Roberto César Cunha é geógrafo pela UFMA

Longe de ser como as teses e dissertações que abarrotam as bibliotecas acadêmicas sobre micro-história (sic), micro-tempo (sic), a narrativa cultural de qualquer tribo aborígene com seus rituais da idade média (sic), aqui trataremos sobre processo do desenvolvimento histórico. Alerto que o sarneysismo é uma contradição nesse processo (não uma bruxaria medieval), e o Maranhão, com ou sem Sarney, estaria em atraso econômico devido à paralisia das forças produtivas. São notas de inquietações e não um esboço teórico. Pois “não é fácil e pacífica a caracterização do processo do desenvolvimento econômico. Trata-se, como em todo fato histórico, de processo extremamente complexo, ao longo do qual tudo muda na vida social: a distribuição da população, as condições de trabalho e a produção, a distribuição da riqueza social e seu modo de apropriação, a quantidade e a qualidade do capital necessário ao processo produtivo, a técnica da produção. Paralelamente, muda também a cultura, isto é, a ideia que o homem faz de si mesmo e do mundo em que vive.” Ignácio Rangel.¹
Maranhão ontem e hoje
O Maranhão em outrora foi um dos estados mais ricos do Brasil. Mesmo com um não raro isolamento com o restante do país. Vivia intensamente o comércio com a coroa ibérica. “Pensava mais com a cabeça de Coimbra e de Paris, do que do Rio de Janeiro. Não por acaso, era a Atenas Brasileira”. No século XIX passou pelo período de ouro em sua economia.
Forjou-se um parque industrial de maior estatura, que segundo o maior intelectual brasileiro e maranhense Ignácio Rangel, viu-se “um desenvolvimento singular da indústria da transformação, especialmente em São Luís. Com 16 fábricas, o Maranhão era o segundo parque industrial brasileiro, aí por 1895. Seguindo-se a Minas Gerais, com 37 fábricas e acima da capital Federal e ao Estado do Rio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo que, nessa ordem tinham 15, 14, 12 e 10 fábricas, somente. Além das fábricas de fiação e tecelagem, inclusive de lã, meias e cânhamo, tínhamos tido até fábricas de fósforos e pregos, raros no Brasil de então.” Era a época do baldrame do departamento I de nossa economia.
Depois da revolução de 1930 ocorrida no Brasil, o país sai decididamente dos porões arcaicos do feudalismo e entra definitivamente na luz do capitalismo. Entre os anos de 1930 e 1980 nossa produção industrial cresceu cerca de vinte setes vezes, maior do que qualquer país capitalista do centro dinâmico da economia mundial.  Exemplo disso foi que no período de 1955 a 1980, a produção de eletricidade cresceu 13,6 vezes, enquanto a média mundial era 7,5 vezes. A produção de aço no Brasil cresceu nesse mesmo período 13,1 vezes e no mundo, apenas 3,2 vezes. A produção de cimento alargou-se 9,2 vezes e a mundial 4,6 (Rangel).
Se compararmos o nosso PIB com os países o de centro dinâmico mundial no mesmo período, observamos que ele cresceu 6,2 vezes e na média mundial 3,1 vezes (Rangel). Além disso, chegou à época da agricultura científica. Da nova composição das técnicas, avanços faraônicos da química e das biotecnologias. Em 1972, é criada a EMBRAPA. As pesquisas científicas avançaram para atender as novas exigências de quantidade e qualidade. Nos anos seguintes, a EMBRAPA cria centros de pesquisas em diversas regiões aproveitando suas peculiaridades locais (Ex: Brasília – sede e biotecnologia; Campo de Grande – gado de corte; Manaus, Rio Branco, Macapá, Porto Velho, Belém e Boa vista – projetos agroflorestais; em Londrina um poderoso centro de estudos da soja). A produção tem aumento exponencial. Com esse aumento extremado da produção, fez-se necessário a construção de diversas infraestruturas de circulação para contribuir com a distribuição e articulação das regiões do imenso país emergente.
A extensão da malha rodoviária no período entre 1952 e1995 aumentou pouco mais de 302 mil quilômetros para mais de 1,6 milhões de quilômetros (Milton Santos)². Por diversos motivos que aqui agora é desinteressante, essa evolução histórica da produção, produtividade e de infraestrutura centraliza-se, na chamada por Milton Santos, “região concentrada” (São Paulo, RJ, ES, MG, PR, SC e RS) onde possuía 814,9 quilômetros de estrada por mil quilômetros quadrado em 1995. Quando na Região Norte nessa mesma unidade ficou com apenas 37,7 e o consumo de eletricidade na Região Sudeste registrou no mesmo período 60,5% do total do país (Milton Santos).
O aumento da produção e o acesso a essas infraestruturas foram com requintes de rarefação no Maranhão. Os índices, indicadores, estudos e pesquisas demonstram no concreto como o Maranhão se enveredou, em menos de um século, em pleno vapor em um desfiladeiro econômico e se transformou na “Terra do já Teve”. Segundo pesquisa da FECOMÉRCIO-SP³ baseado em dados do IBGE 2010, o Maranhão ficou em ultimo lugar em todos o índices analisados. De acordo com o método da pesquisa, numa escala de 0 a 100, o índice econômico foi 27,8 e o social foi de impressionantes 2,8.
Os números do censo agropecuário de 20064 também alardeia a situação. O estado do Maranhão possui a maior população rural do país em números percentuais, de quase 40%. Possui 287039 estabelecimentos rurais, onde 89,9% dos responsáveis não tem sequer o 1°grau de escolaridade completo. E 86,2% dos estabelecimentos rurais, única forma de prática agrícola, são primitivas e arcaicas queimadas. Só há 6045 unidades de tratores agrícolas e apenas 4,3% alguma orientação técnica.
Já no censo 2010 do IBGE5 quando observamos a qualidade do ambiente doméstico, ou seja, se existem as condições mínimas de salubridade para uma vivencia satisfatória, implacavelmente 80,7% dos domicílios maranhenses não são considerados adequados para a vida digna de um ser humano. Em relação à renda per capita nominal, o vergonhoso índice nos dita que 20,6% da população vive na pobreza extremada, sobrevive com até R$ 70,00 por mês. A renda familiar chega à irrisória quantia de R$ 319 em média em todo o estado. Essas duas taxas jazem na última colocação no ranking nacional.
Como esses números, as forças produtivas e a produção não admitem nenhum tipo de divisão do trabalho, nenhuma ciência, nenhuma multiplicidade de desenvolvimento e talento, não há relações sociais, economia e cultura com outras classes. Não gera comunicação e organização política, não gera classe alguma. Sabemos que o processo técnico, indústria moderna estão intrínsecas nas relações sociais de produção e que a tecnologia no capitalismo reproduz as relações de exploração.
O erro de concepção de processo histórico
Hoje no país grande parte da esquerda retificada, intelectuais (que não passam de galanteadores) e revolucionários de boutique fazem interpretações digna da mais fieis escolas dos fatalistas, humanistas e filantropos. Baseando-se na igualdade, justiça social, direitos humanos e no puro ascetismo judaico-cristão. Essas análises ditas da realidade, não passa de rito proudhoniano, que Marx desmascarou ainda na metade primeira do século XIX em seu pequeno grande livro Miséria da Filosofia.
Essas interpretações são antes de qualquer coisa a negação do antagonismo classista, a equivalência de todos os trabalhadores em burgueses, a busca obstinada por uma sobreposição de categorias do movimento dialético.
Posição, oposição e composição ou tese, antítese e síntese quando uma delas negada, a dialética deixa de ser dialética e o movimento deixa de ser hegeliano. Essa sobreposição de transforma a prática do movimento real em peleja do bom-bem contra o mau-mal. Um sendo o antídoto do outro. Como o herói belerofonte com seu cavalo alado Pégaso eliminou o mostro hibrido Quimera.
Segundo Marx quando isso ocorre isto é moral completamente pura. Lênin, nos Cadernos Filosóficos6, também comunga do mesmo pensamento e concorda que a negação vazia é um vilipêndio da própria dialética. “É muito importante para o entendimento da dialética. Não é a negação vazia, a negação inútil, a negação cética, a vacilação e a dúvida, que é característica e essencial na dialética – que sem dúvida contem o elemento de negação – mas sim a negação como um elemento de ligação, como um momento de desenvolvimento, que conserva o positivo.” O sarneysismo e o anti-sarneysismo é um exemplo dessa cruzada do bem contra o mal. Não é mais que simbolismo da incompreensão da origem das relações sociais de produção e da formação econômica e social. O mainstream político fala abertamente que isso se reduz o antagonismo de classe no Maranhão e que essa é a tradição. E tradições só são tradições por conservar o que já existe. Como diz Plekhanov: “a força da tradição é a inercia.”.
Essa luta obsessiva contra o sarneysismo só terá validade quando os velhos costumes forem decifrados e os novos costumes forem codificados. Por hora os anti-sarneysistas não passam de amáveis diletantes. Receptáculos da verdade absoluta. Para as oposições do Maranhão o processo histórico e as categorias marxistas: modo de produção e formação social; forças produtivas e relações de produção; base econômica e superestrutura são o mero apartheid do joio do trigo.
Negam a coexistência dos contrários, das lutas sociais e sua junção numa categoria nova. Se negarmos o “lado mal”, o sarneysismo, eliminaremos o processo de formação social e a histórica se tornará parcializada. Esquecem que antes do sarneysismo houve o vitorinismo e o beneditismo que também oligarquizaram o estado em tempo passado. Explicitamente pedem a morte do Sarney e com isso o atraso e as misérias também iram na urna funerária. Se o Sarney tivesse morrido criança o Maranhão seria livre dos atuais índices de pobreza? Claro que não. Se Robespierre fosse um natimorto existiria a revolução francesa? Claro que haveria.
Um exemplo cabal disso é a formação econômica e social do Brasil decifrada por Ignácio Rangel na sua seminal obra Dualidade Básica da Economia Brasileira. Onde a independência foi feita pela própria matriz, a república foi proclamada por monarquistas e a industrialização foi iniciada por latifundiários. A evidência de Hegel é clara: “a razão humana não cria verdade. Apenas pode desvendar”.
Como todo marxista sabe, ou deveria saber, que as relações de produção e a infraestrutura dá origem à superestrutura, ou seja, não se quebra superestrutura com teoria do espontaneísmo, subjetividade, intuição, sentimentalismo, experiência, simbolismo, vilipêndio da contradição, satanismo, fulanização mais sim com base econômica forte, com indústria moderna e tecnologia avançada.
Em O capital I, XIII, Marx deixa claro: “a indústria moderna nunca considera como definitiva forma existente e um processo. A base técnica dessa indústria era revolucionária. Ao passo que todos os modos de produção anteriores são conservadores”. E é por isso que sabemos que o socialismo será a sociedade mais evoluída tecnologicamente, tanto em progresso técnico como em desenvolvimento pleno das potencialidades humanas.
A filosofia do materialismo histórico não deve ser considerada como uma fórmula matemática para revelar o desenvolvimento histórico de uma sociedade. Não adianta, com Sarney, sem Sarney, se não soubermos aproveitar o potencial natural existente e isso só se faz com a superioridade humana sobre as forças da natureza, ou seja, o avanço da ciência.
O progresso técnico carrega em si os elementos culturais, políticos, religiosos, econômicos forjados da existência social. E as transformações econômicas e sócias que culminaram no capitalismo foram crucias para a mutabilidade de ideias. Precisamos conhecer para ter controle. É preciso saber a fundo a etiologia das categorias marxistas, pois é a própria estratégia de sobrevivência da humanidade.
Qualquer tentativa de análise tendo o sarneysismo como destaque desse conjunto, será apenas perda de tempo fora do domínio da economia política. Definitivamente é uma burrice inocente do que uma escamoteação maliciosa. Um olímpico desprezo ao contato orgânico com a teoria marxista-leninista. Não temos feito mais que cozer-nos lentamente molho do atraso. Como diz Lenin: “Cruzar-se sobre peito vazio, as mãos inúteis”.
A força desaproveitada
A dor da força desaproveitada
O Cantochão dos dínamos profundos
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda da estática do nada!
Augustos dos Anjos

Para entender o Maranhão é preciso entender o xadrez chamado Brasil. O Maranhão é apenas um peão, um anel dessa corrente, que é intimamente ligada a todo encadeamento de relações econômicas e sociais internas e externas correspondente ao modo de produção e sua formação social brasileira.
Urge uma mudança abrupta de atitude do staff técnico e político para uma performance científica. Como diz Ignácio Rangel “não é fácil essa atitude, tanto mais quanto ela se choca com rotinas estabelecidas e com teorias que, refletindo um estado de coisas pretérito, condicionaram a formação de novos quadros e levaram os mais antigos a uma elevada medida de comprometimento pessoal”.
Somos sabedores que o Brasil e o Maranhão carecem muito em termos de economia avançada, pois sempre vivemos de paliativos esparadrapos, ou seja, sem plano de nação. O Maranhão é uma parte inseparável do Brasil, não é um estado independente. Todos os interesses do estado devem ser subordinados aos interesses do País, pois é do desenvolvimento econômico e social nacional que tudo depende.
Um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento é emergencial. Tem que o papel fundamental na criação de novas localizações industriais com base em tecnologias de ponta. Exemplo disso foram investimentos gigantescos dos militares nos USA que surgiu o vale do silício na Califórnia e a Route 128 em Boston.
O Maranhão tem possibilidades homéricas de se desenvolver aproveitando seu arsenal de dádivas que possui. Primeiro passo é assegurar a máxima utilização possível do potencial instalado e não instalado.  A base de Alcântara transformá-la em um centro de produção aeroespacial, um tecnopólo baseado em tecnologia de ponta em eletroeletrônica e informática. Tornar o vale do Itaperucu-Munin no polo da indústria pesqueira, com rota de saída da baia de São José. Fazer do vale do Pindaré-Mearim e a baixada maranhense e o Sul em grandes polos de agronegócios do nordeste. Aproveitar o complexo portuário do Itaqui como zona de processamento de exportações (ZPE) em conjunto de uma zona franca para o mercado interno e externo. Isso com investimentos grossos em infraestrutura (rodovias e ferrovias, viadutos e pontes, aerovias e hidrovias). Os recursos viriam de créditos e concessões e parcerias. Criar um novo Banco do estado.
Desenvolver a indústria do turismo, ainda incipiente localizada basicamente em São Luís e Barreirinhas e Chapada das Mesas no sul do estado. Sem partir de premissas erradas como turismo é diversão. Turismo é consumo. E consumo é a ultima fase do ciclo econômico. São Luís tem apenas 2000 leitos de hotel, possui uma única entrada para o continente e 12 dúzia de voos diários para São Paulo. UFMA, IFMA e UEMA serem os grandes desenvolvedores de pesquisas, de quadros técnicos de ponta. “Ora, somente pensando GRANDE, podemos formar juízo sobre as perspectivas que estão abertas para o nosso Maranhão”.

Notas
1 – Todas as citações de Ignácio Rangel. In, Obras Reunidas de Ignácio Rangel. Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 2005.
2 – Todas as citações de Milton Santos, In, SANTOS, Milton. O Brasil: Território e Sociedade no Início do século XXI. 16 ed, Record. Rio de Janeiro, 2012;
3 – Pesquisa FECOMERCIO-SP. Disponível em: http://www.fecomercio.com.br/arquivos/arquivo/Indice_de_criatividade_das_cidades_a2z5yaaaaa.pdf
4- Censo agropecuário IBGE 2006. Segunda apuração. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Agropecuario_2006/Segunda_Apuracao/tabelas_pdf/tab_1_1.pdf
5 – Censo IBGE 2010. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
6- LÊNIN, V. I. Cadernos Filosóficos. In: Obras Escolhidas. Tomo VI. Lisboa/Moscou: Edições avante!/Edições Progresso, 1989.