“Temos a tendência a falar dos imigrantes apenas pelo ângulo das ‘variedades’ ou da miséria, a vê-los somente como agressores ou vítimas”,1 observou em 1988 Robert Solé, jornalista do Le Monde. Vinte e sete anos depois, a observação continua totalmente pertinente e sua validade ultrapassa largamente as fronteiras francesas.

A imigração ocupa um lugar cada vez mais central no debate político; ela é uma questão social importante. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, 3,4 mil imigrantes pereceram tentando atravessar o Mar Mediterrâneo para chegar à Europa em 2014. Na França, onde a porção dos estrangeiros não ultrapassa 6% da população total, o Front National (FN) joga com o medo da invasão para ganhar terreno nas eleições locais ou nacionais. Nos Estados Unidos, mais de 60 mil crianças não acompanhadas foram detidas na fronteira com o México em 2014 quando fugiam da violência das gangues da América Central ou pensavam em tentar a sorte no Norte. A principal resposta do presidente Barack Obama foi reforçar os controles de fronteira, prova adicional de que seu desacordo com os republicanos em relação a esse tema não é tão profundo.

Comentando sua decisão, os meios de comunicação se concentraram nos sofrimentos humanos e na repressão policial, sem verdadeiramente questionar as causas da imigração. Ora, esse fenômeno necessita mais do que nunca de um amplo debate público, a única maneira de levar a uma política adequada. É preciso, portanto, saber quais são os pontos cegos na maneira como ela é tratada. Para isso, realizamos uma análise sistemática de 22 dos principais veículos de comunicação franceses e norte-americanos, tentando distinguir os diversos ângulos de abordagem.

Os debates sobre o tema evoluíram bastante ao longo dos últimos quarenta anos. No início da década de 1970, nos Estados Unidos, os sindicatos e o poder republicano se irmanaram contra a imigração ilegal. O ex-marine Leonard Chapman, indicado pelo presidente Richard Nixon para a direção do Serviço da Imigração e da Naturalização (hoje integrado à Secretaria da Segurança Interna), preocupava-se com os riscos de “invasão”.

A American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations (AFL-CIO), a principal confederação sindical, julgou então que a mão de obra mexicana ameaçava os salários e as condições de trabalho dos norte-americanos. César Chávez, o lendário sindicalista californiano, ergueu barreiras para impedir que os trabalhadores agrícolas vindos do outro lado da fronteira furassem as greves. O Los Angeles Times de 3 de julho de 1975 proclamava numa chamada de capa: “Segundo os líderes norte-americanos, os patrões preferem uma mão de obra que possam explorar e pela qual possam pagar uma miséria”.

Ao longo das décadas seguintes, a pressão econômica sobre os trabalhadores norte-americanos aumentou fortemente. No entanto, a ideia de que os imigrados monopolizam os empregos dos nativos e puxam os salários para baixo não cessou de perder terreno. Em 1974-1975, ela aparecia em 47% das informações sobre a imigração, aí incluídos todos os suportes; no período de 2002-2006, o nível caiu a exatos 8%.2 O economista e cronista do New York Times Paul Krugman é hoje um dos raros analistas a levar em conta esse aspecto.3

Essa evolução traduz a reconfiguração que o tabuleiro de xadrez político norte-americano experimentou entre os anos 1970 e a metade dos anos 1980. Desejosos de inflar suas fileiras, vários sindicatos foram então levados a repensar sua oposição à imigração clandestina. Eles foram encorajados a seguir nesse caminho por organizações surgidas no final dos anos 1960 que se firmaram durante essas duas décadas: o Conselho Nacional da Raça (National Council of La Raza) e o Fundo para a Educação e a Defesa Jurídica dos México-Norte-Americanos (Mexican American Legal Defense and Education Fund, Maldef), por exemplo. Esses grupos denunciam as múltiplas discriminações sofridas pelos latinos e asiáticos instalados nos Estados Unidos. Se essa ação era necessária, ela teve como consequência minorar, nos meios de comunicação, o discurso sobre as causas econômicas da imigração e sobre as consequências dos baixos salários dos estrangeiros, em benefício de temas sobre a xenofobia.

Na França, esses temas emergiram na década de 1970, antes de ganhar terreno no início dos anos 1980: o racismo contra os trabalhadores estrangeiros figurava em 1973 em 46% das reportagens – contra 25% no período 2002-2006. Essa forte presença veio acompanhada de um amplo espaço concedido à questão da diversidade cultural. Esta aparece em metade dos artigos publicados no Libération em 1983. “Na França, será preciso aprender a viver numa sociedade pluricultural”, afirmava um editorial.4 Depois, em seguida ao avanço do FN nas eleições municipais de Dreux, em 1983, e em resposta à ofensiva anti-imigrantes lançada pela imprensa de direita, os jornais próximos do Partido Socialista relegaram a questão da diversidade cultural a um lugar atrás daquele da “integração” dos recém-chegados à “comunidade nacional”. “Precisávamos criar uma base sólida para bloquear o FN e mostrar que a defesa dos imigrantes fazia parte da tradição republicana francesa”, justificava Laurent Joffrin, então redator-chefe do Libération. “Concluímos disso que a problemática da ‘igualdade dos direitos’ era mais promissora que o discurso sobre o ‘direito à diferença’”.5

Os efeitos dessa virada foram imediatos e ainda se fazem sentir 25 anos depois: entre 2002 e 2006, em todos os meios de comunicação franceses, a temática da “integração” suplantou a da “diversidade cultural” (20% contra 8%); nos jornais, a “coesão nacional” aparece em 42% dos artigos, ou seja, três vezes mais frequente que nos Estados Unidos. Nesse país moldado por uma economia de mercado cada vez mais fragmentada, a questão da “coesão nacional” fala pouco aos líderes políticos e a seus eleitores: a esquerda democrata se mostra mais sensível às reivindicações comunitárias, enquanto a direita republicana está dividida entre seus apoios financeiros (numerosas empresas são favoráveis a uma imigração livre) e seus eleitores, com frequência hostis aos estrangeiros. Os líderes políticos preferem, portanto, formular o problema em outros termos.

Na França, em contrapartida, a existência de um Estado-providência relativamente forte permite à noção de comunidade nacional conservar o sentido. À medida que a proteção social enfraquece, os meios de comunicação parecem em seguida querer brandir a coesão cultural para preencher o vazio. No início dos anos 1980, esse tema era defendido sobretudo pelo FN e por jornais como Le Figaro e Le Figaro Magazine. Na massa dos assuntos sobre imigração, ele era majoritário. Depois, os principais partidos do governo se converteram a esse discurso, relegando a segundo plano o do racismo e o das discriminações. A ascensão do FN não foi interrompida e, ainda que os jornalistas falem menos a respeito do que há trinta anos, os imigrantes e seus descendentes, em particular negros e árabes, continuam a sofrer discriminações.

Abandonando as questões da economia e do racismo, os meios de comunicação norte-americanos e franceses focalizam cada vez mais o tema da “ordem pública” e da segurança por um lado (durante a década de 2000, 62% das reportagens nos Estados Unidos e 45% na França) e o aspecto “humanitário” por outro (no mesmo período, 64% nos Estados Unidos e 73% na França). Espetaculares, simples e muito visuais, esses dois enquadramentos apresentam igualmente a vantagem de corresponder ao discurso das associações e dos organismos de Estado hostis e favoráveis aos imigrados. Em suma, eles satisfazem uma dupla exigência comercial e política.

Vilipendiar a imigração clandestina constitui, para um jornal ou uma rede de televisão, uma fórmula comercial vencedora, porque, como escreve o sociólogo Todd Gitlin, “o arquétipo da história midiática é uma história de crime”.6 O tema da ordem pública dispensa explicações e pode ser tratado com imagens chocantes: motins, polícias, postos de fronteira, armas, perseguições e prisões. Mas existe também outra explicação para a recorrência desse ângulo. Os jornalistas franceses e, mais ainda, norte-americanos produzem com frequência suas informações com base em fontes oficiais: ministérios, prefeituras, governos etc. Suas preocupações tendem, portanto, a se alinhar com as dos representantes do Estado e seus líderes políticos. E, como os governos enxergam com frequência a imigração em termos de ameaça à ordem pública, eles se veem incitados a fazer o mesmo. Podemos assim notar importantes variações em função da atualidade política: em 2002, na esteira dos atentados do 11 de Setembro, enquanto democratas e republicanos só tinham a palavra “segurança” na boca, o ângulo da ordem pública aparecia em 64% dos assuntos; em 2004, essa proporção tinha caído para 53% (ou seja, quase a mesma cifra que em 1994), antes de subir para 62% em 2005, no momento do voto da Lei HR 4.437, que criminalizava os clandestinos.

Na França, a temática da ordem pública emergiu no início dos anos 1980, relacionada ao discurso sobre a “crise dos subúrbios”, depois culminou no início da década de 1990, quando ele foi retomado pelos dois principais partidos políticos. Em 1991, a primeira-ministra socialista, Edith Cresson, prometia, por exemplo, fretar aviões para deportar os clandestinos. Depois, a partir dos anos 2000, à medida que os governos sucessivos se concentravam novamente na integração e na coesão nacional, as ocorrências do tema segurança começaram a rarear.

Apetite por histórias angustiantes

Já a abordagem humanitária progressivamente se generalizou nos dois lados do Atlântico, ou foi defendida por inúmeras associações: a France Terre d’Asile [França Terra de Asilo], a Cimade, a Ligue des droits de l’homme [Liga dos Direitos Humanos] ou ainda a Amnesty International en France [Anistia Internacional na França], na França; a Raza, o Maldef, a American Civil Liberties Union [União pelas Liberdades Civis Americanas] (Aclu), o Immigrants’ Rights Project [Projeto pelos Direitos dos Imigrantes] ou o National Immigration Forum [Fórum Nacional de Imigração], nos Estados Unidos. Enquanto as associações francesas vivem principalmente de subvenções públicas e das contribuições de seus sócios, seus homólogos norte-americanos são financiados por uma aliança heteróclita que reúne pequenos doadores ligados aos direitos humanos, pela Igreja Católica e por poderosas fundações (Ford, Carnegie, McArthur), assim como bancos, empresas de construção e diversas multinacionais que têm todo o interesse em preservar uma fonte de mão de obra de baixo custo.

Exatamente como a temática da ordem pública, a abordagem humanitária permite conquistar a audiência. Nos Estados Unidos, ela corresponde particularmente bem à escritura narrativa e personalizada que floresce nos meios de comunicação. Bem utilizado, esse estilo pode constituir uma técnica eficaz para restituir a experiência dos migrantes e sensibilizar os leitores-espectadores em relação a meios sociais que lhes são desconhecidos. O exemplo mais célebre dessa abordagem é sem dúvida “Enrique’s Journey” (“A viagem de Enrique”), reportagem em seis episódios publicada em 2002 no Los Angeles Times, que valeu a Sonia Nazario o prêmio Pulitzer.

A jornalista traçava ali a história de um jovem originário da América Central que parte à procura da mãe. Esta tivera de deixar os filhos famintos a fim de buscar um trabalho que lhe permitisse enviar dinheiro para eles e lhes proporcionar uma vida melhor. Com o objetivo de recriar essa experiência para os leitores, Sonia seguiu os rastros de Enrique de Honduras até a Carolina do Norte, chegando a viajar no teto dos trens como ele mesmo tinha feito no México. A reportagem termina de maneira trágica. Após ter sofrido muito com a partida da mãe, Enrique se vê forçado a impor a mesma experiência à própria filha: “Algum tempo depois de sua chegada aos Estados Unidos, Enrique telefona para sua namorada em Honduras. Como ele havia suspeitado antes de partir, Maria Isabel está grávida. Em 2 de novembro de 2000, ela dá à luz uma garotinha, Katherine Jasmin. O bebê se parece com Enrique. Tem sua boca, seu nariz, seus olhos. Uma tia encoraja Maria Isabel a ir até os Estados Unidos, prometendo-lhe que irá tomar conta do bebê. ‘Se eu tiver uma chance, eu vou’, diz Maria Isabel. ‘Vou sem o bebê.’ Enrique aprova: ‘Será preciso deixar o bebê’”.

 

O livro baseado nessa reportagem recebeu uma chuva de críticas elogiosas.7 A revista Entertainment Weekly, por exemplo, julgou que a “impressionante reportagem de Nazario [construía] com base na atual polêmica sobre a imigração uma história mais pessoal que política” (22 fev. 2006). No entanto, por mais sedutora que seja, essa abordagem não permite captar as principais motivações do fenômeno migratório. É verdade que o leitor sente nos mínimos detalhes as provas enfrentadas por Enrique, mas ignora como ele chegou lá e como poderia ter evitado esse destino.

Além de se interessar pelas dificuldades dos imigrados, um jornalismo digno desse nome deveria analisar de que maneira a organização econômica mundial, assim como a política estrangeira, comercial e social de países ocidentais como os Estados Unidos e a França, torna inevitável a emigração dos países do Sul para os do Norte. Por que, como o sociólogo franco-argelino Abdelmalek Sayad gostava de lembrar, a imigração é antes de tudo uma emigração.

No que se refere aos Estados Unidos, mais 250 mil pessoas pereceram nos conflitos na Guatemala, em El Salvador e na Nicarágua, mortas essencialmente por esquadrões da morte e forças militares treinadas, mantidas e armadas pelos Estados Unidos. Em 1980, esse país contava menos de 100 mil imigrados originários de El Salvador; dez anos de guerras e de perturbações mais tarde, esse número atingia 500 mil. Hoje ultrapassa 1 milhão.

A política comercial de Washington também contribuiu para essa emigração em massa. Longe de melhorar as condições de vida e de emprego dos trabalhadores mexicanos, o Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta), assinado em 1993, contribuiu para agravar a pobreza e a insegurança, levando vários moradores, em particular aqueles das zonas rurais, a atravessar a fronteira. As empresas norte-americanas prepararam o terreno para acolhê-los. Os setores da indústria e os serviços adaptaram suas condições de trabalho a fim de lhes propor empregos “flexíveis”, com baixa remuneração e poucas vantagens. Nos setores da carne, têxtil, da construção, de restaurantes e de hotelaria, os empregados norte-americanos foram com frequência despedidos para serem substituídos por clandestinos muito mais baratos.

O mesmo raciocínio poderia ser defendido em relação à França, ainda que a atração do trabalho seja menos importante ali em razão da legislação mais rigorosa. Muitos imigrantes vindos do Magreb ou da África subsaariana também tiveram de deixar seu país em razão de dificuldades econômicas ou políticas ligadas às relações desiguais que a França mantém com suas ex-colônias. “O mal-estar profundo na África acentua o êxodo maciço, que nenhum muro vai deter, mesmo que ele alcance o céu”, explica Arsène Bolouvi, pesquisador originário do Togo para a Anistia Internacional. “As tramas das multinacionais, as vendas de armas, o controle dos recursos, os governos autoritários apoiados pela França: tudo leva as pessoas a fugir do perigo da vida, perseguidas pela fome e pela guerra.”8

A complexidade das causas internacionais das migrações compromete, no entanto, seu tratamento sob a forma de melodrama pessoal. Por outro lado, fazer referência a isso implica abrir um debate ideológico delicado, porque elas sugerem a existência no sistema econômico e social de injustiças ou de falhas que a maioria da classe política e midiática aceita como fato. Do início da década de 1970 ao meio da de 2000, enquanto a globalização neoliberal se intensificava e diversos conflitos manipulados pelos Estados Unidos tratavam a América Central a ferro e fogo, a parcela das reportagens de imprensa que mencionava fatores internacionais passou de 30% para 12%. Os jornais franceses se distinguiram evocando a economia mundial em um terço de seus artigos – um número estável entre os anos 1970 e 2000. Essa diferença se explica, sobretudo, pela maior presença no seio da cultura intelectual e política francesa de correntes hostis à globalização.

Com frequência, no entanto, a mídia desses dois países só oferece um quadro incompleto. A redução do tema da imigração a sua dimensão emocional, jogando com o medo ou a piedade, tende a enfraquecer o poder democrático dos cidadãos, preparando o terreno para uma instalação durável da extrema direita.

 

1  Robert Solé (entrevista com Jacqueline Costa-Lascoux), “Le journaliste et l’immigration” [O jornalista e a imigração], Revue européenne des migrations internationales, v.4, n.1-2, Paris, 1º semestre de 1988.

2  Salvo menção em contrário, essas porcentagens resultam da análise dos artigos e dos temas consagrados à imigração nos seguintes veículos de comunicação: Le Monde, Le Figaro, Libération, TF1 e France 2 na França; The New York Times, The Washington Post, The Los Angeles Times, ABC, CBS e NBC nos Estados Unidos.

3  Cf., por exemplo, Paul Krugman, “North of the Border” [Norte da fronteira], The New York Times, 27 mar. 2006.

4  “Une implosion statistique, une bombe dans l’imaginaire” [Uma implosão estatística, uma bomba no imaginário], Libération, Paris, 9 set. 1983.

5  Conversa com o autor.

6  Todd Gitlin, The Whole World Is Watching: Mass Media in the Making and Unmaking of the New Left [O mundo inteiro está observando: os meios de comunicação de massa na construção e desconstrução da nova esquerda], University of California Press, Berkeley, 1980.

7  Sonia Nazario, Enrique’s Journey. The Story of a Boy’s Dangerous Odyssey to Reunite with His Mother [A viagem de Enrique. A história da perigosa odisseia de um rapaz para se juntar a sua mãe], Random House, Nova York, 2006.

8          Citado em Nicolas de la Casinière, “À Nantes, les carences de la France décriées” [Em Nantes, as carências da França difamadas], Libération, 12 jul. 2006.

Rodney Benson é professor de Sociologia da New York University. Autor de Shaping immigration news: a French-American comparison[Moldando notícias sobre imigração: uma comparação entre França e Estados Unidos], Cambridge University Press, 2013

ABORDAGENS MÚLTIPLAS

sta pesquisa se apoia em exame minucioso de vários milhares de artigos e informações televisionadas que tratavam da questão da imigração na França e nos Estados Unidos desde o início dos anos 1970 até o meio da década de 2000. Na França, Le Monde, Libération, Le Figaro, Les Échos, L’Humanité, La Croix, Le Parisien, assim como os jornais televisivos da TF1, France 2 e Arte foram sistematicamente estudados.

Do outro lado do Atlântico, a análise se concentrou sobre New York Times, Washington Post, Los Angeles Times, Wall Street Journal, Christian Science Monitor, New York Post, USA Today, Daily News, assim como sobre os jornais das redes ABC, CBS, NBC e PBS.1 Esse leque agrupa ao mesmo tempo os meios de comunicação políticos, financeiros e populares, comparáveis em cada um dos países.

Em seguida estudamos os ângulos adotados pelos jornalistas. Mais que retomar a falsa dicotomia entre pré-julgamento e objetividade, a questão do ângulo (frame) coloca ênfase no fato de que os meios de comunicação selecionam e amplificam certos aspectos da realidade em detrimento de outros. Podemos agrupar esses ângulos em diferentes categorias.

Três deles mostram os imigrantes como vítimas. O humanitário coloca em destaque as dificuldades econômicas, sociais e políticas que eles atravessam. O foco no racismo e na xenofobia chama atenção sobre os ataques e as discriminações que eles sofrem em razão de sua vinculação nacional, cultural ou religiosa. E o ângulo “economia mundial” inscreve por sua vez a imigração num contexto mais amplo, que se interessa pela pobreza no nível internacional, pelo problema do subdesenvolvimento e das desigualdades, de que a migração do Sul para o Norte é um sintoma.

Quatro ângulos apresentam os imigrados como uma ameaça: o do “trabalho”, que os acusa de monopolizar o emprego dos nacionais ou de puxar os salários para baixo; o da “ordem pública”, que coloca ênfase na dimensão da segurança; o “fiscal”, que se preocupa com o pretenso custo para os contribuintes em matéria de saúde pública e educação; e por fim a “coesão nacional”, que associa as diferenças culturais (tradição, religião, língua) das quais eles são portadores a uma ameaça à unidade nacional e à harmonia social.

Os três últimos ângulos fazem dos imigrantes figuras heroicas. A abordagem pela “diversidade cultural” mostra que as “diferenças” constituem uma contribuição para a comunidade nacional. A da “integração” coloca em evidência aqueles que se adaptam à sociedade que os acolhe, tanto no plano civil quanto no cultural. Enfim, o ângulo do “bom trabalhador” repousa no princípio de que eles “fazem os trabalhos que as pessoas não querem fazer” (sem levar em conta os fatores que podem dissuadir os autóctones, como os baixos salários). Cada uma dessas abordagens sugere uma resposta diferente para a questão da imigração. (R.B.)

1         O trabalho de minuciosa análise realizado no período 1973-2006 foi completado por uma análise qualitativa para os anos 2006-2012. As conclusões dessa pesquisa são corroboradas por estudos mais recentes. Cf., por exemplo, Erik Bleich, Irene Bloemraad e Els de Graauw, “Migrants, minorities, and the media” [Migrantes, minorias e a mídia], Journal of Ethnic and Migration Studies, v.41, n.6,

QUEM FALA DOS IMIGRANTES

Apesar da primeira emenda da Constituição norte-americana, destinada a preservar a independência da imprensa em relação ao Estado, o debate sobre a imigração nos Estados Unidos é monopolizado por vozes oriundas do governo ou do meio político. Entre o início dos anos 1970 e a metade da década de 2000, 52% das pessoas convidadas a se expressar sobre o tema pertenciam a esse universo, contra 38% na França. Portanto, o quadro elogioso do associacionismo nos Estados Unidos polido por Alexis de Tocqueville corresponde pouco à realidade atual – pelo menos no que concerne aos meios de comunicação. Os jornalistas franceses se mostram até mais inclinados a dar a palavra aos representantes da sociedade civil (35% dos casos) que seus homólogos norte-americanos (20%).

Nos dois países, as opiniões não governamentais provêm sobretudo de associações favoráveis à imigração (12% na França, 8% nos Estados Unidos), bem à frente dos grupos hostis (6% na França, 3% nos Estados Unidos). Quanto aos sindicatos, também estão mais presentes na França (7%) que do outro lado do Atlântico (2%). Se ocupam vez por outra o espaço midiático a propósito deste ou daquele assunto, os representantes religiosos, muçulmanos, judeus ou cristãos raramente aparecem nas reportagens (1% nos Estados Unidos, 2% na França). Já os imigrantes em si representam 15% das pessoas entrevistadas nas reportagens francesas e 12% nas norte-americanas.

Dois poderosos atores da política migratória permanecem relativamente invisíveis nos veículos de comunicação: as empresas, de um lado (4% das manifestações nos Estados Unidos e 3% na França); os governos estrangeiros e os organismos internacionais – como a ONU e a União Europeia –, de outro (4% nos dois países).

As vezes em que os especialistas tomam a palavra são mais numerosas nos Estados Unidos que na França (5% contra 3%), mas quase metade dos especialistas norte-americanos pertence a think tanks, e não a universidades. Além disso, eles dispõem de um espaço menor para expor seus argumentos: 44 palavras em média, contra 315 para seus homólogos franceses.1 Constata-se, enfim, que nos dois países os órgãos de informação menos dependentes dos imperativos comerciais – The Christian Science Monitor, PBS, L’Humanité, Arte etc. – oferecem a maior diversidade de vozes e de pontos de vista. (R.B.)

1         Essa cifra é deduzida com base em um leque de sete jornais de cada país cobrindo o período 2002-2006.

Publicado em Le Monde Diplomatique