O capitalismo nasceu associado com um sistema de poder específico, o sistema interestatal europeu. E desde o início foi um dos principais instrumentos de poder dos Estados que se impuseram, dentro e fora da Europa, transformando-se nas primeiras “grandes potências” do sistema. Durante os cinco séculos seguintes, o desenvolvimento dessas “grandes potências” exerceu um efeito gravitacional e expansivo sobre todo o “sistema interestatal capitalista”, que foi ampliando suas fronteiras de maneira contínua, como se fosse um “universo em expansão”. Dentro desse “universo”, foram sendo criados e incorporados sucessivamente novos Estados e economias nacionais que competem e se hierarquizam dinamicamente, podendo ser classificados em três grandes grupos:

1- Num primeiro grupo, situam-se os Estados e as economias nacionais que adotam estratégias de integração direta, com relação às potências líderes. Fala-se em “desenvolvimento a convite” ou “associado” para referir-se a esses países com acesso privilegiado aos mercados e aos capitais das grandes potências, obtidos em troca da submissão à sua política externa e à sua estratégia militar global. Como foi o caso do Canadá, Austrália e Nova Zelândia, antes e depois de sua independência, e também da Alemanha, Japão e Coreia, depois da Segunda Guerra Mundial, na condição de protetorados militares dos EUA.

Quem liderou a expansão vitoriosa do capitalismo foram sempre os Estados “grandes predadores”

2- Em um segundo grupo se situam os países que questionam a hierarquia internacional e adotam estratégias de mudança do status quo e de crescimento acelerado, com o objetivo de mudar sua participação na distribuição internacional do poder e da riqueza. São projetos nacionais que podem ser bloqueados, e podem não conseguir superar as “barreiras à entrada” do “núcleo central”, impostas pelas grandes potências. Mas que também podem ter sucesso e dar origem a uma nova potência regional ou global, como foi o caso dos EUA, na primeira metade do século XX e da China, neste início do século XXI.

3- Por fim, no terceiro grupo se incluem todos os demais países do “andar de baixo” ou a “periferia” política e econômica do sistema. São Estados e economias que podem ter fortes ciclos de crescimento e ter indústrias, mas que não têm condições ou não se propõem a desafiar a ordem estabelecida, aceitam sua posição política subalterna dentro do sistema internacional de poder e se mantêm como fornecedores de commodities e bens industriais específicos, como é o caso do Chile, Colômbia e Peru, entre muitos outros.

Na outra ponta do sistema, o pequeno grupo das grandes potências “ganhadoras” também é hierarquizado e reproduz internamente – num outro patamar de poder – a mesma dinâmica competitiva de todo esse universo. Mas mesmo assim, é possível identificar duas grandes regularidades na sua trajetória “vitoriosa”:

1) todos enfrentaram, em algum momento, invasões externas, guerras civis ou rebeliões sociais, e esses acontecimentos contribuíram, de uma forma ou outra, para o fortalecimento de suas identidades nacionais e para a mobilização de suas sociedades em torno de grandes projetos de defesa e/ou de projeção internacional. Por estarem situados dentro de tabuleiros geopolíticos altamente competitivos, estes países também compartiram um sentimento constante de “cerco” e de ameaça externa, que explica a centralidade dos seus sistemas de defesa na definição de suas políticas de desenvolvimento e industrialização, e sua permanente preocupação com a conquista e o controle monopólico das “tecnologias sensíveis”, que foram decisivas para o seu sucesso e de toda a sua economia nacional.

2) Todos seus Estados e seus grandes capitais privados “desrespeitaram” sistematicamente as regras e instituições competitivas de mercado que devem ser obedecidas obrigatoriamente pelos que estão situados nos degraus inferiores do sistema. Nesse ponto se pode formular uma lei quase universal: quem liderou a expansão vitoriosa do capitalismo foram sempre os Estados e os capitais que souberam navegar com sucesso na contramão das “leis do mercado”, ou seja, os “grandes predadores” que conseguem manter e renovar permanentemente o seu controle monopólico das “inovações” e dos “lucros extraordinários”.

Esse caminho dos “ganhadores” está aberto para todos os países? Não, porque a energia que move esse sistema vem exatamente dessa luta contínua, entre Estados, economias nacionais e capitais privados, pela conquista de posições e de monopólios que são desiguais, por definição. Mesmo assim, alguns Estados podem modificar sua posição relativa dentro desse sistema, dependendo do seu território, dos seus recursos e da sua coesão social. E da existência de uma elite política capaz de assumir as grandes pressões sociais e o aumento dos desafios e provocações externas, como sinal de amadurecimento de um país que já está preparado para sustentar uma estratégia de longo prazo, de questionamento do status quo internacional e de desenvolvimento com mobilidade social generalizada.

José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro “O Poder Global”, da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”. Escreve mensalmente às quartas-feiras no Valor Econômico.