O avanço de Marina nas pesquisas encomendadas pela grande imprensa começa de todas as formas mais dúbias possíveis. Um avião cai e mata o presidenciável que ela veio a substituir. A caixa preta que revelaria detalhes do grave acidente aéreo está muda, mas logo os detalhes da caixa preta da logística eleitoral começam a ocupar as páginas de jornal.

Sem muito alarde, revela-se que o partido que comanda a campanha de Marina não contabilizou o uso do avião nas prestações de contas ao TSE. O mesmo caixa dois que resultou no espetáculo do mensalão petista é o que vai sendo escondido nos pés de páginas de jornais, por revelar que o avião despedaçado é apenas a ponta do iceberg. “Melhor não mexer muito nesse vespeiro, afinal a candidata não é do PT…”
Depois vêm as insuspeitas personalidades das altas rodas da sociedade que a cercam e apoiam, explicitando a relação direta entre a candidata e o setor financeiro. Marina já deixou claro em inúmeras ocasiões que está disposta a entregar o tesouro público aos especialistas do mercado. Quem tinha dúvidas sobre isso, confirmou no debate da Bandeirantes desta 3ª feira, quando a candidata apresentou seus heróis da sustentabilidade e da nova política: Neca Setúbal do Itaú e o milionário Guilherme Leal, da Natura.
Se o mercado financeiro e sua mídia incensam cegamente, desde 1989, quem quer que possa impedir o PT de ganhar, Marina, por sua vez, vai distraindo as audiências desavisadas com sua retórica da “nova política” que não reconhece a luta de classes e a polaridade entre esquerda e direita. Ninguém prestava muita atenção ao que era dito, meses atrás, afinal, ela era apenas uma coadjuvante do oposicionismo, uma escada para segundos turnos. Agora, no entanto, a campanha será curta para desconstruir o mudancismo econômico, político e ético de Marina Silva.
“Contra tudo o que está aí”, reportagens do jornal Valor Econômico vocalizaram com propriedade para o mercado o perfil da candidata disposta a restaurar a política macroeconômica juro por juro, como era nos tempos de FHC. Veja com os próprios olhos o fac-símile das páginas do Valor de 14/10/2013, a começar da manchete de primeira página:

Aqui, os dois blocos internos de reportagem:

A crer no tripé neoliberal de Marina, os investimentos “cinematográficos” (palavras dela para criticar o programa de TV de Dilma) que vigoram na atual gestão serão rigorosamente paralisados, assim como os programas sociais perderão alcance, para garantir contas superavitárias. A indústria brasileira dificilmente resistirá à flutuação do câmbio, que valoriza o real e barateia o dólar, especialmente com a enxurrada de dólares que já invade o Brasil para desestabilizar a política cambial de Dilma. Se a inflação vai ficar abaixo da meta, não se sabe, afinal essa é uma equação que já se provou não estar diretamente relacionada com taxa de juros. Mas que a taxa de juros vai subir exponencialmente, mês a mês, sob a desculpa de tentar manter a meta, isso vai. Que milionário quer investir e produzir, se pode ficar em seu iate esperando os lucros de depósitos em banco fervilharem de juros?
Para além desses economicismos para iniciados, em que os “sinais claros” que o mercado espera de Marina sejam, nada menos que juros estratosféricos, existe a ladainha da “autonomia do Banco Central”. Uma expressão bonita e emancipatória que pouco diz ao eleitor comum, mas que está na essência do receituário econômico dos neoliberais. Veja que, na palestra entre quatro paredes ao especulador suíço, Marina não só defendeu a autonomia do BC como um ponto central de sua política econômica, como não permitirá qualquer intervenção do Banco sobre a definição do câmbio. Em poucas linhas de texto, o Valor mostrou que ela está disposta a aplicar o receituário completo do neoliberalismo. Só faltou falar em privatizações, um palavrão ainda feio de ser dito até para suíços. Suas micro-reformas e outros temas abordados revelam  que ela não está preparada para questionamentos mais profundos, mantendo-se em temas conceituais. Segundo o Valor, ela foge inclusive da especificação de mecanismos para a efetivação de uma autonomia do Banco Central…
É do Banco Central que se espera algum controle sobre a quantidade ofertada de moeda e do “preço” do dinheiro, custo constituído fundamentalmente pela taxa de juros. Um custo que, embora o BC controle a emissão do papel moeda, são os bancos que estabelecem seu preço, tornando o papel e o níquel praticamente obsoletos na atualidade.
É também o BC que atua na definição da taxa Selic, os juros referenciais mínimos praticados pelos bancos, ampliando ou reduzindo a oferta de crédito, mas que também remuneram a dívida pública, ampliando ou reduzindo a destinação de recursos do Tesouro para credores, muitos deles estrangeiros. O BC pode incidir sobre a taxa de câmbio da moeda em relação a de outros países, uma variável que pode estimular as exportações ou promover uma enxurrada de importações que arraste a indústria nacional para o bueiro.
Se ainda existe alguma regra ou fiscalização sobre como os bancos tratam seus clientes ou o fluxo de dinheiro que passa por seus caixas, as taxas e juros cobrados, isso se deve ao caráter regulador e fiscalizatório do Banco Central.
Todas essas atribuições parecem justificar um forte controle governamental sobre o Banco, com indicação política de seus dirigentes. Embora se ataque o governo petista, foi o ex-presidente Lula que contribuiu para ampliar a autonomia já existente, por meio de MP tornando o cargo ocupado por Alexandre Tombini equivalente ao de um ministro. Mesmo o “ministério” durante dois governos pelo  ex-presidente internacional do Bank of Boston, Henrique Meirelles, é considerado pouco para o mercado. O setor financeiro não quer mais que isso, ele quer tudo!
Independência nada mais é que retórica bandida para garantir que o Banco Central seja absolutamente dependente, subordinado e obediente às demandas da mão invisível do mercado. Diante do quadro de atribuições esperadas do “banco dos bancos”, evidencia-se que sobra muito pouco para o Governo definir na política econômica, que será estabelecida a partir de uma subordinação aos parâmetros do Banco Central. Hoje, mesmo, parte das metas econômicas e políticas industriais não podem ser cogitadas sem considerar o custo do dinheiro definido pela equipe de Tombini.
Para o corpo volátil e fictício do mercado financeiro, melhor seria se toda a política econômica fosse definida a partir de especialistas com estabilidade plena, sem qualquer subordinação política, senão àquela do próprio mercado. Essa “isenção e imparcialidade” do BC seria o melhor dos mundos para os bancos, que não teriam que prestar contas a mais ninguém. Se garantisse isso num eventual governo, Marina conseguiria um feito tão profundo e estrutural que faria inveja à Collor e FHC.
Com muito pouco para resolver o mistério da suposta “terceira via” marineira, já dá pra ter um quadro bastante explícito de uma polarização econômica que se dará contra Dilma. Embora não assuma, o programa econômico de Marina tem plena concordância com o do tucano Aécio Neves, inclusive nas prioridades. Se a distância entre o tamanho do Estado previsto por Dilma e a dimensão que o mercado financeiro terá num governo Marina/Aécio não forem indicativos de uma violenta e devastadora luta de classes, resta saber que papel cumpriria a “nova política” e seu “Estado Mobilizador” em meio aos escombros do desemprego e da austeridade fiscal que assolará o país de baixo pra cima da pirâmide social.