Nos anos 1950, o Brasil vinha de uma série de governos  democráticos, com sensibilidade para os problemas sociais, reformistas, desenvolvimentistas, praticantes de uma política externa independente e soberana. Mas havia inflação, carestia, e os governos democráticos eram objeto de crítica permanente e corrosiva da grande imprensa da época, denunciando corrupção naqueles governos como se a corrupção fosse só daqueles governos.

Nas eleições de 1960, o povo acreditou na grande imprensa, que pintava Jânio Quadros como o homem cuja vassoura iria varrer a corrupção desse país. Seu governo foram sete meses de política econômica conservadora, contrabalançada por gestos esquerdistas como a condecoração a Che Guevara, terminando em uma renúncia que levou o país a crises sucessivas.

Em 1964, grande parte do povo ainda acreditou na grande imprensa, para quem os militares, estes sim, detinham o estofo moral para dar um “Basta!”, retumbante como suas manchetes, na corrupção deste país. E veio a ditadura, e foram se acabando as liberdades políticas, sindicais, artísticas. No lugar da reforma agrária, veio uma modernização conservadora do campo, que manteve o latifúndio e expulsou os camponeses para as cidades, gerando inchaço urbano e agravando a favelização.

A ditadura foi-se depois de muita luta, muito sofrimento, deixando como herança à Nova República uma crise econômica e uma enorme dívida pública. O governo de transição, de Sarney, experimentou sem sucesso  medidas  de combate á inflação, como o Plano Cruzado e Plano Verão, e terminou melancolicamente.

Em 1990, nas primeiras eleições diretas para Presidente da República depois da ditadura, o povo acreditou mais uma vez na grande imprensa, que incensava Collor como o “caçador de marajás”, capaz de enfrentar a corrupção no estado brasileiro. Desestruturou a economia, e foi cassado pelo Congresso por corrupção.

Após seu impeachment, o presidente Itamar Franco restituiu alguma ordem ao caos, graças ao Plano Real, plano tecnicamente aprimorado em relação ao Plano Cruzado e similares. Entretanto, Itamar era caricaturado na grande imprensa, e o Plano Real do Presidente Itamar Franco foi transformado no Plano Real do Ministro Fernando Henrique Cardoso.

Em 1994, o povo acreditou mais uma vez na grande imprensa, e elegeu tal ministro. O que se viu em seu governo foi repressão aos movimentos sociais, chegando a colocar tanques nas refinarias para acabar com greve de petroleiros. Acima de tudo, viu-se muita, muita privatização e desnacionalização. Enorme patrimônio público leiloado por preços irrisórios, além do próprio BNDES emprestar recursos que supostamente deveriam advir das privatizações. A consequência foi o aumento, e não a prometida diminuição da dívida pública, cuja remuneração é ainda hoje o principal entrave ao nosso desenvolvimento. A indústria privada, enforcada pelos estratosféricos juros internos, foi profundamente desnacionalizada. Lucros que poderiam ser reinvestidos no país são agora, permanentemente, remetidos para o exterior.

De 2002 para cá, o povo ficou mais atento com o que lê e ouve na grande imprensa. E elegeu uma sequência de governos democráticos, sensíveis às demandas populares, desenvolvimentistas, praticantes de uma política externa independente e soberana.  Mas ainda há muitas carências, e estes governos democráticos são objeto de crítica permanente e corrosiva da grande imprensa, denunciando a corrupção nestes governos como se a corrupção ocorresse só nestes governos.

Lembrar a história serve para lembrar que nós fazemos a história. A cada eleição, revive-se uma disputa muito mais velha e mais ampla que a disputa PT contra PSDB. É a disputa entre uma frente democrática, popular e nacional, contra uma frente liberal-conservadora, elitista e caudatária do imperialismo. Nesta disputa, os antecedentes históricos mostram que não é prudente acreditar nas candidaturas bajuladas pela grande imprensa.

José Ricardo Figueiredo é professor da Faculdade de Engenharia da Unicamp.