Que magnífico debate, ontem à noite, na Casa dos Comuns, transmitido ao vivo, que levou aos votos contra os ingleses participarem de qualquer ataque militar contra a Síria![1]

É fácil dizer que a Grã-Bretanha ainda não exorcizou os fantasmas do Iraque. Mas o primeiro-ministro David Cameron entendeu que o povo britânico não quer uma guerra no Oriente Médio e ergueu-se para declarar, firme e inequivocamente, que está farto da agenda de guerra contra a Síria. (Se ter afinal entendido isso conseguirá salvar sua carreira política é outro assunto.) Mas o mais impressionante é que, afinal, o sistema democrático ocidental começa a militar contra a guerra. Aquelas centenas de milhares de iraquianos que morreram não morreram em vão. Longa vida à democracia!

É a primeira vez desde depois da crise do canal de Suez em 1956, que Grã-Bretanha e EUA não conseguem manter-se juntos num grande projeto internacional. Claro que os EUA, superpotência militar, ainda podem “avançar sozinhos”, como o governo Obama parece ainda insistir que fará.

Mas há fortes correntes políticas subjacentes. A Grã-Bretanha é reconhecida pela extraordinária experiência no cenário de guerra do Oriente Médio e o desengajamento dos britânicos influenciará o pensamento europeu. O artigo de Hans Blinx, ex-inspetor-chefe da ONU para armas no Iraque, publicado no Guardian[2] é um primeiro sinal de alerta, que ressoará no discurso europeu.

No pé em que estão as coisas, só a França – e, isso, se o Parlamento francês aprovar, depois do debate de 4ª-feira – ainda pode mostrar disposição para envolver-se na Síria. A Alemanha já tomou a iniciativa de forjar posição comum com a Rússia, favorecendo solução política e diplomática e afirmando o primado da ONU.[3] E a Itália mantém-se desdenhosamente distanciada.

Tampouco outros aliados chaves – Japão, Austrália e Coreia do Sul – dão sinais de estarem apaixonadamente envolvidos em mais essa empreitada de guerra dos EUA. A coisa, assim, aparece como negócio exclusivo entre EUA e seus aliados árabes sunitas (e Turquia). Israel foi suficientemente esperta para antecipar o que vinha vindo.[4]

Na próxima semana, Obama viajará à Rússia, para participar de reunião do G-20, onde ouvirá muito ceticismo sobre qualquer ataque contra a Síria. A reunião do G-20 deverá ser evento muito mais teatral do que os “sherpas” planejavam – muito mais focada na paz mundial, que na economia mundial.

A melhor coisa que pode acontecer lá será os estadistas do mundo reunidos em São Petersburgo ressuscitarem a via política e concordarem em trabalhar juntos num novo mapa do caminho que leve a Genebra-2.

Contudo, se Obama abandonar a ideia de “punir” o regime sírio, pode dar a impressão aos aliados sunitas dos EUA que os estaria “abandonando”. A real apreensão dos sunitas é que Irã e o Hezbollah estejam ganhando em estatura e em influência regional.

Por outro lado, o Congresso dos EUA e – interessante! – influentes setores da imprensa-empresa nos EUA começam a manifestar preocupação, a questionar a razão de ser de outro ataque militar e o objetivo a que o ataque serviria, e alertam para os graves riscos envolvidos.[5]

De fato, se Obama desistir dos planos militares, será acusado ainda mais ferozmente, de ser “fraco” e “indeciso”. Nesse final de semana, Obama terá de tomar a mais difícil decisão de toda a sua vida política. Um momento no qual está em jogo a própria definição de sua presidência.[6]

Verdade é que o mundo está diante de uma semana de transformações gigantescas para toda a política mundial. Por um lado, o papel dos EUA como liderança mundial está sob pressão sem precedentes que lhe vem de seus próprios aliados: todo o sistema da aliança ocidental pode nunca mais voltar a ser o mesmo de antes.

Dito ainda metaforicamente, estamos testemunhando os estertores finais da hegemonia ocidental no Oriente Médio. A China aguarda nas coxias. O empoderamento dos xiitas no Iraque e a Primavera Árabe libertaram forças históricas que se vão tornando incontroláveis.

O crescimento do Irã não poderá ser contido, o que deixa ver que o confronto EUA-Irã não poderá continuar a ser adiado por mais muito tempo.

As implicações disso são extremamente graves para a Arábia Saudita, também, até agora o estado-pivô de toda a estratégia regional dos EUA no Oriente Médio muçulmano. Não surpreendentemente, comentaristas sauditas[7] já começam a exigir que Obama não use meros mísseis cruzadores, “como ação disciplinar” contra o regime sírio, mas que também “salve o povo sírio das garras de um regime criminoso”, para que sírios tenham chance de viver sob governo que “respeite suas crenças e sua identidade” de sunitas.

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[1] http://www.presstv.ir/detail/2013/08/30/321180/uk-mps-rule-out-offensive-against-syria/

[2] http://www.theguardian.com/commentisfree/2013/aug/28/chemical-weapons-west-global-policeman/print

[3] http://eng.news.kremlin.ru/news/5899/print

[4] http://news.xinhuanet.com/english/world/2013-08/30/c_125278328.htm

[5] http://goo.gl/HXQxAd

[6] http://goo.gl/b93Qon

[7] http://www.aawsat.net/2013/08/article55315103/print/

Publicado em 30/8/2013, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2013/08/30/syria-defines-obamas-presidential-legacy/

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu