Sua história econômica, entretanto, não parece confirmar este pessimismo, porque apesar de suas grandes crises e depressões cíclicas, no longo prazo, o desenvolvimento argentino foi bem sucedido, do ponto de vista dos indicadores clássicos utilizados pelos economistas, mesmo depois dos anos 30.

Como nos Estados Unidos, Alemanha e Japão, a Argentina também viveu uma extraordinária transformação econômica e social, entre 1870 e 1920. Foi sua “idade de ouro”, porque, em 40 anos, seu território mais que triplicou; sua população multiplicou por cinco; sua rede ferroviária passou de 500 para 31100 km; e seu PIB cresceu à uma taxa média anual de cerca de 6% ( talvez a maior do mundo, no período), enquanto sua renda per capita crescia à uma taxa média de 3,8%. Como resultado, no início do século XX, a Argentina estava entre os sete países mais ricos do mundo, e sua renda per capita era quatro vezes maior que a dos brasileiros, e o dobro da dos norte-americanos.

Neste período, seu crescimento econômico foi liderado pela exportação de bens primários, mas se deu também na indústria, e contou com os investimento na construção da rede ferroviária que integrou o seu mercado nacional, antes do fim do século XIX. Ao redor de 64% da sua população trabalhava na indústria, comercio ou setor de serviços, e 1/3 dos argentinos viviam em Buenos Aires, uma cidade com alto nível educacional e cultural. Ou seja, na altura da 1º Guerra Mundial, a Argentina era o país mais rico do continente latino-americano e tinha todas as condições para se transformar na sua potência hegemônica, e talvez, numa potência econômica mundial. Mas não foi isto que aconteceu, sobretudo depois de 1930, apesar de que sua economia tenha seguido crescendo e se industrializando, e que sua sociedade tenha seguido enriquecendo e melhorando sua qualidade de vida. Mesmo depois da II Guerra Mundial, a economia argentina cresceu a uma taxa média de 3,78%, entre 1950 e 1973; e de 2,06%, entre 1973 e 1998.

Depois de 1930, entretanto, seu crescimento se deu de forma cada vez mais instável, através de ciclos cada vez mais curtos e intensos. Raul Prebish atribuiu esta inflexão às mudanças internacionais, e à forma em que operava o novo “centro cíclico” da economia mundial, os EUA, somado à fragilidade industrial endógena das economias “primário-exportadoras”. Mais tarde, os ortodoxos e neoliberais atribuíram a culpa desta mudança de rumo argentina às políticas econômicas populistas do governo Juan Domingos Perón, apesar de que Perón só tenha governado, entre 1945 e 1955, e entre 1973 e 1974.

Existe, entretanto, outra maneira de olhar para a história da Argentina, entre a Revolução de 25 de Maio de 1810, e a destituição do presidente Hipólito Yrigoyen, no dia 6 de setembro de1930, início do que os argentinos chamam de sua “década infame”. Depois da Guerra da Independência (1810 e 1816), a Argentina viveu meio século de guerra civil quase permanente, até a assinatura da Constituição de 1853, que criou o Estado Nacional da Argentina.

Mesmo contra a resistência de Buenos Aires, que só se submeteu definitivamente em 1862. Depois disto, a Argentina participou da Guerra do Paraguay, entre 1864 e 1870, e logo em seguida o estado argentino iniciou suas guerras de “Conquista do Deserto”, que duraram toda a década de 1870. A conquista militar do “oeste argentino” permitiu a expansão/ocupação econômica contínua de novos territórios, até o fim da década de 1920. Por isto, se pode dizer que o estado “liberal” argentino nasceu de uma guerra civil que durou meio século, e se consolidou através de uma estratégia expansiva de ocupação de novos territórios que durou mais meio século, e foi financiada pelo sucesso do seu “modelo primário-exportador”. E foi exatamente no fim desta expansão que estalou a crise política responsável pela desorganização periódica do estado e pela polarização definitiva da sociedade argentina.

Durante a “década de infame”, seus vários governos praticaram políticas econômicas keynesianas e chegaram mesmo a iniciar um ambicioso programa de industrialização, idealizado pelo próprio Raul Prebish. O que lhes faltou, entretanto, foi uma nova estratégia expansiva e de longo prazo, e um grupo capaz de transformar a economia argentina num instrumento de sua própria acumulação de poder internacional. Fica a pergunta: isto teria sido possível, num país situado fora do espaço eurasiano, e do Atlântico Norte? Pelo menos, os “dependentistas” e os “neoliberais” consideram que não.


*José Luis Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ e coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”.