Entidades da sociedade civil acabam de lançar a proposta de uma nova lei geral de comunicações para o Brasil. O objetivo é coletar 1,4 milhão de assinaturas de apoio para um projeto de lei de iniciativa popular. Quem lidera a ideia é o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, que reúne mais de cem organizações.

Mas, afinal, o que querem essas organizações? Temos mesmo um problema no setor?

Há vários motivos para dizer que sim. O primeiro é que o sistema de comunicação no Brasil não reflete a pluralidade de pontos de vista e a diversidade da sociedade brasileira. Concentrada na mão de poucas famílias, a mídia brasileira não garante liberdade de expressão de forma igual para todos. Grupos sociais como trabalhadores e movimentos sociais são hoje vozes silenciadas; mulheres, negros e a população LGBT são subrepresentados e vítimas de estereótipo.

Em segundo lugar, quatro dos cinco artigos da Constituição Federal sobre o tema não foram devidamente regulamentados, o que significa que importantes garantias aprovadas em 1988 na prática ainda não vigoram. A lei de 1962 que trata de televisão e rádio, além de estar desatualizada, não estabelece garantias mínimas para pluralidade e diversidade no setor.

Em terceiro lugar, exemplos internacionais mostram que países tidos como referências democráticas promovem a regulação da mídia. Reino Unido, França e Estados Unidos consideram que a regulação democrática não é impedimento à liberdade de expressão. Ao contrário, é sua garantia. O mercado, por seus próprios meios, não garante diversidade e pluralidade.

A expectativa do FNDC era de que o governo federal lançasse uma consulta pública sobre a nova lei geral de comunicações. Um anteprojeto chegou a ser produzido no último ano do governo Lula, mas foi engavetado na atual gestão. Em função dessa quebra de compromisso, entidades se juntaram na campanha Para Expressar a Liberdade e prepararam um texto para discutir com a sociedade e coletar assinaturas.

O projeto abrange a comunicação social eletrônica, incluindo serviços de rádio e televisão por todas as plataformas, e regulamenta os artigos 220 a 223 da Constituição. O foco está no combate à concentração do setor, e para isso ele proíbe a propriedade cruzada de TV, rádio e jornal, inspirado em referências internacionais, e impede a concentração indevida de verbas publicitárias.

O texto também propõe a proibição da outorga para políticos, além de criar limites para o conteúdo religioso na televisão. Ficam definidas cotas de conteúdo regional e independente, além de direito de antena para grupos sociais e regras para o exercício do direito de resposta. Cria-se a figura do defensor dos direitos do público, para receber manifestações da sociedade sobre os serviços públicos de comunicação.

O projeto deixa claro que regulação democrática nada tem a ver com censura. A invocação desse fantasma só interessa àqueles que querem impedir a discussão pública. Afinal, contra fantasmas não há espaço para argumentos. Está na hora de o Brasil debater o tema –sem censura– e aprovar uma lei que garanta a liberdade de expressão.

ROSANE BERTOTTI, 47, é secretária nacional de comunicação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Publicado em TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de S. Paulo.