O Massacre do Carandiru sinalizou o ponto mais extremo de uma política de segurança pública caracterizada pela execução de suspeitos como um método de controle da criminalidade. Luiz Antônio Fleury havia assumido o governo de São Paulo, em 1991, com um discurso de incentivar “ações duras” na segurança pública, o que resultou em um expressivo aumento de mortes provocadas por policiais militares. O número passou de 585 mortes em 1990, para 1.140 em 1991 e chegou a 1.470 em 1992, recorde histórico.

Os agentes policiais que atuaram no Carandiru pertenciam ao Batalhão de Choque, unidade que vinha sendo prestigiada e tinha papel central na política de segurança daquele governo. As 111 execuções praticadas pelos policiais no Pavilhão 9 da Casa de Detenção, no dia 2 de outubro de 1992, não foram apontadas como atos de insubordinação pelas autoridades da época.  O entendimento foi de que os PMs teriam agido de acordo com a política de segurança estabelecida. Assim sendo, a responsabilidade pelo massacre deveria recair tanto sobre os policiais quanto sobre seus superiores.

O massacre se tornou um escândalo de grandes proporções, colocando aquele governo em uma situação politicamente delicada. Após o episódio, diversas medidas foram tomadas para controlar a violência por parte da polícia e refletiram na queda de cerca de 70% da letalidade policial no ano seguinte.

Com relação à apuração e julgamento do caso, alguns dos envolvidos foram indiciados, tais como o Coronel Ubiratan, comandante responsável pela tropa, e 79 policiais militares que participaram dos fatos. O Coronel chegou a ser condenado pelo Tribunal do Júri, em 2001, a 632 anos de prisão. Porém, em 2006, essa decisão foi alterada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que o absolveu.

O julgamento dos demais policiais militares foi divido em quatro partes, de acordo com o número de andares daquele pavilhão. O primeiro julgamento, realizado em abril deste ano, envolveu 26 policiais que atuaram no primeiro andar, onde 15 presos foram assassinados. Ao todo, 23 réus foram condenados a 156 anos de reclusão cada um pelo homicídio de 13 presos. Três policiais foram absolvidos.

As condenações do Tribunal do Júri, tanto do Coronel Ubiratan quanto dos 23 PMs, apontam o reconhecimento de que houve um massacre naquele 2 de outubro, e que os responsáveis por ele foram agentes públicos que agiram sob a chancela do Estado.

Apesar dessas decisões, destacamos que os policiais condenados estavam subordinados a uma hierarquia de poder e que as principais autoridades públicas relacionadas ao caso, ou seja, os responsáveis por aquela política de segurança pública, jamais foram judicialmente questionados sobre a seu papel no massacre. Eles, inclusive, foram testemunhas de defesa dos réus, indicando seu grau de comprometimento com a ação.

A responsabilidade do Estado com relação ao massacre foi reconhecida também pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no momento em que foi determinado o pagamento de indenizações aos familiares daquelas vítimas.

A defesa dos policiais condenados alegou, ao final do julgamento, que a criminalização da ação poderia prejudicar o trabalho cotidiano dos policiais militares que estão na ativa, uma vez que eles teriam de pensar antes de agir, diminuindo sua eficácia e aumentando o risco à população. Ora, a polícia que queremos é justamente aquela capaz de agir de maneira ponderada, diminuindo os riscos, com ação pautada pela lei, e que seja passível de responsabilização em casos de abuso. A condenação dos policiais envolvidos no massacre do Carandiru sinaliza que o Júri decidiu nesse sentido. O recado dado para os policiais que estão na ativa e para seus comandantes é de que eles podem ser responsabilizados pelos abusos e que o desrespeito à lei não pode fazer parte do seu repertório cotidiano.

Políticas de segurança pública pautadas no extermínio como método de combate à criminalidade fazem parte da realidade atual. Autoridades ainda lançam mão dessa estratégia como forma de demonstrar “eficiência” e respostas à opinião pública. Porém, quando casos graves de violência policial repercutem de forma negativa e fragilizam politicamente a imagem de um governo, essas mesmas autoridades conseguem tomar medidas que diminuem a letalidade policial. No final do ano passado, assistimos, no estado de São Paulo, a uma série de chacinas, com suposta participação de policiais, além de um aumento da letalidade policial.

A repercussão desses eventos levou o governo a aumentar o controle sobre a letalidade, que passou de 178 casos no último trimestre de 2012 para 66 no primeiro trimestre de 2013. Os dados reforçam a ideia de que o direcionamento das políticas de segurança tem um efeito direto na atuação cotidiana dos policiais.

[1] Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, doutoranda em sociologia pela USP.

[2] Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, mestre em sociologia pela USP.

Por Fórum Brasileiro de Segurança Pública