Eles já não necessitarão da famosa “Tarjeta Blanca” (Cartão branco), permissão de saída outorgada pelas autoridades a um custo de 150 dólares. Do mesmo modo, já não fará falta ter uma “carta-convite” (200 dólares) de algum um estrangeiro para deixar o país. (1)

Para viajar ao exterior, os cubanos só precisarão de um passaporte (válido por seis anos) ao preço de 100 pesos cubanos (4€), de um visto no país de acolhida e, sem qualquer outra formalidade, dos recursos financeiros para descobrir o mundo durante dois anos em vez de 11 meses. Além deste prazo de 24 meses, as pessoas que desejarem aumentar sua estadia fora do território nacional poderão fazê-lo por meio de uma permissão concedida pelo consulado local. Também poderão voltar a Cuba e sair novamente de lá por um período similar, renovável indefinidamente. (2)

Uma política migratória vinculada aos EUA

Ao contrário de uma ideia preconcebida, não foi o governo revolucionário que instaurou a obrigatoriedade da permissão de saída do território, em 1959. De fato, como lembra Max Lesnik, diretor da Rádio Miami, a permissão remonta a 1954 e foi elaborada pelo regime militar de Fulgencio Batista. Essa disposição foi mantida com a chegada de Fidel Castro ao poder para limitar, entre outros, a fuga de cérebros. (3)

Com efeito, com o triunfo da Revolução, os Estados Unidos utilizaram o fenômeno migratório como ferramenta para desestabilizar Cuba, acolhendo, em um primeiro momento, os criminosos e políticos corruptos do antigo regime, mas também favorecendo a fuga de cérebros. Assim, em 1959, Cuba tinha 6.286 médicos. Deles, três mil escolheram abandonar o país para ir aos Estados Unidos, atraídos pelas oportunidades profissionais que Washington oferecia. Em nome da guerra política e ideológica que a opunham ao governo de Fidel Castro, a administração Eisenhower decidiu esvaziar a nação de seu capital humano, até criar uma grave crise sanitária. (4)

A esse respeito, as pessoas altamente qualificadas e candidatas à emigração terão de obter uma autorização por parte das autoridades migratórias. O Decreto-Lei 302 prevê esse tipo de restrição para “preservar a força de trabalho qualificada para o desenvolvimento econômico, social e técnico-científico do país, assim como para a segurança e proteção da informação oficial”. (5)

Isso diz respeito particularmente aos médicos. De fato, desde 2006, o Programa Médico Cubano (CMPP), que a administração Bush estabeleceu e Barack Obama mantém, destina-se a incitar os médicos cubanos em missão no exterior a abandonar seu posto, oferecendo-lhes a perspectiva de exercer sua profissão nos Estados Unidos, privando a ilha de um valioso capital humano. (6) Até hoje, várias centenas de médicos cubanos, instalados na Venezuela, se deixaram seduzir pela oferta. (7)

Essa política faz parte da guerra econômica que os Estados Unidos praticam contra Cuba desde 1960, com a imposição de sanções extremamente severas – retroativas e extraterritoriais, ou seja, contrárias ao direito internacional – que afetam todas as categorias da sociedade cubana, particularmente as mais vulneráveis, as crianças, as mulheres, os idosos. Com efeito, os serviços médicos que os doutores cubanos realizam fora das fronteiras nacionais constituem a primeira fonte de renda da nação, antes do turismo, das remessas que a comunidade cubana radicada no exterior envia ou do níquel. (8)

Do lado dos Estados Unidos, o Departamento de Estado não deixou de criticar as restrições impostas aos profissionais da saúde, para contrariar a política norte-americana destinada a privar Cuba de seus melhores elementos, em nome do conflito que opõe as duas nações desde mais de meio século. Victorial Nuland, porta-voz da diplomacia norte-americana, reagiu a respeito: “Devemos destacar que o governo cubano não levantou as medidas atualmente em vigor para preservar o que qualifica como ‘capital humano’ criado pela Revolução”, lembrou. (9)

Do mesmo modo, Victorial declarou que a política migratória dos Estados Unidos em relação a Cuba não mudaria e que a lei de Ajuste Cubano seria mantida, mas pediu que os cubanos “não arrisquem sua vida” cruzando ilegalmente o estreito da Flórida. (10) No entanto, Victorial não escapa da contradição. Segundo essa legislação, única no mundo, que o Congresso norte-americano adotou em 2 de dezembro de 1966, todo cubano que entrar legal ou ilegalmente, pacífica ou violentamente, nos Estados Unidos depois de 1º de janeiro de 1959 consegue, automaticamente, ao final de um ano, o status de residente permanente e diversas ajudas sociais. (11)

Esta lei, que Havana denuncia, constitui uma formidável ferramenta de incitação à emigração dos cubanos e priva o país de uma parte de sua população ativa e qualificada. Ao mesmo tempo, obriga os cubanos a arriscarem suas vidas cruzando ilegalmente o estreito da Flórida. Em vez de outorgar um visto a todo candidato à emigração, o que responderia plenamente à filosofia da Lei de Ajuste Cubano, os Estados Unidos limitam seu número a 20 mil por ano, conforme os acordos assinados com Havana em 1994. (12) Ao mesmo tempo, Washington se nega a suspender a Lei de Ajuste Cubano, que permite aos cubanos se instalarem definitivamente nos Estados Unidos sem necessidade de visto.

Uma nova era para os cubanos

A reforma da política migratória oferece aos cubanos uma maior liberdade para viajar ao exterior, ainda que, entre o ano 2000 e 31 de agosto de 2012, de um total de 941.953 pedidos de permissão de saída do território cubano, 99,4% ficaram satisfeitos. Somente 0,6% das pessoas não conseguiram essa autorização. Do mesmo modo, não existe uma propensão particular dos cubanos para emigrar. A imensa maioria de cubanos que viaja ao exterior escolhe voltar ao país. Assim, das 941.953 pessoas que saíram do território nacional, apenas 12,8% escolheram se estabelecer no exterior, contra os 87,2% que voltaram a Cuba. (13)

De um lado, também será mais fácil para os cubanos voltar a seu país de origem. Com efeito, será suprimida a permissão de entrada, adotada em 1961 por razões de segurança nacional, em uma época em que os exilados cubanos, sob controle da CIA, multiplicavam os atos de terrorismo e de sabotagem na ilha, e quando a imensa maioria dos candidatos a viagem eram motivados por razões políticas. (14)

Atualmente, a maioria dos cubanos que vive no exterior não é composta por exilados hostis, mas emigrantes chamados econômicos, que aspiram relações normais e apaziguadas com seu país de origem. Eles também podem voltar à ilha quantas vezes quiserem, como era o caso, mas agora economizarão trâmites burocráticos obsoletos.

Por outro lado, a única categoria de cubanos que não estava autorizada a regressar a seu país de origem – os chamados “balseros”, que abandonaram o território nacional no início dos anos 1990, em pleno “Período Especial”, etapa que seguiu ao desaparecimento da União Soviética e que esteve marcada por graves dificuldades econômicas em Cuba, em um contexto de endurecimento da hostilidade dos Estados Unidos – poderão voltar à ilha. Também poderão voltar os médicos e atletas de alto nível que escolheram abandonar o país durante uma estada no exterior. Em janeiro de 2013, expirarão os últimos obstáculos administrativos que impedem a volta desses emigrantes. (15)

A reforma migratória cubana, que entrará em vigor em 14 de fevereiro de 2013, responde a uma aspiração nacional dos cubanos, que desejam edificar uma sociedade mais aberta, com menos restrições, e dispor de uma maior liberdade para viajar. Faz parte do processo de profundas mudanças econômicas iniciadas em 2012, que dão aos cubanos a possibilidade de serem donos de seus próprios negócios. De fato, muitos cubanos desejam emigrar temporariamente ao exterior, renuir fundos necessários e voltar a Cuba para estabelecer um pequeno negócio. Desde 2010, a cada ano, cerca de mil cubanos instalados fora do país escolhem voltar à ilha e se estabelecer nela de modo definitivo. A nova política migratória põe fim aos obstáculos burocráticos inúteis e permite normalizar pouco a pouco as relações entre a nação cubana e sua emigração. (16)

*Salim Lamrani é doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, é professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos.

Referências bibliográficas

(1) Decreto-Lei n°302, 16 de outubro de 2012. (site consultado em 21 de outubro de 2012
(2) Ibid. Direção de Imigração e Assuntos Estrangeiros, “Informação útil sobre trâmites migratórios”. Ministerio do Interior da República de Cuba, outubro de 2012.
(3) Max Lesnik, “Adeus à ‘Tarjeta Blanca’”, Radio Miami, 16 outubro de 2012.
(4) Elizabeth Newhouse, “Medicina de Desastre: Médicos estadunidenses examinam a perspectiva cubana», Centro para Política Internacional, 9 de julho de 2012. (site consultado em 18 de julho de 2012).
(5) Decreto-Lei n°302, op. cit.
(6) Departamento de Estado dos Estados Unidos, “Cuban Medical Professional Parole Program” (CMPP), 26 de janeiro de 2009. (site consultado em 21 de outubro de 2012).
(7) Andrés Martínez Casares, «Cuba assume papel de liderança na luta contra o Cólera no Haiti», The New York Times, 7 de novembro de 2011.
(8) Salim Lamrani, Estado de sítio. As sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba. Paris, Editions Estrella, 2011.
(9) Agência France Presse, “EUA parabenizam flexibilização da política migratória em Cuba”, 16 de outubro de 2012.
(10) Juan O. Tamayo, «Cuba muda as regras migratórias e elimina a permissão de saída», El Nuevo Herald, 16 de octubre de 2012
(11) Departamento de Estado dos Estados Unidos. “Lei de Ajuste Cubano”, 2 de novembro de 1966. (site consultado em 21 de outubro de 2012).
(12) Ruth Ellen Wasen, «Migração cubana aos Estados Unidos: diplomacia e tendências», United States Congress, 2 de junho de 2009. (site consultado em 21 de outubro de 2012).
(13) Cuba Debate, “Cuba continuará apostando em uma emigração legal, ordenada e segura”, 25 outubro de 2012.
(14) Decreto-Ley n°302, op. cit.
(15) Max Lesnik, “E os ‘Balseros’, o quê?”, Radio Miami, 16 de outubro de 2012; Cuba Debate, “Cuba continuará apostando em uma emigração legal, ordenada e segura », 25 de outubro de 2012.
(16) Fernando Ravsberg, “Finalmente chega a reforma migratória”, BBC Mundo, 18 de outubro de 2012.

Fonte: Opera Mundi