A biografia de Antonio Gramsci é marcada pelo drama da ditadura, não só devido à prisão que o levou à morte, mas porque o colapso das instituições liberais e do movimento operário o empurraram a indagar as razões mais profundas daquela derrota e as origens históricas do fascismo. Deste trabalho nasce uma obra intimamente problemática e complexa como Os Cadernos do Cárcere. Ligadas a essas premissas estão, provavelmente, as razões do sucesso de Gramsci no Brasil, pois a difusão crescente de sua obra está estreitamente ligada ao drama do golpe militar de 1964, destinado a durar, como na Itália, vinte longos anos.

Pouco depois do Golpe três jovens intelectuais destinados a um importante papel, Carlos Nelson Coutinho, Luiz Mario Gazzaneo e Leandro Konder, debateram no Rio de Janeiro sobre a necessidade de traduzir e publicar Gramsci e na mesma direção movia-se a editora “Civilização Brasileira”, que já tinha a intenção de empreender a difícil aventura.  Assim, em 1966, iniciou-se a tradução e publicação de sua obra, bruscamente interrompida em 1968 pelo decreto liberticida AI5, responsável pelo terror repressivo que eliminou toda a oposição e atirou toda uma geração ao desaparecimento, homicídio, tortura ou, na melhor das hipóteses, o exílio. Mas assim como o tribunal especial fascista não logrou “impedir o cérebro de Gramsci de trabalhar por vinte anos”, também a ditadura brasileira não pôde erradicar o crescente interesse em suas interpretações. Ao contrário, tornou-se um estímulo para diversas gerações a resistência intelectual à brutalidade do regime e, ao mesmo tempo, uma chave de leitura para decifrar-se o processo de modernização nacional e compreender racionalmente a história política, econômica e cultural. Já nos anos setenta, aos primeiros sinais de crise da ditatura, Gramsci retornou com força ao debate político como ponto de referência para a luta contra o regime e, em torno de seu pensamento, se desenvolveu uma intensa atividade científica e didática nas diversas universidades brasileiras que nunca mais se interrompeu.

A difusão internacional das categorias gramscianas vem da necessidade de se compreender a realidade concreta. Não se trata, portanto, de um estudo puramente erudito, mas de um uso conscientemente orientado para compreender e dar respostas a algumas das contradições históricas fundamentais da vida cultural, social e política de diversos países. Isto vale particularmente para o Brasil, onde a obra de Gramsci é estudada sistematicamente por diversas disciplinas científicas: história, filosofia política, antropologia, crítica literária, pedagogia, teologia, ciências sociais. A exigência de dar carne e osso às categorias conceituais, ou seja, de traduzi-las nacionalmente, é de todo coerente com o espírito da obra de Gramsci e com a sua aspiração de evitar a estreiteza e a generalização das afirmações ideológicas. O Brasil de hoje se constitui em um dos laboratórios mais ativos e estimulantes no panorama internacional dos estudos gramscianos; as suas categorias, incorporadas, inclusive, no léxico político, são objeto de investigação científica em proporções muito maiores – é triste destacá-lo – que em seu próprio país de origem.

Assim, a cinquenta anos do encontro de três jovens, também no Rio de Janeiro encontraram-se os gramscianos de todo o Brasil. De 27 a 29 de maio, velhas e novas gerações de estudiosos confrontaram-se com os resultados de suas pesquisas realizadas nas principais universidades nacionais, decidindo, ao final, construir a International Gramsci Society Brasil (IGS-Brasil). O objetivo é, agora, dar organicidade e projeção ao trabalho científico que se desenvolve e fazer do ano 2017, octagésimo aniversário da morte de Gramsci, um marco histórico para os estudos gramscianos, com a ambição de fazer do país sulamericano um dos centros nevrálgicos das iniciativas dedicadas ao intelectual sardo.

A aventura da obra de Gramsci no Brasil

Identificamos as primeiras referências a Gramsci no Brasil já no final dos anos 1920, mas trata-se de uma informação muito episódica ligada à presença de exilados antifascistas e à campanha internacional de solidariedade contra a repressão do regime de Mussolini. A difusão de seu pensamento tornou-se um fenômeno cultural importante no curso dos anos sessenta, quando o interesse pela obra do intelectual sardo por parte de partidos de esquerda começa a chegar ao mundo acadêmico, até mesmo no âmbito disciplinar da teologia e por meio de intelectuais de orientação conservadora. Com a trágica derrota dos focos guerrilheiros e o despertar da luta social, Gramsci foi adotado como intelectual de referência na batalha pela democratização do país. Todavia, somente nos anos setenta, com a crise da ditadura, ele começa a ser utilizado de modo sistemático, sobretudo no mundo acadêmico, mas sua plena inserção no debate político dá-se com a revogação do AI-5, em 1979, que abre novas possibilidades de participação e de renascimento do movimento social; neste cenário o pensamento gramsciano conquistou espaço sendo sempre interpretado em termos unitários e orgânicos, especialmente nas universidades públicas. A partir de 1999 três grandes intelectuais consagrados, Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sergio Henriques, prepararam a nova edição da obra gramsciana em dez volumes, completada em 2006, instrumento fundamental para o estudo do intelectual sardo no Brasil.

Publicado originalmente no jornal «L’Unione Sarda» em 19/06/2015
Tradução de Rita Coitinho para o Portal Grabois.