Por mais que o regime golpista na Ucrânia e seus apoiadores queiram projetar uma imagem da “moderação ocidental”, há certo elemento do filme Doutor Fantástico, sobre a corrida armamentista, da década de 1960, escreve Robert Parry, no portal independente Consortium News. O elemento “não pode impedir o nazismo de reaparecer de vez em quando, como quando o personagem de Peter Sellers, neste filme clássico, não pode impedir o seu braço direito de fazer a saudação ‘Hail , Hitler’,” diz Parry.

Este nazismo brutal ressurgiu na sexta-feira (2), quando grupos de extrema-direita atacaram uma manifestação em Odessa, organizada por descendentes de russos, e incendiou uma sede sindical com coquetéis Molotov, matando um grande número de pessoas, queimadas ou em sua tentativa de escapar, ou, ainda, espancadas, lembra Parry.

Segundo testemunhas e vítimas que escaparam, os ultra-nacionalistas pintaram símbolos da suástica e picharam o local com referências à porção do exército ucraniano, “Galizien SS”, que lutou ao lado dos nazistas alemães, matando russos no fronte oriental.

“A morte de dezenas de pessoas queimadas em Odessa lembra um incidente da Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando elementos da polícia Galizien SS participou do massacre na vila polaca de Huta Pieniacka, que havia sido um refúgio para judeus e era protegida por russos e poloneses. Atacados por uma força mista da polícia ucraniana e soldados alemães em 28 de fevereiro, centenas de aldeões foram massacrados, inclusive muitos presos em um celeiro que foi incendiado,” escreve Parry.

Para o articulista, o legado da Segunda Guerra Mundial nunca esteve longe da superfície na política ucraniana. Parry ressalta que um dos “heróis” saudados pelos manifestantes de Maidan, nos protestos massivos e de grande expressão fascista intensificados no fim do ano passado, foi o colaborador nazista Stepan Bandera, cujo nome foi celebrado inclusive no pódio de onde o senador estadunidense John McCain proclamou o seu apoio às manifestações que acabaram por derrubar o presidente Viktor Yanukovych.

Embora não fossem compostos apenas por eles, os neonazistas infiltraram e formaram grande parte da massa entre os protestos que pareciam motivados pela insatisfação com as acusações de corrupção e com o desejo irresponsável de adesão à União Europeia em crise profunda. Os “soldados do Setor da Direita e do partido Liberdade decoraram alguns dos prédios governamentais ocupados com insígnias nazistas e até com uma bandeira da batalha dos confederados” estadunidenses, aqueles que possuíam escravos durante a Guerra Civil nos EUA (1861-1865), “um símbolo da supremacia branca,” afirma Parry.

Quando os protestos tornaram-se mais violentos, a partir de 20 de fevereiro, os neonazistas tomaram a frente. “Suas milícias bem treinadas, organizadas em brigadas de cerca de 100 homens, chamadas ‘as centenas’, perpetraram ataques finais contra a polícia e forçaram Yanukovych e muitos das autoridades do seu governo a fugirem, temendo por suas vidas.”

Neonazismo permeia governo interino, mas não a mídia

Nos dias seguintes ao golpe, enquanto as milícias neonazistas efetivamente controlavam o governo, diplomatas europeus e estadunidenses moveram-se para ajudar o Parlamento abalado a juntar um “espectro de regime respeitável, embora quatro ministérios, inclusive o da Segurança Nacional, foram passados para extremistas da direita, em reconhecimento do seu papel crucial na derrubada de Yanukovych.”

Ainda assim, desde fevereiro, continua Parry, “praticamente toda a mídia noticiosa dos Estados Unidos tem cooperado com o esforço de reduzir o papel dos neonazistas, rejeitando qualquer menção a esta verdade inconveniente como ‘propaganda russa’. As histórias na mídia dos EUA circundam delicadamente a realidade neonazista ao deixar de fora a contextualização relevante, como o histórico do chefe da Segurança Nacional Andriy Parubiy, que fundou o partido Social-Nacionalista da Ucrânia em 1991, misturando nacionalismo radical ucraniano com símbolos neonazistas.”

“Quando o fator neonazista é mencionado na imprensa tradicional dos Estados Unidos, isso é feito, geralmente, para rechaçar [a denúncia] como tolice, como na coluna de 20 de abril no New York Times, de Nicholas Kristof, que visitou seu lar ancestral, a vila no ocidente da Ucrânia, Karapchiv, e apresentou seus residentes como os verdadeiros portadores da voz do povo ucraniano,” e disse que, em Kiev, as pessoas estavam “decepcionadas” com a insuficiência do apoio estadunidense e europeu e do seu próprio governo golpista no combate “aos militantes respaldados pela Rússia”.

Mas o problema com o fato de que alguns ucranianos ocidentais expressam seu amor inconveniente pelos nazistas não tem se limitado à crise atual, escreve Parry. “Isso atormentou o governo de Ronald Reagan quando ele começou a aquecer a Guerra Fria, na década de 1980. Como parte desta estratégia, a Agência de Informações dos EUA de Reagan, gerida por seu amigo Charles Wick, contratou um elenco de exilados ucranianos de extrema-direita que começou a aparecer na Rádio Liberdade, financiada pelos EUA, homenageando a Galizien SS.”

Embora não seja a totalidade dos componentes em jogo na Ucrânia, os neonazistas continuam sendo uma força potente bem organizada, motivada e disposta à violência extrema, continua Parry, “seja jogando bombas incendiárias contra a polícia em Maidan ou contra descendentes de russos presos em um edifício em Odessa. Enquanto a vingança agora é buscada em toda Ucrânia, o imperativo nazista dificilmente será constrangido, por mais que o Doutor Fantástico lute para impedir o seu braço de fazer a saudação: ‘Heil, Hitler!’.”

Tradução de Moara Crivelente, da Redação do Vermelho