Nota de hoje na coluna de Ilimar Franco, no Globo, coloca luzes de realidade nas dificuldades de Marina Silva para legalizar seu partido político.

Reunindo dados sobre a Câmara de Deputados, a coluna recorda o desempenho eleitoral do PV, partido pelo qual Marina disputou a presidência em 2010. Os números: 0,19% em 2002, 2,5% em 2006 e 2,73% em 2010.

São números irrisórios, que retratam uma situação óbvia. Se, numa intervenção esdrúxula, o STF não tivesse derrubado a cláusula de barreira que fora aprovada pelo Congresso, o PV nem existiria.

Os números mostram que, mesmo no melhor desempenho eleitoral, Marina se mostrou uma candidata individual e individualizada, sem capacidade de articular forças expressivas a seu lado nos Estados e também no Congresso.

Em 2013, com Marina fora do PV, assistimos a um novo capítulo de uma história parecida. A Rede está longe de exibir uma força expressiva pelo número de filiados.

Mas Marina Silva, hoje, é a número 2 em todas as pesquisas eleitorais para presidente e a campanha para que seu partido seja legalizado é enorme.

Por circunstâncias bem conhecidas, que os mais afoitos nem se dão ao trabalho de disfarçar, ninguém alega que ela tenha uma contribuição efetiva a oferecer nos debates políticos.

Tampouco se louva alguma ideia original que possa levar ao Planalto, caso venha a ser eleita. Marina tem eleitores de sobra, mais do que qualquer outro candidato depois de Dilma — e isso parece ser suficiente para dar conta da missão que lhe foi designada.

Sem receio de parecer até falta de educação, assegura-se, pura e simplesmente, que Marina precisa concorrer de todo jeito para impedir uma vitória de Dilma no primeiro turno.

O apelo é radical. Se não for capaz de cumprir as exigências da lei, que se ignore a lei em benefício de uma tática eleitoral.

Mais do que uma candidata, o que se quer é uma anti candidatura para auxiliar aqueles que seriam os concorrentes de verdade, mas que não têm perfil para se apresentar de cara limpa perante o eleitorado desconfiado daquilo que a ex-senadora e ex-ministra Marina também é, ainda que não seja vista assim por muitos brasileiros — político profissional.

As dificuldades atuais de Marina para atingir o número mínimo de filiados costumam ser atribuídas à má vontade da burocracia de cartórios eleitorais. Até agora, faltam fatos para sustentar essa afirmação.

Mas sobram argumentos para explicar o que está por trás disso. Ao sugerir que a Rede está sendo vítima de um possível ato arbitrário, procura-se preparar o terreno para pressionar a Justiça eleitoral a lhe dar o registro de qualquer maneira, com a certeza de que pode contar com vistas grossas por parte de quem deveria estar ocupado em zelar para quem tudo fosse feito dentro dos limites da lei.

Vista como uma ministra de votos volúveis, Carmen Lucia, que preside o TSE, desperta esperanças nos aliados de Marina.

É bom deixar claro. Com apoio de uma parcela respeitável de eleitores, Marina Silva tem o direito legítimo de disputar a presidência. Não pode haver um fiapo de duvida a respeito.

Mas a insistência abusiva de aliados e patrocinadores para assegurar a legalização de seu partido de qualquer maneira é a demonstração, lamentável, de um compromisso zero com qualquer esforço com a modernização de nossos costumes políticos. Inscreve-se no mesmo manual de hipocrisia que denuncia a corrupção e bloqueia a reforma política, para ficar num exemplo definitivo e recente.

Num país com 29 partidos já legalizados, e outros tantos a caminho, a dificuldade real da Rede é bem específica.

Nem é uma sigla marota de cartório, daquele tipo que, acredita-se, encomenda filiados e recebe suas fichas pelo correio.

Nem é uma sigla que expressa um movimento de raiz social verdadeira, com vigor suficiente para atravessar barreiras e cumprir formalidades sem sustos nem sobressaltos, como aconteceu na história de algumas legendas com representação no Congresso.

Os partidos políticos são parte indispensável de um sistema de poder saudável e democrático. Não existem para criar empregos para os amigos e parentes, embora se prestem a isso, com eficiência descarada e empenho até vergonhoso, como nós sabemos. Também não se destinam a patrocinar negócios privados nos bastidores do Estado, ainda que isso também aconteça.

Apesar de todas as distorções que acompanham o cotidiano dos partidos políticos, no Brasil e no mundo inteiro, eles só existem para cumprir uma função – defender os eleitores.

São os partidos, e não seus candidatos, que armazenam suas ideias e sua história. São eles que elaboram programas, que com o passar dos anos serão revistos, alterados.

É deles que se pode cobrar coerência entre o palanque eleitoral e o gabinete de governo. Deixando de lado períodos excepcionais, como os protestos de junho, o cidadão que desejar participar da vida política de seu país tem um caminho, dos partidos políticos.

Pense nas boas ideias políticas que deram errado, nas ideias ruins que deram certo. Vice-versa. Por trás de todas elas você irá encontrar o fracasso e o sucesso de um partido.

Isso acontece porque os partidos são uma construção coletiva, típica das sociedades nascidas após a Revolução Francesa e indispensáveis a vida democrática. Não são um simples acessório. Representam uma fatia da sociedade, expressam o ponto de vista – minoritário, médio, majoritário – de determinados cidadãos. O poder dos cidadãos se exerce através deles.

Ninguém pode abrir mão dos partidos — a menos, claro, que se queira construir candidaturas dóceis, sem compromissos coletivos, aptas a fazer e desfazer acordos de qualquer tipo, a qualquer hora, em troca de qualquer coisa.

A ironia da história é esta. De tanto cortejar a não-política, capaz de lhe trazer o voto dos desencantados e furiosos, Marina criou uma barreira para a pró-política, indispensável para transformar eleitores em força organizada.

Qualquer estudioso da política, brasileira e universal, sabe muito bem que os problemas principais são três. O primeiro: os partidos. O segundo: os partidos. O terceiro: os partidos.

Para além deles, resta o culto à personalidade.