A Praça Taksim, Sófia e agora São Paulo: as imagens de protesto a ocuparem nossas tevês sugerem que as cenas no Egito e na Tunísia não fizeram parte apenas da Primavera Árabe. Vimos essas cenas se desdobrarem com uma mistura de fascínio, alívio e arrogância. Fascínio por como esses protestos se espalharam pelos países, depois continentes e, em muitos casos, atravessando idades, gêneros e classes. Alívio porque na Grã-Bretanha exercer o direito ao protesto não significa suportar a força dos canhões de água ou o gás lacrimogêneo que queima os olhos. E arrogância porque nossas robustas instituições democráticas e econômicas jamais permitirão isso.

É fácil esquecer que apenas cinco anos atrás alguns previam distúrbios políticos nas ruas de Londres, Nova York e Berlim no rastro do colapso financeiro global. Isso não se materializou: os manifestantes do Ocupem em Londres foram centenas, e não milhares. Mas desde 2008 aumentaram as fileiras das instituições abaladas por crises de legitimidade: juntamente com os bancos, hoje estão o Parlamento, os jornais, as empresas de energia e corporações que evitam impostos. As revelações na semana passada sobre a Comissão de Qualidade da Saúde significa que os reguladores acabam de entrar na lista.

Não causa grande surpresa, portanto, a existência de um crescente sentimento popular de que a cultura britânica da probidade foi desgastada, e uma sensação crescente de que as pessoas no poder fazem o que querem, e não o que é certo. Isso apanhou nossa classe governante desprevenida. Governos sucessivos há muito tempo associam à ajuda estrangeira condições que visam livrar os países beneficiários da corrupção e do abuso de poder. Sempre houve uma suposição de que esses são fenômenos do mundo em desenvolvimento e nossa democracia parlamentar e economia capitalista competitiva – invejadas em todo o mundo – não permitiriam que se enraizassem no Reino Unido.

Mas os escândalos que atingiram o establishment britânico sugerem que ela não foi robusta o suficiente para evitar a concentração de poder e a erosão da credibilidade. Quando os mercados competitivos funcionam, distribuem o poder econômico entre muitos, em vez de poucos. Mas nos mercados de trabalho, consumo e investimento vimos as corporações globais acumularem poder às custas dos cidadãos individuais. A globalização, a mudança tecnológica e o declínio da negociação coletiva transferiram o poder dos empregados para os empregadores.

Um fracasso em regulamentar os mercados monopolistas levou a alegações de fixação de preços em áreas que vão da energia aos bancos. Os produtos financeiros tornaram-se tão complexos que quase não são entendidos por seus próprios criadores, quanto menos pelos reguladores. O declínio dos fundos de pensão à moda antiga significa que os conselhos corporativos hoje respondem a gerentes de ativos recompensados por obter retornos trimestrais, em vez de garantir rendimentos decentes na aposentadoria. Essas mudanças de poder também se refletem em nosso sistema democrático. Grupos como os dos jovens e dos inquilinos tornaram-se cada vez menos potentes, tendência que só será acelerada pelo registro individual de eleitores.

A concentração de poder se manifestou em uma mudança incremental, em longo prazo: desigualdade crescente; um curto-prazismo crescente nas diretorias de empresas; a redução da parcela de votos nos dois partidos principais. Mas ela foi mais sentida nas crises do big bang e na ascensão espetacular do Partido pela Independência do Reino Unido (Ukip).

As sementes de uma crise de legitimidade fermentam. As pessoas estão agudamente conscientes de que enquanto lutam para pagar as contas a elite se safa: deputados pagam casas para patos com dinheiro público; corporações evitam impostos; banqueiros ganham bônus de milhões de libras, aparentemente imunes à crise que eles causaram. Ao mesmo tempo, atiçado pelo tóxico debate político, cresceu o ressentimento sobre uma suposta subclasse de trapaceiros da previdência social e imigrantes que mamam no sistema de benefícios.

Os políticos sentiram a ira pública. Romper os cartéis de poder tem sido tema de inúmeros discursos políticos, tanto à esquerda como à direita. Mas eles ainda precisam convencer a população de que fazem parte da solução. Existe um sério problema de imagem: líderes conservadores britânicos como o premier David Cameron e o ministro das Finanças George Osborne não podem se livrar da percepção de que pertencem à elite empresarial a se beneficiar do poder conglomerado; David Miliband e Ed Balls, do Partido Trabalhista, ainda são vistos como parte de um grupo que ajudou a causar a crise financeira.

Mais importante, a política moderna não é fluente no vocabulário da mudança de poder e do empoderamento dos cidadãos. A corajosa e arriscada posição que Miliband assumiu sobre os grampos telefônicos mostra que, pelo menos para ele, isso tem a ver com muito mais que apelo populista. Mas a política dos movimentos sociais há muito foi substituída pela política das vendas: o marketing de políticos e políticas para o público. O trabalhismo lutou para criar um discurso significativo sobre unir os cidadãos, trabalhadores e consumidores para responsabilizar o poder. Por isso, as prescrições políticas a que chegou dão a sensação de fórmula: atirar os banqueiros na cadeia; regulamentos mais fortes para a imprensa; forçar as empresas de energia a oferecer tarifas mais baixas aos aposentados. Isso tem a ver com o governo reprimir os abusos, mais que aumentar o poder da população; não parece uma agenda para reverter as lentas mas constantes reduções de poder da cidadania.

Ambos os partidos tentaram responder ao ressentimento público sobre o assistencialismo. A direita uniu-se ao Ukip para instigar os temores públicos e depois aprovar duros cortes de benefícios, embora possa ser apenas uma questão de tempo para as pessoas perceberem que foram ludibriadas: quatro em cada cinco libras de cortes da assistência estão caindo sobre as famílias de trabalhadores. A resposta do trabalhismo foi falar restaurando o princípio contributivo: os que pagaram devem receber mais.

Essa abordagem muito transacional da restauração da confiança pública não deixa de ser arriscada. Longe de construir solidariedade social, corre o risco de reforçar uma cultura amigos e inimigos, não entre trabalhadores e aproveitadores, mas entre jovens e velhos. O assistencialismo contributivo reforçaria a redistribuição dos jovens para os velhos que ocorreu no mercado habitacional, no sistema de pensões e na proteção dos benefícios a idosos, enquanto o apoio aos jovens desempregados foi cortado.

Apesar das crises, não parece que algo fundamental tenha mudado desde 2008. A reação política precisa ser compreendida no contexto de um sentimento público emperrado na raiva e no ressentimento. Não houve um aumento do apetite público por reforma institucional mais radical que pudesse levar a resultados democráticos e de mercado que melhor refletissem os interesses da maioria, e não de poucos. Se a economia se recuperar, é provável que voltemos a nos acomodar em um equilíbrio de normalidade até a próxima crise. Mas se ficarmos emperrados em um período prolongado de crescimento baixo ou zero, nossos líderes políticos poderão ser forçados a buscar um tipo de solução diferente.