Por décadas e até mesmo séculos, a desigualdade e a pobreza têm caminhado juntas no Brasil, resultado de modelos de crescimento não inclusivos e políticas sociais regressivas. Na segunda metade do século XX, o país esteve entre os de condições mais desiguais no mundo, razão pela qual economistas criaram expressões como “Belíndia – uma sociedade com a prosperidade do tamanho da pequena Bélgica cercado por um mar de pobreza indiana”. Por muitos anos, os 60% mais miseráveis da população detinham apenas 4% da riqueza, enquanto os 20% mais abastados detinham em média 58% dela.

Há dez anos, o presidente Lula iniciou o inovador Programa Bolsa Família, intensificando e administrando de maneira crucial iniciativas dispersas existentes sob um conceito simples, porém poderoso: confiar a famílias pobres transferências de pequenas quantias de dinheiro em troca de manter seus filhos na escola e com acompanhamento médico regular.

O programa foi recepcionado com um ceticismo considerável, afinal o Brasil continuava a ser tradicionalmente um grande investidor no setor social, com 22% do PIB aplicado em educação, saúde, proteção e segurança sociais. Uma das analogias utilizadas por acadêmicos era a de que jogar dinheiro de um helicóptero seria tão eficiente quanto atingir a população mais pobre, devido à frustração brasileira com a falta de resultados. Como o Bolsa Família, com cerca de 0,5% do PIB, mudaria esse cenário sombrio?

A desigualdade de renda foi reduzida para um coeficiente de Gini de 0,527, que corresponde a uma redução de 15%

Dez anos depois, o Bolsa Família seria chave para diminuir mais da metade da pobreza no Brasil- de 9,7 a 4,3% da população. O mais impressionante, em contraste com outros países, é que a desigualdade de renda também foi reduzida de forma acentuada, para um Coeficiente de Gini de 0,527, que corresponde a uma redução de impressionantes 15%. Atualmente, o Bolsa Família beneficia em torno de 14 milhões de famílias -50 milhões de pessoas ou cerca de ¼ da população, e é amplamente visto como uma história de sucesso, um ponto de referência para a política social no mundo.

De igual importância, estudos qualitativos destacaram como a transferência regular de dinheiro do programa tem ajudado a promover a dignidade e autonomia entre os pobres. Isso é particularmente verdadeiro para as mulheres, que são mais de 90% dos beneficiários.

Além do impacto imediato na pobreza, uma outra meta central do programa era quebrar o ciclo de transmissão de pobreza de pais para filhos pelo aumento de oportunidades para as novas gerações com mais educação e saúde. Avaliações a respeito do progresso dessa meta exigem um monitoramento a longo prazo, mas os resultados têm sido bastante promissores até o momento. O programa aumentou a frequência escolar e a progressão entre séries.

Por exemplo, as chances de uma jovem de 15 anos estar na escola aumentaram para 21%. Crianças e famílias estão melhor preparadas para estudar e aproveitar oportunidades com mais visitas de atendimento pré-natal, cobertura de vacinação e redução na mortalidade infantil. A pobreza invariavelmente lança um espectro sobre as próximas gerações, porém esses resultados não deixam dúvidas de que o Bolsa Família melhorou as expectativas para gerações de crianças. Ao mesmo tempo, receios sobre consequências não intencionais, tais como uma possível redução de incentivos no trabalho, não se materializaram. Na verdade, o aumento da renda do trabalho tem sido outro fator crítico na redução da pobreza e desigualdade brasileiras durante o período.

O Cadastro Único é a ferramenta essencial que permitiu que o programa Bolsa Família alcançasse esse marco de sucesso, sendo capaz de direcionar suas intervenções diretamente aos mais pobres. Ele é hoje a base de programas sociais, uma vez que fornece as informações ao sistema que processa milhões de pagamentos mensais para os beneficiados, permite ajustes rápidos e ampliação de benefícios com esforços adicionais tais como o recente programa Brasil Carinhoso. Por meio de uma administração eficiente e direcionamento adequado, o Bolsa Família atingiu um grande objetivo a custos bem baixos (cerca de 0,6% do PIB) e construiu a base para programas ambiciosos como Brasil sem Miséria e o Busca ativa, que incluirá os que ainda não foram alcançados.

A experiência brasileira está mostrando o caminho para o restante do mundo. Apesar do pouco tempo de criação, o programa ajudou a estimular um aumento nos programas de transferência condicionais de renda na América Latina e pelo mundo inteiro – tais programas atualmente existem em mais de 40 países. Somente no ano passado, mais de 120 delegações visitaram o Brasil para aprender sobre o Bolsa Família. O Banco Mundial é parceiro do programa desde o início; estamos aprendendo com ele e ajudando sua disseminação.

Nossas novas metas globais de erradicar a pobreza extrema até 2030 e impulsionar a prosperidade compartilhada foram inspiradas pela experiência brasileira. Outra etapa concreta desta parceria foi o desenvolvimento da “Iniciativa de Aprendizagem no Brasil para Um Mundo Sem Pobreza” (WWP), assinada recentemente em Brasília em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social, Ipea e Centro de Política Internacional da UNDP. A iniciativa apoiará inovações e o aprendizado contínuo com base na experiência de política social brasileira.

A meta final para qualquer programa social é que seu sucesso o torne redundante. O Brasil está bem posicionado para sustentar suas conquistas da última década e está perto de alcançar a incrível façanha de erradicar a pobreza e a fome de todos os brasileiros, razão legítima para celebrar.

Deborah Wetzel é diretora do Banco Mundial para o Brasil e PhD em economia pela Universidade de Oxford, Inglaterra.

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