O Partido Comunista do Brasil comemora, no dia 25 de março , 92 anos de sua fundação. A data coincide com o momento em que a Nação debate o significado do golpe militar desferido há 50 anos e que impôs ao país a sua mais longa ditadura. Os comunistas, ao lado de outras forças democráticas, populares e patrióticas se empenharam nas ações da resistência democrática que enfrentou e derrotou o regime ditatorial.

A conquista da democracia, em 1985, foi resultado de uma épica jornada. Muitas lutas foram travadas, muitas vidas foram ceifadas. Quase 30 anos depois da redemocratização, o direito da Nação à memória e à verdade é uma bandeira apenas parcialmente alcançada. Com os governos Lula e Dilma passos importantes foram dados – e continuam sendo – pelo trabalho da Comissão da Anistia, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos e da Comissão Nacional da Verdade, mas só serão plenos esses passos com a punição daqueles que, em nome do regime ditatorial, cometeram crimes como torturas e assassinatos. Para que nunca mais se repita este período de trevas na história do país, precisamos lembrá-lo sempre, rendendo homenagens aos que resistiram e lutaram contra o arbítrio da ditadura. A luta destes homens e mulheres nos orgulha e nos inspira a seguir avante.

O PCdoB julga importante sistematizar as lições de 21 anos de batalhas, que se sagraram vitoriosas com a derrota dos generais no Colégio Eleitoral em 1985 e com a promulgação da “Constituição cidadã” de 1988. Passamos a discorrer, sinteticamente, sobre alguns desses ensinamentos históricos, bem como sobre as contribuições do PCdoB à resistência.

O recorrente golpismo das forças reacionárias e do imperialismo contra a democracia

O golpe militar de 1964 foi patrocinado pelas classes dominantes e pelo imperialismo estadunidense. Ele foi desferido para sepultar a democracia que se ampliava no governo do presidente João Goulart, e para conter e aniquilar uma vigorosa maré de lutas populares pelas reformas de base – dentre elas se destacam: as reformas agrária, urbana, da educação, da previdência social, do sistema bancário; e também bandeiras sindicais, como a regulamentação do direito de greve; e um elenco de medidas patrióticas, entre as quais, renegociação da dívida externa, controle da remessa de lucros de empresas estrangeiras, nacionalização das concessionárias dos serviços públicos etc.

A ditadura militar, portanto, se insere na história da luta de classes do Brasil e por este prisma deve ser analisada. Ela faz parte da persistente ação das classes dominantes, que a ferro e fogo, atuaram em diferentes períodos históricos para impedir o florescimento da democracia e negar ao povo e aos trabalhadores os direitos mais elementares. Desde a Proclamação da República, em 1889, os períodos de democracia ou de alguma liberdade foram pequenas ilhas num mar revolto de autoritarismo. Os últimos 29 anos, contados a partir de 1985, são o mais longo período de construção democrática.

Além deste aspecto, o Golpe de 1964 – para ser compreendido em toda sua complexidade – deve ser visto no contexto da Guerra Fria que regia a geopolítica mundial daquele período. Ele foi o primeiro de uma série de golpes que, a partir da década de 1960, infestaram ditaduras militares na América Latina. O imperialismo estadunidense ajudou a maquiná-las e as respaldou todas, sob a bandeira da contenção e do extermínio do comunismo.

A elevada capacidade de luta e resistência do povo e as suas políticas avançadas

Contra o golpe, desde o primeiro momento, houve manifestações de indignação e revolta, com meios e modos diversos, em vários cantos do país. Progressivamente, as forças democráticas, populares e patrióticas, entre elas o Partido Comunista do Brasil, organizaram e desencadearam a resistência democrática, pacífica e armada, que enfrentou a ditadura militar até a conquista da liberdade. Décadas depois, em 2002, o povo e as forças avançadas, em nova circunstância, foram capazes de uma nova proeza: elegeram como presidente da República o líder operário Luiz Inácio Lula da Silva – vitória que descortinou um ciclo político progressista que se projetou até os dias de hoje, com Dilma Rousseff na presidência do Brasil. Tanto Lula quanto Dilma participaram da resistência à ditadura. A presidenta Dilma, então estudante nos “anos de chumbo”, como militante de organizações revolucionárias que recorreram à resistência armada nas cidades. Lula, liderando as greves operárias no ABC, no final dos anos 1970 e início da década seguinte.

O papel do PCdoB na resistência democrática

A longa jornada heroica que enfrentou e derrotou a ditadura foi um grande feito do povo brasileiro. O PCdoB, ao preço da vida de quase uma centena de dirigentes e militantes, participou inteiramente dessa jornada. Empenhou-se abnegadamente nas diferentes batalhas e deu grande contribuição na definição da tática de enfrentamento à ditadura, que evoluiu no decorrer da luta. O Partido foi tecendo sua política de combate à ditadura, levando em conta a escalada autoritária do regime, a correlação de forças e o posicionamento dos demais integrantes da frente oposicionista.

Já em 1966, o PCdoB deu uma contribuição à qual reputamos relevante: defende a “união dos brasileiros” para livrar o país da crise da ditadura e da ameaça neocolonialista. Esta ampla união deveria se forjar em torno de aspirações históricas do povo brasileiro, como independência, progresso social e liberdade.

Uma tática, portanto, a um só tempo ampla e radical, cujo objetivo central era isolar ao máximo a ditadura, formando contra ela uma frente a mais larga possível em torno de bandeiras unificadoras. E, por último, mas igualmente importante, uma tática que sempre buscasse o protagonismo da esquerda e da luta do povo.

As forças de oposição, entre elas os comunistas, empreendem o combate ao regime com manifestações de rua, denúncias no parlamento, pelo voto, pela imprensa alternativa e clandestina, e por uma rica produção cultural de protesto e contestação. A resistência se avolumou e desaguou nas grandes manifestações de 1968, cujo ponto alto foi a Passeata dos Cem Mil, na cidade do Rio de Janeiro. Eclodem, também, greves operárias em Contagem e Osasco. Coerente com sua política ampla, o PCdoB considerou positiva a constituição da Frente Ampla, contrária ao regime militar – formada por políticos de matizes variados, como Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda.

Ante a ameaça representada pelo fortalecimento da oposição, a ditadura reagiu como uma fera acossada. Em 13 de dezembro de 1968, ela baixou o Ato Institucional nº 5 – passando a valer o pleno arbítrio. Com o AI-5 e a posse do general Emílio Garrastazu Médici, o regime assumiu claramente a feição de “uma ditadura militar de caráter terrorista.”

Diante de um regime cada vez mais brutal, elevou-se a determinação de diversos grupos opositores de que a resistência deveria ser feita de armas na mão. O PCdoB já estava convicto da luta armada; todavia, este caminho foi reforçado à medida que se elevava a consciência na camada avançada da oposição de que era preciso fazer frente ao banditismo de um regime truculento, sanguinário e fascistizante.

A Guerrilha do Araguaia

O PCdoB previra, já nos primeiros anos do arbítrio, que a “ditadura viera para ficar” e, ao tempo em que realizava o trabalho político nas cidades, desde o final de 1966, deslocava militantes para uma região da Amazônia banhada pelo rio Araguaia, situada no sul do Pará. Os comunistas buscaram juntar-se à população local e lançaram um programa no qual se comprometiam com “os direitos do povo do interior”.

O fluxo de militantes, perseguidos nas cidades, aumentaria muito depois do AI-5. No início de 1972, já eram 69 guerrilheiros e guerrilheiras – a maioria estudantes e jovens, mas também experimentados comunistas. Eles formaram três destacamentos guerrilheiros e uma Comissão Militar da qual fizeram parte João Amazonas, Maurício Grabois e Ângelo Arroyo.

No dia 12 de abril de 1972, mais de dois mil soldados iniciaram os ataques às bases guerrilheiras do PCdoB no sul do Pará. As refregas e os confrontos das forças guerrilheiras contra as operações de cerco e aniquilamento das Forças Armadas duraram mais de dois anos. Foi a maior mobilização militar brasileira desde a Segunda Guerra Mundial. Poucos guerrilheiros sobreviveram. Uma parte deles morreu em combate, outra foi presa, torturada, e muitos executados. Até hoje os corpos de quase todos os mortos no Araguaia continuam desaparecidos. Centenas de moradores que apoiavam os guerrilheiros ou eram suspeitos de fazê-lo também foram vítimas da violência dos militares.

Mesmo derrotada militarmente, a Guerrilha do Araguaia cumpriu um papel relevante. Alimentou o ânimo e a esperança dos setores mais avançados da oposição. Até nos dias de hoje, a resistência do Araguaia – a coragem de seus integrantes de lutarem pela democracia ao preço da própria vida – motiva e impulsiona setores do povo, em especial da juventude, para se engajarem na luta democrática, popular e revolucionária. Nomes como Osvaldo Orlando Costa, (Osvaldão), Dinalva Oliveira Teixeira (Dina), João Carlos Haas Sobrinho (Juca), Helenira Resende (Fátima), Antônio Guilherme Ribeiro Ribas (Ferreira), e dos demais guerrilheiros e guerrilheiras estão na galeria de heróis do povo brasileiro.

A três bandeiras unificadoras da ampla aliança

A partir de 1974, o regime se vê obrigado a manobrar com a chamada “abertura lenta, gradual e segura”. A resistência retoma a iniciativa política e os protestos e obtém uma vitória eleitoral expressiva nas eleições daquele ano. Em janeiro de 1975, novamente o PCdoB deu sua contribuição para traçar um caminho para a frente oposicionista. O Partido lançou a Mensagem aos brasileiros na qual reiterava três grandes bandeiras políticas que teriam apelo e força para unificar amplos setores na luta contra a ditadura: 1ª) Anistia ampla, geral e irrestrita; 2ª) abolição de todos os atos e leis de exceção; e 3ª) convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita.

Na “abertura” dos generais não cabiam os comunistas

O massacre da esquerda não havia terminado, pois o PCdoB continuava organizado e atuando em todo o país. A ditadura considerava isto uma afronta e um perigo, pois o Partido havia liderado a principal resistência armada contra ela.

Em dezembro de 1976, graças a um dirigente que se tornara um traidor, a caçada à direção do PCdoB obteve êxito, embora parcial. A casa onde a direção nacional do Partido se reunia na cidade de São Paulo, no bairro da Lapa, foi descoberta, cercada e metralhada. Na operação policial foram mortos os dirigentes Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond – este último morreu sob tortura no DOI-CODI. Outros quatro dirigentes foram presos e também torturados: Aldo Arantes, Elza Monnerat, Haroldo Lima e Wladimir Pomar. O êxito da caçada foi parcial, porque João Amazonas, um dos líderes históricos dos comunistas, não foi assassinado, uma vez que estava em missão partidária fora do país. Com este severo golpe, o PCdoB se viu na contingência de formar uma direção no exterior sob o comando de João Amazonas, Diógenes de Arruda Câmara, Renato Rabelo e Dynéas Aguiar.

Três importantes campanhas desencadeiam o fim à ditadura

Como as águas de um rio que vão ganhando volume, pouco a pouco as lutas populares foram ganhando expressão e força. Primeiro, foi a batalha pela anistia ampla, geral e irrestrita. Em seguida, veio o Movimento Contra a Carestia, com forte participação operária e popular, movimento este impulsionado pelos comunistas e a esquerda católica. Depois de anos de luta, a Lei de Anistia foi aprovada, em agosto de 1979. O PCdoB rejeitou o seu caráter parcial, e principalmente o fato de anistiar também os torturadores e assassinos incrustados no regime, mas reconheceu ser ela uma conquista do povo brasileiro. Com a Anistia, o movimento de oposição foi reforçado com a volta dos exilados, a libertação dos presos e o retorno à luz do dia dos militantes clandestinos.

Nas eleições de 1978, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) conquistou uma nova e importante vitória e dessa feita se reforçou com um elenco de lideranças do movimento sindical e popular, e combativos democratas. Foi eleito pelo MDB, o líder operário e comunista de São Paulo, Aurélio Peres.Nas eleições de 1982, em decorrência de uma reforma eleitoral cuja finalidade era dividir a oposição, o PCdoB e outras organizações defenderam o “voto útil” no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) para derrotar o partido da ditadura, o Partido Democrático Social (PDS). O PCdoB, semiclandestino, participou ativamente dessas eleições, apoiando candidatos majoritários do PMDB e lançou candidatos por esta legenda. Reforçou sua presença na Câmara dos Deputados, com três deputados, e elegeu parlamentares em outras Casas legislativas.

Nessa época, também ressurgiram greves de trabalhadores urbanos e rurais. As greves no ABC paulista, em 1979 e 1980, se destacaram pela adesão da massa operária, pela duração e impacto na conjuntura, contribuindo para minar os alicerces do regime militar.

O movimento estudantil retomou suas lutas. Em 1979, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi reorganizada no Congresso em Salvador, e seus congressos subsequentes foram decisivos para engajar fortemente a juventude nesta fase de ofensiva contra o regime. Foi destacado o papel da militância do PCdoB tanto na reconstrução das entidades, quanto na unidade e combatividade do movimento. Praticamente, todos os presidentes da UNE e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), desse período, eram lideranças do PCdoB, como é o caso de Aldo Rebelo, ex-presidente da UNE, hoje, ministro do Esporte.

Após a vitória eleitoral oposicionista de 1982, o PCdoB vislumbrou, e passou a disseminar que: “na atualidade, a exigência de eleições diretas para a Presidência da República corresponde a um sentimento generalizado e mobilizador”. As lutas pelas eleições diretas poderiam, portanto, ser a grande bandeira para levantar o povo e pôr fim ao regime militar. Outros partidos e lideranças também tiveram esta mesma convicção.
Desse modo, entre o final de 1983 e início de 1984, se desencadeou um dos maiores movimentos cívicos da história brasileira: a campanha das Diretas Já!

No entanto, apesar da ampla mobilização, a emenda das diretas não foi aprovada no Congresso Nacional, causando frustração no povo e confusão nas forças de oposição. Agora era preciso procurar outros caminhos e dar continuidade à luta contra o regime. O PCdoB defendeu a indicação de um candidato único das oposições que pudesse derrotar o candidato da ditadura, Paulo Maluf, em qualquer que fosse o terreno, inclusive o Colégio Eleitoral.

O nome indicado pelo MDB foi o de Tancredo Neves. O PCdoB não somente o apoiou como participou das articulações para persuadi-lo a aceitar este desafio. O Partido lançou o documento Por que os comunistas apoiam Tancredo, no qual afirmava: “Não é o método que está em jogo, mas o conteúdo; ou seja, o fim do regime militar e a conquista de amplas liberdades”.

No dia 15 de janeiro de 1985, com o voto dos parlamentares do PCdoB, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves à presidência da República. Em consequência da morte de Tancredo, assume o vice-presidente eleito. A democracia foi institucionalizada com a promulgação da nova Carta Magna, em outubro de 1988, resultado de quase dois anos de trabalho da Constituinte, eleita em 1986, nos quais a bancada de parlamentares do PCdoB deu reconhecida contribuição para que fossem aprovadas conquistas patrióticas, democráticas e sociais.

Ampliar as conquistas, impedir o retrocesso

Em suma, as duas décadas de resistência ao regime militar fazem parte de um período extenso e decisivo na trajetória de 92 anos do Partido Comunista do Brasil. O partido visando à conquista da democracia e dos direitos do povo se orientou por unir a maioria da nação para isolar o regime ditatorial, recorrendo a todas as formas de luta possíveis. E contribuiu para o resgate do papel do campo democrático e progressista na defesa da democracia brasileira. Ao mesmo tempo, no exame desses acontecimentos, assinala-se a evidência histórica de recorrente intervenção golpista das forças reacionárias para conter ou interromper os ciclos progressistas do país.

Este atávico golpismo veio, novamente, à tona, em 2005, quando tais forças, tentaram paralisar o governo do presidente Lula. Mais do que isso: se movimentaram para tentar cassar o mandato do presidente, com participação ostensiva dos grandes veículos de comunicação. Tal investida foi feita e por outros modos prosseguiu porque, nos últimos 11 anos de governo, a democracia política e social, sempre ceifada ou sufocada na história da República, ganhou força. Destaca-se, ainda, que a América Latina, ontem vítima de golpes militares, é hoje alvo de uma contraofensiva do imperialismo contra o ciclo de governos progressistas, sendo patente sua ação desestabilizadora na região – sobretudo, neste momento, na Venezuela e na Argentina.

Por isto, ao comemorar seus 92 anos, na simbólica data do cinquentenário do golpe militar, o PCdoB entende que o país mudou inteiramente, conquistando uma nova etapa na sua história, sobretudo considerando-se a última década. Mas, hoje, os desafios ainda são maiores. É hora de agregar amplas forças políticas e sociais, para o Brasil avançar na realização das reformas democráticas e estruturais, com mais desenvolvimento, mais democracia e mais progresso social, mais integração com seus vizinhos no continente, barrando assim o retorno das forças reacionárias e conservadoras. Garantindo a quarta vitória do povo neste ano.

Belo Horizonte, 24 de março de 2014
Renato Rabelo – Presidente do Partido Comunista do Brasil-PCdoB