Pouca gente sabe que há partidos políticos legais e legítimos na China, além do Partido Comunista da China (CPC). Menos gente ainda conhece o nome dos oito, chamados genericamente de “partidos democráticos”.

Duas “sessões” que se realizam em março, anualmente, são importante plataforma para que os partidos não comunistas contribuam para mostrar que a China dá grande atenção ao sistema de cooperação multiparditária e de consultas políticas.

Esse sistema foi descrito pelo Ministro da Saúde, Chen Zhu, também presidente do Partido Chinês Democrático de Camponeses e Trabalhadores, em conferência de imprensa dia 6/3/2013, como “uma garantia de que a China mantêm-se solidária, como o maior país em desenvolvimento do mundo, com população de mais de 1,3 bilhões de pessoas. O sistema chinês motivou todos os partidos a darem-se as mãos e unirem-se no processo de desenvolvimento do país” – disse Chen.

Os líderes dos oito partidos não-comunistas e da Federação Chinesa de Indústria e Comércio em uma conferência de imprensa dia 6 de março/2013, durante a primeira sessão do Conferência Política Consultiva do 12º Comitê Nacional do Povo Chinês (CCPPC), em Pequim. Foto: PCP

Perguntado se esses partidos desejariam que houvesse eleições às quais concorressem todos os partidos, Wan E’xiang, presidente da Comissão Revolucionária do Kuomintang Chinês (CRKC), respondeu que o atual sistema político é comprovadamente bem-sucedido.

“Um velho ditado chinês ensina que “só o pé sabe avaliar se o sapato é confortável ou não” – disse Wan.

Yu Zhengsheng, recém-eleito presidente da Conferência Política Consultiva do 12º Comitê Nacional do Povo Chinês [orig. 12th National Committee of the Chinese People’s Political Consultative Conference (CPPCC)] disse, na 3ª-feira, que a China jamais copiará sistemas políticos ocidentais.

“Temos de manter firme a liderança do Partido Comunista da China, aderir a ele e aprimorar sempre o sistema de cooperação multipartidária e consultas políticas a outros partidos, sob a liderança do Partido Comunista Chinês. Não vejo circunstância alguma que torne ou venha a tornar interessante para a China imitar sistemas políticos ocidentais” – disse Yu, em entrevista à rede Xinhua.

De muitos, a bem poucos

Há cerca de quase um século, nos primeiros estágios da China moderna, havia mais de 300 partidos, o que gerava “rivalidade entre partidos políticos e senhores-da-guerra e aproximava a China da desintegração” – disse Wan, presidente do CRKC – “A China jamais teria alcançado o brilhante sucesso econômico que atingimos, se tivéssemos persistido naquele tipo de sistema político” – concluiu.

Os oito partidos não comunistas foram criados antes da fundação da República Popular da China em 1949, e lutaram juntos contra os japoneses e Chiang Kai-shek durante a II Guerra Mundial e a guerra civil chinesa.

Para fortalecer e aprimorar a liderança do Partido Comunista Chinês, o Partido buscou construir uma outra modalidade de democracia. O PCC e os demais partidos decidiram, por consenso, manter a cooperação pluripartidária em termos de supervisão política, todos aliados no mesmo esforço para tornar mais científico e democrático o processo de tomada de decisões do partido governante.

O desenvolvimento dos partidos não comunistas foi ameaçado durante a Revolução Cultural (1966-76), mas o processo voltou a avançar e aprimorar-se depois da 3ª Sessão Plenária da 11ª Conferência Política Consultiva do Comitê Nacional do Povo Chinês, em 1978, que marcou o início da reforma no país e da política de abertura.

Ao longo dos anos, o número total de membros dos “partidos democráticos” saltou de 65 mil, em 1978, para 850 mil em 2012, embora ainda não ultrapasse o 1% do número de membros do PCC.

Os oito partidos não comunistas não são partidos de oposição. Todos participam das discussões e da administração do Estado. Mas esses partidos não tem poder real, porque, como muito se tem discutido, não têm capacidade para exercer supervisão efetiva sobre o partido governante.

Zhang Ming, professor de ciência política na Universidade Renmin da China e especialista em história dos sistemas políticos, disse que a China, de fato, não tem partidos democráticos como se entende no ocidente. “Desde a campanha antidireitistas de 1957, nunca mais vi qualquer partido democrático chinês criticar o partido governante, com crítica realmente forte” – Zhang escreveu em Weibo, no início de janeiro.

Procurando cruz para carregar

Apenas um mês antes das duas reuniões do Congresso do Povo Chinês, Xi Jinping, novo líder do Partido Comunista Chinês, falou sobre a necessidade e a importância de o Partido Comunista ser mais tolerante a críticas advindas de não membros do partido: “O Partido Comunista Chinês deve ser capaz de suportar críticas agudas, corrigir erros, no caso de tê-los cometido; e de evitá-los, se ainda não os tiver cometido” – disse Xi, citado em matéria da Agência de Notícias Xinhua.

“E o pessoal de fora do PCC deve ter a coragem de sempre dizer a verdade, ecoando as palavras que colham das ruas e que realmente reflitam aspirações populares” – acrescentou Xi.

Em resposta, Chen Changzhi, presidente da Associação da Construção Nacional Democrática da China, deu um exemplo de como o seu partido faz supervisão democrática.

Há três anos, descobriu sobre cerca de 100 cidades que haviam declarado que a nova energia passava a ser um dos pilares de suas atividades, o que, para ele, seria desperdício de recursos. Então, levou o problema diretamente à reunião política consultiva. “Os partidos democráticos devem dizer a verdade” – disse ele –“mas a crítica tem de ser realista e racional”.

Zhu Shihai, professor no Instituto Central de Socialismo, disse a Global Times que não é fácil, para os partidos não comunistas manifestar qualquer crítica.

“É difícil para eles manifestar visões diferentes, porque estão do mesmo lado que o partido governante. Se fizerem alguma crítica mais aguda, serão vistos como ‘rudes’ ou ‘pouco polidos’” – disse Zhu.

Os delegados do partido, a maioria intelectuais e gente de negócios de um vasto corte transversal de especialidades – como ciências, tecnologia, atenção à saúde, cultura, educação, meio ambiente – estudam os problemas sociais e submetem suas propostas à Conferência Política Consultiva do 12º Comitê Nacional do Povo Chinês [orig. 12th National Committee of the Chinese People’s Political Consultative Conference (CPPCC)], o corpo consultivo que se reúne ao mesmo tempo em que o Congresso Nacional do Povo, como parte das duas sessões.

Esse ano, muitas de suas propostas focalizaram a poluição. Shi Zhongyan, vice-diretor do Gabinete de Proteção Ambiental de Dalian e membro da Comissão Revolucionária do Kuomintang Chinês, disse a Global Times que a opinião pública deve dedicar mais atenção ao controle da poluição em áreas rurais.

“Tem-se dado muita atenção à poluição do ar, mas acho que manter limpo o ambiente rural deve ser alta prioridade para a China” – disse Shi.

Membro da Conferência Política Consultiva do 12º Comitê Nacional do Povo Chinês (CPPCC), Wang Donglin, da Liga Democrática da China [orig. China Democratic League (CDL)], o maior dos oito partidos democráticos, criticou o vazamento de grande quantidade de provas de exames de escolas secundárias, nas duas sessões da Conferência Política, ano passado.

“Com as reformas políticas avançando, você vê mais e mais membros de partidos não comunistas que ousam falar” – disse Wang, que também é professor na Jiangxi Normal University, ao Global Times. “Mas é preciso dizer sua ideia com racionalidade. Para dizer o que bem queira, há a Internet”.

Mas Zhu entende que não basta ser encorajado a falar de cima para baixo. A chave está em como exercitar e encorajar o mesmo processo dentro do sistema.

“A eleição dos membros da Conferência Política Consultiva do 12º Comitê Nacional do Povo Chinês (CPPCC) é resultado, sobretudo, da chamada ‘negociação’, que se vê em algumas províncias, onde é possível, com muito dinheiro, comprar lugares” – diz Zhu. – “Introduzir um sistema de votação pode ajudar a resolver esses problemas porque, se alguém não se levantar e falar pelo povo, perde os votos que tenha conseguido”.

Qual a vantagem de organizar-se?

Mais e mais membros de partidos não comunistas têm sido nomeados chefes de agências governamentais. As estatísticas mostram que cerca de 32 mil membros de partidos não comunistas trabalhavam como funcionários em diferentes níveis de governo, como autoridades judiciárias ou nas legislaturas no final de 2010, segundo a rede Xinhua.

Além do ministro da Saúde, Chen Zhu, Wan Gang, membro do Partido China Zhi Gong, foi nomeado ministro de Ciência e Tecnologia. São os primeiros não membros do PCC nomeados para o nível ministerial, desde os anos 1970s.

“A falta de fé, entre os mais jovens é preocupante” – disse Shi Zhongyan, do RCCK. – “Quando consideramos se alguém está qualificado para integrar nosso partido, essa pessoa tem de acreditar no comunismo. Não pode ser gente que arraste o partido para o lado oposto ao do PCC”.

Shi alistou-se no RCCK em 2001, e acredita que o partido é uma plataforma de muitos recursos para gente inteligente.

Os partidos não comunistas que estão envelhecendo andam em busca de novos talentos, mas o processo de recrutamento não é fácil. Os candidatos têm de ser não membros do PCC que se destaquem entre seus pares e têm de chegar por recomendação de atuais membros do partido não comunista. Muitos jovens talentosos alistam-se no PCC quando ainda na universidade, deixando poucas opções que interessem aos demais partidos políticos.

Gao Yubao, 58, recorda que em 1994, dois anos depois de ter retornado à China, voltando da Grã-Bretanha, seu professor na Universidade Nankai assinou a recomendação para que se alistasse na Liga Democrática da China.

“Poucos são os recrutados com menos de 30 anos, porque entendemos que, depois dos 30, a pessoa já desenvolveu visão relativamente mais amadurecida da vida e do mundo” – diz Gao.

Mas estudos já demonstraram que 50% dos novos membros de partidos não comunistas não compreendem, de fato, o sistema político de cooperação multipartidária.

No distrito de Putuo em Xangai, por exemplo, pelo menos a metade dos 57 novos recrutados para partidos não comunistas pesquisados disseram que precisaram de treinamento teórico sobre a política chinesa. Cerca de 60% disseram que desejavam saber mais sobre o desenvolvimento econômico da China, através do partido ao qual se alistaram, conforme dados obtidos em pesquisa de 2011, conduzida pelo governo local.

“Atualmente, com tantos partidos democráticos disputando os mais talentosos, aprender a falar e atrair os jovens é tarefa prioritária” – disse Wang.
 

14/3/2013, Lin Meilian, Global Times, China
“Non-Communist parties try to remain relevant”
Traduzido pelo coletivo Vila Vudu