“A guerra e a revolução vietnamitas representam um dos mais significativos acontecimentos históricos da época contemporânea. Mais do que uma descolonização acidentada, em seu conjunto trata-se de um paciente trabalho de mobilização popular para a sucessiva resistência ao fascismo do regime de Vichy, ao militarismo japonês, à potência colonial francesa, à superpotência norte-americana e para a transformação social. O conflito do Vietnã foi também um elemento fundamental no desgaste do império norte-americano. A história do Vietnã no século XX é a história de uma luta anticolonial pela independência nacional, de uma revolução socialista e de várias guerras de projeção internacional. É notável como um pequeno país pôde ter-se tornado pivô da política mundial e sobrevivido em meio às mais complexas alterações de alianças”.

Assim, o professor Paulo Vizentini – escritor e professor da Universidade Federal do RGS – resume a importância da história de resistência do povo vietnamita diante de várias tentativas de colonização, invasão, tutela e violências de todo o tipo que se abateram sobre o Vietnã. No dia 2 de setembro de 1945, o Presidente Ho Chi Minh protagonizou a Independência Nacional, em Hanói, designada naquela ocasião como República Democrática do Vietnã. Tratou-se de um verdadeiro marco no processo de independência colonial que se inaugurou na Ásia no imediato pós-Segunda Guerra Mundial.

Como foi possível a este valoroso povo do Sudeste Asiático atingir tão nobre objetivo antes mesmo da Coreia (1948) e da China (1949)? Na verdade, como disse o embaixador vietnamita no Brasil, Nguyen Van Kien, “a história do Vietnã sempre testemunhou as mais variadas dificuldades e incalculáveis desafios ​​em suas lutas pela defesa nacional e a reestruturação”. Nas últimas 7 décadas, analisou o embaixador, “o nosso país passou por enormes mudanças e o povo vietnamita possui na sua memória muitas realizações notáveis. O Vietnã é hoje um mercado potencial com mais de 90 milhões de pessoas talentosas e trabalhadoras, localizado no centro da região que mais cresce no mundo. De um país com nome que era dificilmente encontrado em qualquer mapa-múndi, hoje, o Vietnã tem sido reconhecido como um parceiro proativo, responsável e de confiança na comunidade internacional e, um país líder de produção e exportação em vários produtos agrícolas, como arroz, café, castanha de caju, borracha, pimenta, entre outros”.

O Vietnã segue atualmente uma política externa de independência, soberania, abertura, diversificação e multilateralização das suas relações. Com cooperação eficaz e significativa, assistência dos países e organizações internacionais, os vietnamitas têm avançado na reestruturação econômica, mantendo a estabilidade e as taxas de crescimento macroeconômico, garantindo a segurança social, o bem-estar e uma estabilidade política. O Vietnã vem se esforçando para cumprir o seu papel como um membro ativo e responsável da comunidade regional e internacional.

O papel de Ho Chi Minh

Ho Chi Minh foi o mais importante líder contemporâneo da República Socialista do Vietnã. Viveu por 79 anos, nascido em maio de 1890, numa pequena aldeia ao norte de seu país. Desde a juventude dedicou sua atividade à luta contra o colonialismo e pela autodeterminação dos povos. Para seguir sua busca de caminhos novos, Ho Chi Minh visitou e residiu em várias colonias e países da Ásia, África e América Latina, testemunhando as péssimas condições de vida dos povos nestes países. Ele também visitou países desenvolvidos na época, como na França, em 1911, nos Estados Unidos de 1912 a 1913, até na Grã-Bretanha, de 1913 a 1917. Depois ele voltou para a França e viveu em Paris, um centro econômico e político importantíssimo da Europa, de 1917 a 1923. Na França Ho Chi Minh aderiu à “Associação dos Patriotas Vietnamitas”, e ao Partido Socialista francês, o PSF, que era na ocasião o partido dos trabalhadores franceses, desta forma estabelecendo inúmeros contatos e relações de amizade com políticos famosos, personalidades da sociedade e da cultura da França e da Europa de então.

Em junho de 1919, Ho Chi Minh e alguns amigos vietnamitas rascunharam uma plataforma de 8 pontos para tentar submetê-la à Conferência de Paz de Versalhes, nas cercanias de Paris, exigindo liberdade e direitos democráticos para o povo Anamita (vietnamita). Na verdade, esta espécie de manifesto não obteve maior repercussão na Conferência de Versalhes, mas obteve grande impacto nos movimentos de libertação nacional e nos círculos revolucionários vietnamitas. Este episódio que o fez comprar um terno e gravata para tentar entregar o documento a Woodrow Wilson na Conferência, também o ensinou que a doutrina consagrada por Wilson em seus 14 pontos — especialmente no que se refere ao direito à auto-determinação dos povos — deveria depender principalmente na capacidade e na força dos próprios povos colonizados, não se tornaria uma dádiva dos países coloniais.

A necessidade da Independência nacional

Ho Chi Minh, desta maneira, foi percebendo algumas questões relevantes: Em primeiro lugar, em todas as colônias do início do século XX, o povo trabalhador estava sujeito à exploração e à repressão, vivendo basicamente na miséria. Todas as nações oprimidas lutavam de uma forma ou de outra pela sua libertação. As colônias eram a origem de seu senso de internacionalismo. E o segundo aspecto era que nos países capitalistas desenvolvidos da época, que se autodenominavam como o mundo civilizado, as elites viviam luxuosamente e a grande maioria dos trabalhadores estava cada vez mais empobrecida. A compreensão desta situação gradualmente o levou a uma consciência de classe.

Foi neste ambiente de dez anos de viagens, investigações e atividades nas colônias e no Ocidente que Ho Chi Minh adquiriu a percepção sistematizada nas Teses Leninistas sobre a Questão Colonial, publicadas em várias edições do jornal L’Humanité (órgão central do PCF) em 1920. A este respeito Ho publicou a seguinte declaração: “As Teses de Lênin provocaram uma profunda emoção em meu pensamento por sua clareza. Fiquei tão feliz que cheguei a chorar. Sentado sozinho numa sala, discursei em voz alta como se estivesse falando para uma multidão: Queridos sofredores e mal-tratados companheiros do meu país! Temos agora o que é mais necessário para nós, o caminho de nossa libertação”.

Se poderia dizer que Ho Chi Minh havia encontrado finalmente o caminho da salvação nacional: a libertação nacional associada com a revolução proletária, marchando no rumo da revolução proletária.

No 18o. Congresso do Partido Socialista da França ocorrido em Tours, interior da França, Ho Chi Minh votou pela Terceira Internacional e filiou-se ao Partido Comunista Francês que nascia naquele momento como uma dissidência do PSF. A chamada Terceira Internacional havia sido estabelecida em 3 de março de 1919 (também cognominada Comintern) para substituir a Segunda Internacional, que era acusada na época de seguir o caminho do reformismo.

O aprendizado do marxismo-leninismo

A partir de 1917 Ho Chi Minh acabou fixando residência em Paris, onde exerceu a função de jardineiro, lavador de pratos e cozinheiro. Entre 1911 e 1920 Ho visitou mais de 20 países em diferentes continentes. Lia com grande voracidade os clássicos da literatura russa, inglesa e francesa como Leon Tolstoi, Willian Shakespeare, Victor Hugo, Anatole France, Émile Zola. E também os textos de Karl Marx e Vladimir Lênin (passando a dominar fluentemente o francês, inglês, alemão, russo e chinês) . Foi em função da leitura da obra de Lênin, entretanto, que Ho Chi Minh procurou se aprofundar no estudo do marxismo, onde leu: “Não devemos considerar a leitura da doutrina de Marx como algo acabado e inviolável; pelo contrário, acreditamos que esta teoria é apenas o fundamento de uma ciência que os socialistas deverão desenvolver em todos os campos, se não quiserem ficar para trás na vida”. (LENIN, edição 1979)

Sua leitura mais impactante, no entanto, foi a obra de Lênin intitulada “Esboço das Teses Preliminares sobre a Questão Nacional e Colonial” que foi publicada pela primeira vez no jornal L’Humanité na edição de 16 e 17 de julho de 1920. Foi neste texto que encontrou respostas iniciais para sua indagação de como estabelecer as formas para a libertação de seu país do jugo do colonialismo.

Este período foi marcado por alguns eventos importantes. De 1920 a 1923, Ho Chi Minh foi o dirigente do Sub-Comitê do Partido Comunista Francês para as Colônias e participou do Primeiro e do Segundo Congressos do PCF. Nestes dois congressos Ho criticou a insuficente atenção dada pelo Partido às questões coloniais.

Em acordo com vários ativistas revolucionários de algumas colonias francesas, Ho Chi Minh fundou a União Intercolonial e publicou o jornal “O Paria” — uma publicação na qual ele era o gerente geral e o editor-chefe. Esta foi a primeira vez  que ele elaborou sobre a solidariedade internacional. Este órgão tornou-se o porta-voz da luta colonial pela independência e a liberdade. O projeto editorial do jornal era a luta pela “emancipação dos seres humanos”. Esta visão mostra que a libertação do homem havia estabelecido profundas raízes no pensamento de Ho Chi Minh.

Foi na China que Ho Chi Minh fundou a “Liga da Juventude Revolucionária Vietnamita”, que passou a editar um jornal chamado “Juventude”. Ele foi responsável também pela organização de um curso para quadros revolucionários vietnamitas. Sua aulas neste curso foram publicadas em livretos intitulados “O caminho da revolução”. Nestes materiais foram publicados uma apresentação simples e direta de seu pensamento sobre os problemas da Revolução no Vietnã.  A partir daí Ho selecionou alguns alunos mais aplicados deste curso para enviar para a Universidade Militar de Whampoa para que eles se tornassem futuros lideres da revolução vietnamita.

A fundação do Partido Comunista do Vietnã

Depois da França, Ho Chi Minh viveu em Moscou, na China em Guangzhou e no nordeste do Sião (Tailândia), onde se preparou e se formou política e ideológicamente para o novo tipo de partido que iria protagonizar com a fundação do Partido Comunista da Indochina, depois Partido Comunista do Vietnã. Nguyen Ai Quoc, um dos vários codinomes assumidos por Ho Chi Minh, estabeleceu junto com seus camaradas os fundamentos do Partido Comunista do Vietnã, em 3 de fevereiro de 1930.

Foi justamente sob a liderança do PCV que o povo vietnamita se levantou contra o domínio colonial francês e a ocupação japonesa. Em 1945 foi proclamada a Independência do país e no texto da Declaração da Independência foi inscrita, por sugestão de Ho Chi Minh, a citação de um trecho da Declaração de Independência Americana de 1776, que professa: “Todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade, a liberdade e o direito à felicidade”. Mas logo em seguida à proclamação da independência, as tropas do exército norte-americano invadiram novamente o país a partir de Saigon, na região sul. Na primavera de 1975, as forças patrióticas do Vietnã desencadearam uma grande ofensiva e derrubaram o governo pró-americano instalado em Saigon, libertando a Nação vietnamita do jugo estrangeiro de uma vez por todas. Em 25 de abril de 1976, a República Democrática do Vietnã foi renomeada República Socialista do Vietnã, que a partir de então passou a ser governado de forma unificada com capital em Hanói. Em 1977 o Vietnã foi aceito como membro plenipotenciário da Organização das Nações Unidas, a ONU.

O embaixador vietnamita explica que a “cooperação mútua e a amizade entre o Vietnã e os demais países e organizações internacionais têm sido constantemente solidificada, o que promove a expansão e o aprofundando das relações com maior eficácia em todos os domínios. No momento, o Vietnam possui relações diplomáticas com cerca de 180 países e relações comerciais com mais de 200 países e territórios em todo o mundo. Além disso, é um membro ativo e responsável muitas organizações regionais e internacionais, como a ASEAN, APEC, OMC, ONU”.

O Vietnã está determinado a continuar promovendo e aprofundando as relações com todos os países, organizações regionais e internacionais. Durante 26 anos, especialmente nos últimos anos, o Brasil e o Vietnã conseguiram atingir importante patamar nas relações comerciais. Em 1989, quando os dois países estabeleceram relações diplomáticas, o volume de comércio bilateral foi de apenas US$ 16 milhões de dólares. Em 2010, pela primeira vez, o volume de comércio bilateral atingiu US$ 1 bilhão de dólares e, em 2013, chegou a US$ 2,4 bilhões de dólares. O Brasil é hoje o maior parceiro comercial do Vietnã na América Latina, com um volume perto de US$ 3,3 bilhões de dólares.

(*) Jornalista, secretario geral da Associação de Amizade Brasil–Vietnã