No auge da campanha presidencial, ressurge a velha guerra entre o cinema comercial e o não comercial. No programa de governo de Marina Silva, por exemplo, está escrito que ela vai “rediscutir os critérios para selecionar filmes incentivados com verbas públicas, valorizar a qualidade estética, e não apenas o potencial de retorno de bilheteria”.

Fazendo coro a essa proposta, o cineasta André Klotzel publicou um artigo nesta Folha (16/9) denunciando “a política equivocada” conduzida pela Ancine, que delegou aos distribuidores o protagonismo do mercado de produção, tendo como consequência o que ele chama pejorativamente de “filmes-varejão”.

Essa visão não corresponde à realidade. O critério mais objetivo que caracteriza um filme comercial é um lançamento de, no mínimo, cem cópias. Entre 2011 e 2013, foram lançados 312 filmes nacionais. Destes, apenas 54 (17,5%) foram lançados com mais de cem cópias e 258 (82,5%) com menos de cem cópias.

Se houver um mínimo de honestidade intelectual, a conclusão é obvia: o cinema não comercial é o mais atendido pela política de financiamento de filmes no Brasil.

Portanto, essa guerra contra um suposto domínio do cinema comercial no acesso às verbas públicas é falso e só interessa ao verdadeiro adversário: Hollywood.

A verdadeira guerra do cinema brasileiro é a da conquista do mercado, que interessa ao país como um todo, pois os filmes brasileiros geram renda e empregos aqui. Os lucros de Hollywood no Brasil geram renda e empregos nos EUA.

Para enfrentar o poderio de Hollywood, o governo, por meio da Ancine, entendeu ser de fundamental importância implantar uma política de fortalecimento de distribuidoras nacionais. É assim em todos os países onde o cinema local consegue garantir um espaço digno no seu próprio território, como Japão, Índia, França e Coreia do Sul.

Essa política delega aos distribuidores nacionais parte do poder decisório do que se vai produzir no país, com a missão de, falando em português claro, vender ingressos.

A razão para essa delegação é elementar. Uma distribuidora vive somente do resultado da exploração comercial dos filmes, por isso, é de seu interesse apoiar aqueles de maior apelo popular.

Os resultados dessa política vão surgindo de forma consistente. Falo por experiência própria. Em 2013, por exemplo, a Downtown Filmes, em parceria com a Paris Filmes, lançou nove filmes nacionais e vendeu 17,6 milhões de ingressos. Ocupamos o 3º lugar no ranking geral das distribuidoras, ficando atrás da Disney e da Fox, mas à frente da Warner, Paramount, Universal e Sony.

Foi um feito e tanto, mas ainda estamos longe do ideal. A participação do cinema brasileiro gira em torno de 18% do total de ingressos vendidos. Para crescer, precisamos aumentar a oferta de filmes populares, que é de cerca de 20 por ano, contra mais de 150 produzidos e distribuídos por Hollywood.

Estamos no caminho certo. Com o aumento dos recursos do Fundo Setorial combinado a outros mecanismos, podemos dobrar essa oferta para 40 títulos sem precisar abrir mão dos mais de cem filmes não comerciais produzidos anualmente.

Com menos burocracia, meritocracia, liberdade de negócio e autonomia decisória, temos tudo para consolidar de vez a indústria audiovisual no Brasil.

BRUNO WAINER, 53, é diretor da distribuidora Downtown Filmes

Publicado em TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de S. Paulo de 25/9/14