bilhões no período, ou 21 vezes o gasto pelos benefícios.

De acordo com o essencial da análise de Nelson Barbosa: a) o Brasil está vivendo uma mudança estrutural tanto por fatores externos, quanto internos. A mudança nos preços de commodities afetou bastante os preços das nossas exportações, a taxa de câmbio e o crescimento; b) no cenário que temos, não há uma perspectiva de elevação de preços das commodities nos próximos anos. Na verdade, a discussão é se cai mais ou se esses preços vão se estabilizar. Eu acho que vão se estabilizar, mas é uma incerteza muito grande; c) em momentos passados em que isso ocorreu na história da economia brasileira, gerou mudanças estruturais. Há uma mudança demográfica em curso que independe de termos de troca e preço de commodities e exige uma adaptação da nossa Previdência; d) temos uma evolução natural das demandas da sociedade, tanto sobre qual vai ser o tamanho da carga tributária, quanto qual devem ser os serviços públicos. Isso exige adequar a nossa política tributária e de gastos a essa nova realidade social e política do Brasil (“Barbosa quer limite de gastos inferior aos atuais 19,1% do PIB”, Valor Econômico, Entrevista, 22/02/2016).

Barbosa defende ainda que se reduza o limite de gasto governamental atual para menos de 19,1% do PIB. Diz de que o resultado fiscal de 2016 pode variar de um superávit de R$ 24 bilhões a um déficit de até R$ 60 bilhões; anunciou o refinanciamento das dívidas estaduais (um alívio de R$ 36 bilhões aos governadores em três anos); e uma proposta para o teto para os gastos federais que pode, “no limite, suspender aumentos reais do salário mínimo”.

Lançando um “Programa de emergência” (O futuro está na retomada das mudanças), o PT resume suas propostas frente a situação nacional e a crise econômica em três eixos: 1) drástica redução das transferências financeiras do estado para grupos privados; 2) a implementação de mudanças tributárias progressivas; 3) a adoção de um plano audaciosos de investimentos públicos e expansão dos gastos sociais.

De outra parte, assessor da diretoria do BNDES Francisco Eduardo Pires de Souza aposta em uma retomada da economia entre o fim deste ano e o início de 2017. A retomada, segundo ele, viria do desempenho positivo de alguns segmentos industriais, como o têxtil, de calçados, aeronáutico, farmacêutico e de celulose. Para Souza “o fundo do poço” já estaria dado (O Estado de S. Paulo, 29/02/2016).

Como se divulgou, o Banco central brasileiro em prévia constatou um crescimento negativo do PIB em 2015 acima de 4%; e estimou, a partir das pesquisas do “mercado”, um crescimento negativo de cerca de 3% este ano.

Breves comentários

Pelo exposto, há uma clara viragem na conduta de recomendação da OCDE e da Unctad (ONU), no sentido de aplicação imediata de políticas de ampla flexibilização fiscal e aumento do gasto público, mesmo diante de dívidas públicas gigantescas acumuladas nos principais países do capitalismo central. O que evidentemente desmoraliza o receituário do “ajuste fiscal” radical imposto especialmente pela “troika” (BCE/ComissãoUE/FMI). No horizonte, aprofundamento da desaceleração com muito provável nova recessão (na estagnação). Há visível perplexidade e impotência diante do prosseguimento da grande crise, com aludida falência de medidas as mais “heterodoxas” já realizadas como respostas para retirar do pântano a economia capitalista, sem qualquer sucesso. Persistem no entanto a China e a Índia com taxas do PIB bastante elevadas. Mas a questão que parece ser a essencial é a de que a “financeirização” neoliberal continua sua “fuga para frente”, tomando medidas ou não tomando, enfrentando novas contradições agudas e crônicas mas ainda sem respostas satisfatórias aonde a vista alcança.

Salvo melhor juízo, o programa de emergência do PT é uma plataforma de oposição à política econômica do governo Dilma, disfarçado de contribuição “ao nosso governo”. Seu objetivo, pela segunda vez – noutra foi o documento da Fundação Perseu Abramo -, foi fazer confessável chacrinha para a candidatura de Lula em 2018 publicizando se posicionar, “às pressas”, pela esquerda de Dilma. Em relação as propostas, por exemplo, embora várias delas sejam de reivindicação do campo progressista, o programa não diz de onde tirar recursos ou tergiversa não haver problemas sérios no quadro fiscal federal, não interpreta corretamente (e a gravidade da crise e suas implicações), utilizando-se de palavras fáceis e retóricas como “drástica redução”; plano “audacioso de investimentos públicos”; “forte redução da taxa básica de juros”, neste caso específico e altamente destacado não só desconhecendo o quadro de forças extremamente precário do governo, este dividido e sem rumo – ou rumando para novas concessões. Para refrescar a memória, é incorreto situar apenas a redução da Selic no governo de Lua em 2008 e 2009 (chegando até 8,75% em julho de 2009), quando em setembro de 2009 esta chegou novamente a 11,25%; ou seja, bem acima dos dois dígitos [questão esta publicamente criticada por próceres do PT, como João Sicsú, como sendo os juros “um problema insolúvel”; “perdermos a batalha dos juros” disse-me ele então]. Em relação à utilização reservas internacionais, que defende o PT – assim como Khair, de US$ 100 bilhões -, parecem-me acertadas as conclusões expostas no artigo de Lecio Morais, de que a iniciativa, a) não teria como resultado a redução da taxa de juros; b) haveria valorização do real com crescimento do peso das importações; c) não resultaria em nenhuma garantia de retomada do crescimento econômico.

Assim, mesmo a ideia de uma reforma tributária – porque é disso que se trataria -, impostos sobre grandes doações e heranças, e grandes fortunas necessitariam de uma situação política muito distinta da atual; de dificuldades seja via a Congresso, seja em decisões do executivo. Nós precisaríamos, por isso mesmo, então buscar ajustar nossas propostas, com base no desenvolvimento das deliberações da Direção Nacional do Partido

Nota

[1] Ver importante artigo de Roberts em:

http://www.sinpermiso.info/textos/podemos-evitar-la-recesion-mundial-que-se-aproxima