Neste estudo, decidimos identificar em pormenor as pessoas nos conselhos de administração (CA) (boards of directors) das dez principais firmas de administração de ativo e as dez principais corporações mais centralizadas no mundo. Devido a sobreposições, há um total de treze firmas, as quais colectivamente têm 161 administradores nos seus CA. Pensamos que este grupo de 161 indivíduos representa o núcleo financeiro da classe capitalista transnacional do mundo. Eles administram coletivamente US$ 23,91 trilhões em fundos e operam em praticamente todos os países do mundo. Eles constituem o centro do capital financeiro que movimenta o sistema econômico global. Os governos ocidentais e os corpos políticos internacionais trabalham de acordo com os interesses deste núcleo financeiro a fim de proteger o fluxo irrestrito de capital de investimento em qualquer lugar do mundo.

Uma breve história da investigação sobre a elite do poder americana

Uma longa tradição de investigação sociológica documenta a existência de uma classe dominante nos Estados Unidos, cujos membros traçam directivas e determinam prioridades políticas nacionais. A classe dominante americana é complexa e competitiva, perpetuando-se através da interacção de famílias de alto padrão social com estilos de vida, ligações corporativas e pertença a clubes sociais e escolas privadas semelhantes. [1]

Já foi determinado há muito que a classe dominante americana é sobretudo auto-perpetuante [2] , mantendo sua influência através de instituições elaboradoras de políticas tais como a National Association of Manufacturers, a US Chamber of Commerce, o Business Council, Business Roundtable, o Conference Board, American Enterprise Institute for Public Policy Research, Council on Foreign Relations, e outros grupos de política centrados nos negócios [3] . Estas associações desde há muito dominaram as decisões políticas dentro do governo estado-unidense.

No seu livro de 1956, The Power Elite , C. Wright Mills documentou como a II Guerra Mundial solidificou a trindade de poder nos EUA que compreendia corporações, militares e elites governantes numa estrutura de pode centralizada pelos interesses de classe e a trabalhar em uníssono por todos os “alto círculos” de contacto e acordo. Mills descreveu como a elite do poder eram aqueles “que decidiam tudo o que fosse para ser decidido” com consequências importantes [4] . Estes decisores do círculo mais alto tendiam a estar preocupados com relacionamentos inter-organizacionais e o funcionamento da economia como um todo, ao invés da promoção dos seus interesses corporativos particulares [5] .

As elites políticas do círculo mais alto (higher-circle policy elites, HCPE) constituem um segmento da classe superior americana e são os principais decisores na sociedade. Embora estas elites mostrem alguma noção do “senso de nós” (we-ness”), eles também tendem a ter desacordos contínuos sobre políticas específicas e acções necessárias em várias circunstâncias sócio-políticas. [6] Estes desacordos podem bloquear respostas reaccionárias agressivas a movimentos sociais e distúrbios civis, como no caso do movimento trabalhista na década de 1930 e o movimento de direitos civis na década de 1960. Durante estes dois períodos, os elementos mais liberais das HCPE tendiam a dominar o processo de tomada de decisão e apoiou a aprovação das leis de Relações Trabalhistas Nacionais e de Segurança Social em 1935, bem como as leis de Direitos Civis e Oportunidades Económicas em 1964. Estas peças de legislação eram vistas como concessões aos movimentos sociais em curso e a inquietações civis, e foram implementadas ao invés de instituir políticas mais repressivas.

Entretanto, durante período de ameaças vindas de inimigos externos, como nas I e II Guerras Mundiais, elementos mais conservadores/reaccionários da HCPE avançaram com êxito nas suas agendas. Durante e após a I Guerra Mundial, os Estados Unidos instituíram respostas repressivas a movimentos sociais, como por exemplo através dos Palmer Raids e da aprovação do Espionage Act de 1917 e do Sediction Act de 1918. Após a II Guerra Mundial, a HCPE permitiu e encorajou os ataques da era McCarthy contra liberais e radicais e, em 1947, a aprovação do National Security Act e da lei trabalhista Taft-Hartley. Nos últimos vinte e cinco anos, e especialmente desde os eventos do 11/Set, a HCPE nos EUA tem estado unida no apoio a um império americano de poder militar que mantenha uma guerra repressiva contra grupos de resistência – tipicamente alcunhados como “terroristas” – em todo o mundo. Esta guerra ao terror é muito mais acerca de proteger a globalização transnacionais, a livre movimentação do capital financeiro, a hegemonia do dólar e o acesso ao petróleo do que acerca da repressão ao terrorismo. Cada vez mais, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) é uma associada dos interesses de dominação global dos EUA. [7]

A classe capitalista transnacional (CCT)

Elites do poder capitalista existem em todo o mundo. A globalização do comércio e do capital leva as elites do mundo a relacionamentos cada vez mais interconectados – até o ponto em que sociólogos começaram a teorizar o desenvolvimento de uma classe capitalista transnacional (CCT) (transnational capitalist class). Num dos trabalhos pioneiros neste campo, The Transnational Capitalist Class (2000), Leslie Sklair argumentou que a globalização elevou as corporações transnacionais (TNC) a papéis mais influentes, com o resultado de que nações-estado tornaram-se menos significantes do que acordos internacionais desenvolvidos através da Organização Mundial de Comércio (OMC) e outras instituições internacionais. [8] A emergir destas corporações multinacionais estavam uma classe capitalista transnacional, cujas lealdades e interesses, se bem que ainda enraizadas nas suas corporações, eram cada vez mais de âmbito internacional. Sklair escreveu:

A classe capitalista transnacional pode ser analiticamente dividida em quatro fracções principais: (i) proprietários e controladores das TNC e suas filiais locais; (ii) burocratas e políticos da globalização; (iii) profissionais da globalização; (iv) elites promotoras do consumo (comerciantes e media). Também é importante notar, naturalmente, que a CCT e cada uma das suas fracções nem sempre está inteiramente sobre todas as questões. No entanto, em conjunto, as pessoas principais nestes grupos constituem uma elite do poder global, a classe dominante ou círculo interno no sentido de que estas expressões têm sido utilizadas para caracterizar as estruturas da classe dominante de países específicos. [9]

Seguiu-se William Robinson em 2004 com o seu livro A Theory of Global Capitalism: Production, Class, and State in a Transnational World. [10] Robinson afirmou que 500 anos de capitalismo haviam levado a uma mudança de época na qual toda actividade humana é transformada em capital. Deste ponto de vista, o mundo tornou-se um mercado único (single market), o qual privatizou relacionamentos sociais. Ele viu a CCT como a partilhar cada vez mais estilos de vida, padrões de educação superior e consumo semelhantes. A circulação global de capital está no cerne de uma burguesia internacional, a qual opera em grupos (clusters) oligopólicos por todo o mundo. Estes grupos de elites formam alianças transnacionais estratégicas através de fusões e aquisições com o objectivo de concentração acrescida da riqueza e do capital. O processo cria uma poliarquia de elites hegemónicas. A concentração de riqueza e poder a este nível tende à super-acumulação, levando a investimentos especulativos e guerras. A CCT faz esforços para corrigir e proteger seus interesses por meio de organizações globais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o G20, o Fórum Social Mundial, a Comissão Trilateral, o Grupo Bilderberg, o Banco Internacional de Pagamentos e outras associações transnacionais. Robinson afirmou que, dentro deste sistema, nações-estado tornam-se pouco mais do que zonas de contenção de população e que o poder real jaz nos decisores que controlam o capital global. [11]

Uma visão mais profunda da classe capitalista transnacional é o que David Rothkopf denomina a “super-classe”. No seu livro de 2008, Superclass: The Global Power Elite and the World They Are Making, Rothkopf argumentou que a super-classe é constituída por 6000 a 7000 pessoas, ou 0,0001 por cento da população mundial. [12] Elas são as que comparecem a Davos, voam em jactos privados Gulfstream, pejados de dinheiro, integrados em mega-corporações, elites construtoras da política do mundo, pessoas no pico absoluto da pirâmide do pode global. São 94 por cento homens, predominantemente branco e principalmente da América do Norte e da Europa. Rothkopf afirmou que estas são as pessoas que estabelecem as agendas no G8, G20, NATO, Banco Mundial e OMC. Elas são provenientes dos mais altos níveis do capital financeiro, das corporações transnacionais, do governo, dos militares, da academia, de organizações não governamentais, líderes espirituais e outras elites sombra. (Elites sombra incluem, por exemplo, a política profunda de organizações de segurança nacional em conexão com cartéis internacionais de droga, os quais extraem 8000 toneladas de ópio por ano das zonas de guerra dos EUA, então lavam US$500 mil milhões através de bancos transnacionais, metade dos quais tem sede nos EUA.) [13]

A definição de Rothkopf da super-classe enfatizou sua influência e poder. Embora haja mais de 1.500 bilionários no mundo, nem todo são necessariamente parte da super-classe em termos de influência nas políticas globais. Ainda assim estes 1.500 bilionários possuem duas vezes tanta riqueza quanto os 2,5 mil milhões de pessoas menos ricas e eles estão plenamente conscientes destas amplas desigualdades. Os bilionários dentro da CCT são semelhantes a proprietários de plantações coloniais. Eles sabem que são uma pequena minoria com vastos recursos e poder, além disso devem preocupar-se continuamente com a possibilidade de massas exploradas insubordinarem-se em levantarem-se em rebelião. Em consequência destas inseguranças de classe, a CCT trabalha para proteger sua estrutura de riqueza concentrada. A protecção do capital é a primeira razão porque países da NATO agora representam 85 por cento da despesa mundial com defesa, com os EUA a gastarem mais com militares do que o resto do mundo somado. [14] Temores de rebeliões motivadas pela desigualdade e outras formas de inquietação são a motivação da agenda global da NATO na guerra ao terror. [15]

A NATO está a emergir rapidamente como a força policial ao serviço da classe capitalista transnacional. Quando a CCT emergiu mais plenamente na década de 1980, coincidindo com o colapso da União Soviética, a NATO começo operações mais vastas. A NATO primeiro aventurou-se nos Balcãs, onde permanece, e a seguir para o Afeganistão. A NATO arrancou com uma missão de treino no Iraque em 2005, recentemente efectuou operações na Líbia e em Julho de 2013 estava a considerar acção militar na Síria. A utilização da NATO pela super-classe para a sua segurança global faz parte de uma estratégia de expansão para a dominação militar dos EUA em todo o mundo, pela qual o império militares EUA/NATO-indústria-média operam ao serviço da CCT para a protecção do capital internacional em qualquer parte do mundo. [16]

O trabalho mais recente sobre a CCT é The Making of a Transnational Capitalist Class (2010), de William K. Carroll. [17] O trabalho de Carroll focou a consolidação das redes de políticas corporativas transnacionais entre 1996 e 2006. Ele utilizou uma base de dados os conselhos de administração das 500 maiores corporações, mostrando a interligação concentrada de corporações chave e uma diminuição do número de pessoas envolvidas. De acordo com esta análise, a dimensão média dos conselhos de administração caiu de 20,2 para 14,0 nos dez anos do seu estudo. Além disso, organizações financeiras estão cada vez mais no centro destas redes. Carroll argumentou que a CCT nos centros destas redes beneficiam de laços extensos entre si, proporcionando portanto tanto a capacidade estrutural como a consciência de classe necessária para solidariedade política efectiva.

Um estudo de 2011 da Universidade de Zurique, terminado por Stefania Vitali, James B. Glattfelder e Stefano Battiston no Swiss Federal Institute of Technology relatou que um pequeno grupo de companhias – principalmente bancos – exerce enorme poder sobre a economia global. [18] Aplicando modelos matemáticos – habitualmente utilizados para modelar sistemas naturais – às corporações transnacionais na economia mundial, o estudo descobriu que 147 companhias controlavam cerca de 40 por cento da riqueza do mundo. [19]

Embora teóricos da sociologia efectuem estudos da elite do poder mundial, estes investigadores raramente identificam membros específicos da classe capitalistas transnacional, preferindo ao invés construir teoria para outros académicos lerem e discutirem, se bem que evitando os pormenores de quem está realmente envolvido.

Os media corporativos do mundo não prestam absolutamente nenhuma atenção a conceitos académicos como “classe capitalista transnacional”. Assim, uma pesquisa no LexisNexis de cobertura de noticiários, completada em 3 de Junho de 2013, utilizando a expressão “classe capitalista transnacional”, retornou apenas três notícias na última década – duas de media estrangeiros e a terceira uma carta ao editor de Leslie Sklair. O conceito de uma classe capitalista transnacional está ausente de cobertura nos noticiários corporativos, os quais tão pouco tratam de quem constitui esta elite principal, o grupo poderoso.

Pensamos que o mundo precisa saber quem inclui a CCT e portanto quem toma as decisões financeiras respeitantes ao capital global.

Isto é realmente um razoavelmente directo – ainda que de trabalho intensivo – esforço de investigação: a maior parte da informação não é pública como também está online. Começámos com as dez principais companhias mais centralizadas a partir do estudo suíço de 2011 já citado. [20] Isto identificou as mais centralizadas e interconectadas organizações financeiras do mundo. Também quisemos considerar aqueles grupos que administram os maiores volumes de capital financeiro, de modo que acrescentámos as dez principais firmas de administração de activos de 2012 ao nosso conjunto de dados. [21] A tabela a seguir mostra as classificações em milhões de milhões (trillions) de dólares de activos administrados pelas 35 principais firmas de administração de activos do mundo.
Tabela 1: As 35 principais firmas de administração de activos do mundo, em milhões de milhões de dólares (2012)

1 BlackRock US $3,560
2 UBS Switzerland $2,280
3 Allianz Germany $2,213
4 Vanguard Group US $2,080
5 State Street Global Advisors (SSgA) US $1,908
6 PIMCO (Pacific Investment Management Company) US $1,820
7 Fidelity Investments US $1,576
8 AXA Group France $1,393
9 JPMorgan Asset Management US $1,347
10 Credit Suisse Switzerland $1,279
11 BNY Mellon Asset Management US $1,299
12 HSBC UK $1,230
13 Deutsche Bank Germany $1,227
14 BNP Paribas France $1,106
15 Capital Research and Management Company US $1,071
16 Prudential Financial US $961.0
17 Amundi France $880.0
18 Goldman Sachs Group US $836.0
19 Wellington Management Company US $719.8
20 Natixis Global Asset Management France $710.9
21 Franklin Resources (Franklin Templeton Investments) US $707.1
22 Northern Trust US $704.3
23 Bank of America US $682.2
24 Invesco US $646.6
25 Legg Mason US $631.8
26 Nippon Life Insurance Company Japan $600.0
27 Legal & General Investment Management UK $598.5
28 Generali Group Italy $581.5
29 Prudential UK $570.2
30 Ameriprise Financial US $543.6
31 T. Rowe Price US $541.7
32 Wells Fargo US $534.9
33 Manulife Financial Canada $513.8
34 Sun Life Financial Canada $496.3
35 TIAA-CREF US $481.0
Sete das dez principais firmas de administração de activos estavam entre as dez principais firmas mais centralizadas do estudo suíço.

Decidimos identificar as pessoas nos conselhos de administração das dez principais firmas de administração de activos e das dez corporações mais centralizadas. Com sobreposições há um total de treze firmas no nosso estudo: Barclays PLC, BlackRock Inc., Capital Group Companies Inc., FMR Corporation: Fidelity Worldwide Investment, AXA Group, State Street Corporation, JPMorgan Chase & Co., Legal & General Group PLC (LGIMA), Vanguard Group Inc., UBS AG, Bank of America/Merrill Lynch, Credit Suisse Group AG, and Allianz SE (Owners of PIMCO) PIMCO-Pacific Investment Management Co. Os conselhos de administração destas firmas, totalizando 161 indivíduos, representam o núcleo financeiro da classe capitalista transnacional do mundo (para mais pormenores, ver Apêndice).

Colectivamente, elas administram US$23,91 milhões de milhões em fundos e operam em aproximadamente todos os países do mundo. Os US$23,91 milhões de milhões não incluem os saldos de capital (equity balances) – os quais contam-se em milhares de milhões de dólares – que cada uma destas firmas possui em activos da companhia. Nem tão pouco incluem os US$18,8 milhões de milhões controlados pelas vinte e cinco mais valiosas firmas seguintes de administração de activos.

O banco Barclays, a mais rica corporação centralizada do mundo, vendeu sua divisão de gestão de activos globais à BlackRock em 1009. O resultado é que a BlackRock é agora a maior firma única de administração de activos, embora o Barclays permaneça uma das mais ricas firmas centralizadas com activos da companhia de US$2,41 milhões de milhões. [22]

Entender o núcleo financeiro da classe capitalista transnacional

Os 161 administradores das treze mais centralizadas/maiores firmas de administração de activos representam o núcleo do capital internacional. Como tais, estas 161 pessoas partilham um objectivo comum de máximo retorno sobre investimentos para os seus clientes e procurarão alcançar retornos por vezes por quaisquer meios necessários – legais ou não.

As autoridades têm considerado os maiores bancos como “demasiado grandes para falirem” e têm respondido às actividades criminosas dos bancos com reformas fracas e sem processos. [23] O governo americano recusou-se a processar quaisquer responsáveis da multidão de bancos que têm lavado milhares de milhões de dólares para cartéis ilegais de droga. Corporações bancárias poderosas, tais como o JPMorgan Chase, têm continuamente recusado cumprir com leis americanas anti-lavagem de dinheiro. [24]

Esta recusa em processar é frequentemente louvada como um movimento honroso que serve para proteger todos os indivíduos da devastação. Assim, o assistente do Procurador-Geral Lanny A.Breuer explicou a recusa em processar o banco HSBC:

Se as autoridades dos EUA tivessem decidido insistir em acusações criminais, o HSBC quase certamente perderia sua licença bancária nos EUA, o futuro da instituição ficaria sob ameaça e todo o sistema bancário teria sido desestabilizado. [25]

Estas poderosas corporações não são consideradas apenas “demasiado grandes para falirem”, elas parecem terem-se tornado demasiado grandes para se distinguirem. Tradicionalmente, os bancos têm sido entendidos como entidades separadas, a competirem uns contra os outros a fim de incitar consumidores a depositarem fundos e investirem. Tal competição teoricamente força bancos a competir para oferecer as melhores taxas. Contudo, na realidade estes bancos descobriram que competir uns contra os outros era menos lucrativo do que trabalharem em conjunto. Percebendo que o seu interesse está no trabalho conjunto, o núcleo financeiro da CCT foi altamente motivado para juntar forças – legalmente ou não – para manipular leis, políticas e governos para o seu benefício.

As consequências da falta de competição na indústria bancária são devastadoras. Considere-se, por exemplo, escândalos de fixação de preço tais como o Libor ou ISDAfix. O JPMorgan Chase, o UBS e o Barclays (entre treze outros) estiveram implicados no escândalo Libor, falsificando dados que eram utilizados para criar taxas de referência (benchmark rates). [26] Baseadas em dados falsificados, aquelas taxas afectaram os preços de tudo, desde automóveis, casas e empréstimos a estudantes até cartões de crédito, hipotecas e empréstimos comercias, e até mesmo o preço das próprias divisas. A Financial Services Authority no Reino Unido multou o Barclays em US$450 milhões e vários outros bancos ainda estão sob investigação. [27]

SWAPS E MEDIDAS DE AUSTERIDADE

O escândalo ISDAfix parece-se um bocado com o caso do Libor. Os mesmos bancos super-poderosos estão actualmente sob investigação para determinar se sim ou não manipularam o ISDAfix, um número de referência utilizado para calcular os preços das taxas de juro swaps globais. [28] Uma vez que cidades e governos soberanos utilizam taxas de juro swaps para ajudar a gerir suas dívidas, a manipulação daquelas taxas tem impactos de extremo alcance, particularmente para os pobres e as classes trabalhadoras, pois redes de segurança económica estão sujeitas a medidas de “austeridade” – isto é, cortes orçamentais – que favorecem a protecção do capital financeiro.

Não apenas taxas foram fixadas ilegalmente e dados falsificados como os bancos infractores também utilizaram investimentos de consumidores individuais para envolver-se em actividade criminosa. O Vanguard Group foi acusado de investir dinheiro de clientes em sítios ilegais de jogo offshore, o que motivou um processo judicial colectivo sob a lei Racketeer Influenced and Corrupt Organizations (RICO). O Vanguard não negou tais malfeitorias, mas um juiz determinou que quando os queixosos (os clientes do Vanguard) foram prejudicados, eles perderam o seu dinheiro devido à tomada de posição do governo sobre tal jogatina ilegal, e não devido ao investimento do Vanguard em tais sítios. [29] Contudo, é claro que se o Vanguard não houvesse investido dinheiro de clientes em aventuras ilegais, não teria havido repercussões negativas da tomada de posição do governo. Como declarou o jornalista Matt Taibbi: “Tudo está manipulado”. [30] Na verdade, parece que a super-poderosa elite corporativa nunca será feita pagar pelos seus crimes contra os consumidores – ainda estamos para ver um tal processo.

O Vanguard Group e BlackRock são grandes investidores na Sturm, Ruger & Co., um importante fabricante de armas de fogo. [31] Embora não haja nada ilegal acerca de tais investimentos, podemos nos perguntar acerca das consequências de um tal emparelhamento. Com a expansão das companhias policiais e militares privadas, a elite do poder aparentemente está a investir nos meios violentos a fim de manter e promover o seu avanço.

Com o dinheiro vem poder, influência e propaganda. A BlackRock e numerosos outros bancos e instituições da Wall Street estão a apoiar financeiramente grupos como Parent Revolution e StudentsFirst, cujas agendas são privatizar e a seguir transformar em negócio corporativo o sistema da escola pública. [32] A classe capitalista transnacional está a lançar as bases para a privatização do mundo. Se instituições democráticas públicas – incluindo escolas, correios, universidades, militares e mesmo igrejas – se tornarem entidades de propriedade privada, então os interesses corporativos realmente dominarão. Então, tornar-nos-emos sociedades neo-feudais onde o reinado de reis é substituído pela propriedade da corporação privada e o povo tem a função de camponeses.

Nós não afirmamos que qualquer pessoa individual identificada neste estudo, no conjunto dos 161 indivíduos no núcleo financeiro da CCT, tenha feito qualquer coisa ilegal. Apenas destacamos que os planos institucionais e estruturais dentro dos sistemas de administração do dinheiro do capital global procuram implacavelmente meios de alcançar o máximo retorno sobre o investimento e que as condições para manipulações – legais ou não – sempre se mantêm. Quando estas instituições se tornam “demasiado grandes para falirem”, seu âmbito e interconexões pressionam reguladores do governo a afastarem-se de investigações criminais, muito menos de levá-las a tribunal. O resultado é uma classe semi-protegida do povo com vastas quantias de dinheiro cada vez maiores, à procura de crescimento e retornos ilimitados, com pouca preocupação pelas consequências da sua busca económica sobre outros povos, sociedades, culturas e ambientes.

As estimativas são de que o total da riqueza mundial anda próximo dos US$200 mihões de milhões, com os EUA e a Europa a possuírem aproximadamente 63 por cento do total; enquanto isso, a metade mais pobre da população global possui em conjunto menos de 2 por cento da riqueza global. [33] O Banco Mundial informa que 1,29 mil milhões de pessoas estavam a viver em pobreza extrema em 2008, com menos de US$1,25 por dia, e 1,2 mil milhões mais estavam a viver com menos de US$2,00 por dia. [34] Trinta e cinco mil pessoas, principalmente crianças, morrem de fome diariamente. [35] Assim, enquanto milhões sofrem, as elites financeiras da CCT procuram retornos que especulam com a ascensão do custo da comida e fazem-no em cooperação entre si num sistema global de poder e controle da CCT.

Quem constitui o núcleo financeiro da classe corporativa transnacional? Como indicado acima, o núcleo financeiro da CCT são administradores de bancos e firmas de gestão de activos. Os 161 directores que administram as treze firmas principais têm antecedentes e treino muito semelhante. (Ver Apêndice para nomes e conexões. A lista completa e pormenorizada está online em: http://projectcensored.org/financial-core-of-the-transnational-corporate-class/ .

Núcleo financeiro da classe corporativa transnacional

Cento e trinta e seis dos 161 membros do núcleo (84 por cento) são homens. Oitenta e oito por cento são brancos de descendência europeia (apenas dezanove são pessoas de cor). Cinquenta e dois por cento possuem licenciaturas – incluindo trinta e sete MBAs (master of business administration), catorze JDs (Juris Doctor), vinte e um PhDs (doutoramento) e doze MA/MS (licenciatura plena/mestrado).

Quase todos estiveram em colégios privados, com cerca da metade nas mesmas dez universidades: Harvard University (25), Oxford University (11), Stanford University (8), Cambridge University (8), University of Chicago (8), University of Cologne (6), Columbia University (5), Cornell University (4), Wharton School of the University of Pennsylvania (3), e University of California–Berkeley (3), a qual é uma instituição pública. Quarenta e nove são ou foram CEOs (chief executive officer), oito são ou foram CFOs (chief financial officer); seis tiveram experiência anterior no Morgan Stanley, seis nos Goldman Sachs, quatro no Lehman Brothers, quatro no Swiss Re, sete no Barclays, quatro no Salomon Brothers, e quatro no Merrill Lynch.

Pessoas de vinte e dois países constituem o núcleo financeiro central da CCT. Setenta e três (45 por cento) são dos EUA; vinte e sete (16 por cento) da Grã-Bretanha; catorze da França; doze da Alemanha; onze da Suíça; quatro de Singapura; três da Áustria; três da Bélgica; três da Índia; dois da Austrália; dois da África do Sul; e um de cada um dos seguintes países: Brasil, Vietname, Hong Kong/China, Qatar, Holanda, Zâmbia, Formosa, Kuwait, México e Colômbia. Eles vivem principalmente num certo número de grandes cidades do mundo ou próximo delas: Nova York, Chicago, Londres, Paris e Munique. [36]

Os membros do núcleo financeiro tomam parte activa em grupos de política global e governamental. Cinco das trezes corporações têm como conselheiros directores ou antigos empregados do FMI. Seis das trezes firmas têm directores que trabalharam ou actuaram como conselheiros do Banco Mundial. Cinco das trezes firmas mantêm-se como membros corporativos do Council on Foreign Relations nos EUA. Sete das firmas enviaram dezanove directores para participarem do World Economic Forum em Fevereiro de 2013. Sete dos directores actuaram ou actuam numa administração do Federal Reserve, tanto regional como nacional, nos EUA. Seis membros do núcleo financeiro actuam no Business Roundtable nos EUA. Vários directores tiveram experiência directa com ministérios financeiros de países da União Europeia, G8 e G20. Quase todos os 161 indivíduos actuam como conselheiros de várias organizações regulamentares, de ministros das Finanças, universidades e corpos de planeamento político nacional ou internacional.

Estes 161 administradores fazem parte da super-classe de Rothkopf. Dado o seu controle sobre US$23,91 milhões de milhões, governos ocidentais e corpos políticos internacionais servem os interesses deste núcleo financeiro da CCT. São iniciadas guerras para proteger seus interesses e para promover o fluxo livre do capital global para investimento em qualquer lugar onde seja possível retorno. Identificar as pessoas com tal poder e influência é uma parte importante de qualquer movimento democrático que procure proteger nossos bens comuns de modo a que todos os humanos possam deles partilhar e prosperar. [37]

[*] Peter Phillips: professor de sociologia na Sonoma State University e presidente da Media Freedom Foundation/Project Censored.
Brady Osborne: investigador associado de nível senior na Sonoma State University.
Kimberly Soeiro, Katelyn Clatty e Garrett Lyons da Sonoma State University proporcionaram assistência investigativa neste estudo. Partes da literatura revista neste capítulo foram anteriormente publicadas em anteriores Censored yearbooks.

Este artigo é um capítulo do livro mais recente da Project Censored: Project Censored 2014: Fearless Speech in Fateful Times

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/… e em www.projectcensored.org/financial-core-of-the-transnational-corporate-class

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .