Desde 1985 acumulamos vitórias. A primeira agenda democrática, como eu a chamo, foi a democratização das instituições, iniciada naquele ano, após uma luta de duas décadas capitaneada pelo PMDB. Assim foi que a minoria oposta à ditadura se tornou legião. Hoje, só um deputado, de todo o Congresso Nacional, é contra a democracia!

A segunda agenda foi a vitória sobre a inflação, que demorou mais ou menos 15 anos e que foi assumida pelo PSDB, com o Plano Real. Outro sucesso. Ninguém mais defende a volta da inflação.

A terceira agenda democrática é a mais difícil: a inclusão social. A luta contra a desigualdade começa em 1580, data da possível fundação do quilombo de Palmares. Mas a inclusão só virou política irrenunciável de Estado com Lula, a partir de 2003. O Bolsa Família e a recuperação do salário mínimo tiraram mais de 50 milhões de pessoas das classes D e E, caminhando para tornar o Brasil um país de classe média, como quer Dilma Rousseff.

Hoje ninguém concorre ao cargo de primeira mandatário da República sem elogiar os programas de inclusão social. Mas o motor sustentável da inclusão não são eles e sim o aumento real do salário mínimo, que subiu muito nestes anos, porém ainda precisa chegar à exigência constitucional de uma remuneração digna.

Quem tornou esse tema compromisso do Estado e da sociedade brasileiros foi o PT, que chega nesta eleição com a promessa de manter aumentos reais do salário mínimo.

A agenda da inclusão social está incompleta. Quanto mais excluída a pessoa, mais laborioso é integrá-la. Desde a escravização do primeiro índio até hoje, são 500 anos de estragos. Mudar isso é mais difícil que melhorar as instituições ou consertar a moeda.

Mas o PT cometeu erros. Um deles foi parar de disputar os corações e mentes da sociedade. Se Lula se elegeu em 2002, foi porque no plano ético a maioria tinha se aberto aos valores de solidariedade social: “Se a miséria dos outros o incomoda, você é um pouco petista”, dizia um clipe de campanha.

Mas, uma vez no poder, o PT não elaborou o caráter moral da luta contra a miséria. Deixou a ética ser apropriada pela oposição, em que pese o telhado frágil dela. Deixou a oposição reduzir a discussão moral no país ao tema da corrupção, esquecida do grande imperativo ético do Brasil e do mundo que é o resgate da miséria. (É óbvio que têm de acabar tanto miséria como corrupção.)

Nossos partidos terão que se refundar nos próximos anos. Nenhum deles prioriza o que chamo quarta agenda democrática, a de junho de 2013, que afeta a classe média, mas também os pobres: a qualidade da educação, saúde, segurança e transporte públicos. Essas falhas são mais dos Estados e municípios que da União, mas a propaganda soube colar o descontentamento de 2013 na conta petista, não na dos governadores de oposição.

A quarta agenda traz os temas de amanhã. Quando não precisarmos de carro, plano de saúde, segurança particular e escola paga para termos qualidade de vida, nossa democracia terá um nível europeu.

Diga-se que o PT tem iniciativas estruturantes para essas áreas. O partido sabe dar escala a seus projetos de governo, isto é, fazer que não afetem só uma parte da cidade ou da sociedade, mas beneficiem a todos, inclusive a maioria de pobres.

Por ora, ainda não completamos a agenda da inclusão social. Para consumá-la, o PT continua sendo o partido mais capacitado. Como poderá ser –mas para isso precisará reinventar-se– para tratar da quarta agenda como algo que funcione para a sociedade como um todo.

RENATO JANINE RIBEIRO, 64, é professor titular de ética e filosofia política do Departamento de Filosofia da USP. É autor de “A Ética na Política” (Ibep Nacional), “A República” (Publifolha), entre outras obras

Fonte Folha de S. Paulo