Em sua coluna no Financial Times, Martin Wolf diz o óbvio: ninguém deveria se surpreender com a vitória esmagadora do Syriza nas eleições gregas.  Lá o desemprego maltrata 26% da população economicamente ativa e deixa ao relento mais de 50% da moçada entre 16 e 25 anos de idade.

O PIB grego está girando nos calcanhares,  25% abaixo do patamar em que se movia em 2007. A derrocada do nível de atividade ensejou, como era de se esperar, uma boa notícia. A Grécia exibe um superávit na conta que registra as transações de bens e serviços do balanço de pagamentos.  Seria uma boa notícia, não fossem as más razões que a suscitaram: o superávit em conta corrente revela que o declínio do dispêndio público e privado foi ainda maior do que a queda do PIB. A Grécia vive uma crise humanitária nas terras da Eurolândia: mais de 30% da população padece condições de miséria. Nas praças e nas ruas são frequentes os ajuntamentos para as doações de alimentos.

Os capitais escapam da Grécia.  Os investidores sacam os euros dos bancos locais e transferem o dinheiro para outras paragens. Na maioria dos casos, a grana corre para a Alemanha. Aí, as fortunas dos gregos ricos que não pagam impostos dão impulso à valorização dos títulos alemães, os bunds, e engorda os depósitos dos bancos da Germânia.

Desde 2009, o balanço de capitais da Grécia fecha  no negativo. Todo o dinheiro da “ajuda” promovida pela Troika – FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu – vaza para fora do país, quer sob a forma de pagamentos de juros, quer como veículo para a fuga de capitais.  Sairia mais barato e seria mais razoável permitir ao Banco Central Europeu a compra dos títulos soberanos da Grécia e assim promover uma reestruturação branca da dívida, sem danos para credores,  poupando bancos gregos e troianos de desvalorização de suas carteiras de ativos. Essa, diga-se, foi a sugestão de George Soros há dois anos.

Na introdução do euro, poucos economistas, europeus ou não, alertaram para as dificuldades da construção de um espaço monetário comum na ausência de um pacto federativo e da criação de um sistema de transferências fiscais.


Na quarta 28 de janeiro, o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, atirou na mesma direção,  contra as casamatas da austeridade burra e acertou as defesas da senhora Merkel e de seu ridículo ministro Wolfgang Schäuble. Disse Carney em Dublin: “Isso significa integração financeira e arranjos fiscais comuns, com transferências de recursos fiscais dos países mais fortes para os mais fracos”.

Já em 2011, Philip Stephens, colunista do Financial Times, pegou o espírito da coisa: “A Grécia navega entre Sila – a depressão imposta pelos credores – e o caos de Caríbdis – o repúdio da dívida, o caos da saída do euro”. Nesse momento, o destino da Grécia é decidido no embate entre duas instâncias da vida econômica e social contemporânea – o terrorismo dos homens-bomba que habitam os mercados financeiro e as regras da convivência  democrática, cidadã e civilizada.

As manifestações de um lado e de outro sugerem que por ora não há mediações entre as duas instâncias, mas apenas  entropia produzida pelo atrito entre a burrice dos tecnocratas europeus e o desespero de uma população massacrada por seus aconselhamentos interessados e interesseiros.

A extrema-direita e a extrema-esquerda europeias celebraram a vitória do Syriza, saudaram o resultado das eleições gregas como um sinal de resistência às imposições de Merkel & cia. e de repúdio à pusilanimidade dos Hollandes e Rajoys da vida. A turma da direita radical não tem dúvida: pretende retornar imediatamente às moedas nacionais enquanto expressão da soberania. Já os universalistas, defensores do euro, consideram a proposta de saída da moeda única um recuo imperdoável que levará a consequências nefastas, tais como a guerra de desvalorizações competitivas e o mergulho no caos monetário e fiscal.

As correntes mais radicais do sindicalismo europeu sugerem: 1. Anunciar o default e propor a reestruturação da dívida. 2. Nacionalizar os bancos e as companhias de seguros; desmantelar os mercados de securities e de derivativos; controlar duramente os movimentos de capitais.

A Hélade vive os tormentos de uma crise terminal. A crueldade que atormenta os assalariados do setor privado e do setor público – submetidos à tirania de uma austeridade que só agravou o problema – amea­ça agora se transmutar numa batalha europeia. A Grécia não está só em suas desventuras. Espanha, Itália, Portugal, já sofrem as mesmas dores  da tragédia grega.

Tivessem as autoridades europeias admitido a inevitabilidade de uma reestruturação ordenada da dívida, acompanhada da  gestão pública do sistema bancário pelo Banco Central Europeu, a batalha que está prestes a eclodir poderia ter sido evitada.

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Fonte: CartaCapital