De fato, não obstante existissem condições objetivas e subjetivas para as sublevações que ocorreram e ocorrem, nos países árabes, o cartel das potências industriais do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos e seus sócios da União Europeia, armou uma equação, com ampla dimensão econômica, geopolítica e geoestratégica, sobretudo por trás das sublevações na Líbia e na Síria, iniciadas em 2011.

Os Estados Unidos e demais potências ocidentais pretendem assumir o controle do Mediterrâneo e isolar politicamente o Irã, aliado da Síria, bem como restringir a influência da Rússia e da China no Oriente Médio.

A Rússia, desde 1971, opera o porto de Tartus, na Síria, e projeta reformá-lo e ampliá-lo, como base naval, em 2012, de modo que possa receber grandes navios de guerra, garantindo sua presença no Mediterrâneo. Consta que a Rússia também planeja instalar bases navais na Líbia e no Iêmen. E o financiamento da oposição, na Síria, desde 2005, visou a desestabilizar e derrubar o regime de Bashar al-Assad, que representa um obstáculo, a fim de impedir o aprofundamento, no âmbito naval, de suas relações com a Rússia.

A queda do regime de Bashar al-Assad, após a derrubada de Muammar al-Gaddafi, na Líbia, pelas forças da OTAN, permitiria, portanto, suprimir a presença da Rússia, na Síria, onde ela mantém duas bases navais (Tartus e Latakia); cortar as vias de suprimento de armas para as organizações pró-xiitas Hezbollah, no Líbano, e Hamas, na Palestina; conter o avanço da China sobre as fontes de petróleo; isolar completamente e estrangular o Irã, com a consequente eliminação do governo islâmico (xiita) de Mahmoud Ahmadinejad.

O resultado da equação, ao mudar completamente o equilíbrio de forças no Oriente Médio, seria o estabelecimento pelos Estados Unidos e seus sócios da União Européia da full-spectrum dominance, i. é, o pleno domínio territorial, marítimo, aéreo e espacial, bem como apossar-se de todos ativos do Mediterrâneo.

O objetivo de controlar o Mediterrâneo Washington e Madri manifestaram abertamente com o acordo, anunciado em 5 de outubro 2011 pelo qual a base naval de Rota (Cádiz), na Espanha, devia albergar quatro destróieres, equipados com antimísseis (BMD) da Marinha dos Estados Unidos e operados por 1.100 militares e 100 civis, como um sistema de defesa da OTAN, a pretexto de prevenir ataques de mísseis balísticos do Irã e da Coréia do Norte, e será acompanhado por outros sistemas, na Romênia, Polônia e Turquia. E a derrubada do regime de Assad é fundamental para o êxito da equação.

Os aliados ocidentais sabem que não podem aplicar à Síria a mesma estratégia da Líbia, através da OTAN, extrapolando, criminosamente, a resolução do Conselho de Segurança da ONU.

O apoio à sublevação na Síria e o sistema antimísseis, implantado a partir da Espanha, indicam que o alvo é, realmente, a Rússia, ainda percebida pelos Estados Unidos como seu grande rival, razão pela qual Moscou e Pequim vetaram a resolução do Conselho de Segurança contra o regime de Bashar al-Assad. Sua derrubada, após a de Muammar al-Gaddafi, completaria o controle do Mediterrâneo… Se os fundamentalistas islâmicos Jihad (Jamaat al-Jihad), a Guerra Santa, não capturarem os governos na Síria e como, virtualmente, já o fizeram na Líbia e é muito possível que ainda o consigam no Egito. [2]

A questão do petróleo

A insurgência na Síria envolve interesses de diferentes matizes, tanto políticos quanto religiosos, de países da região (Turquia, Arábia Saudita e Qatar). Contudo, tudo indica que a conquista das fontes de energia no Mediterrâneo seja um dos principais motivos pelos quais os Estados Unidos e seus aliados da União Européia estejam a encorajar, abertamente, a mudança do regime (regime change) de Bashar al-Assad.

Embora a produção de petróleo, na Síria, seja modesta, da ordem de 530.000 barris p.d., não se pode descartar, inter alia, esse fator como rationale da sangrenta resistência, concentrada na cidade de Homs.

É preciso considerar todos os fatores que estão determinando o apoio à insurgência que o Ocidente, através de diversos mecanismos, inclusive com a guerra psicológica através da mídia internacional, e em aliança com as monarquias absolutistas do Oriente Médio.

As reservas de petróleo na Síria são estimadas em 2,5 bilhões de barris, de acordo com o The Oil and Gas Journal (1º de janeiro de 2010), situadas principalmente na parte oriental do país, próxima à fronteira com o Iraque, ao longo do Eufrates, havendo apenas um pequeno número de campos, na região central.

Sua localização é estratégica em termos de segurança e de rota de transporte de energia, cuja integração se esperava aumentar com a inauguração, em 2008, do Arab Gas Pipeline, e a inclusão no gasoduto da Turquia, Iraque e Irã. E a Síria construiu um sistema de oleodutos e gasodutos, controlados pela empresa estatal Syrian Company for Oil Transportation (SCOT), a fim de transportar óleo cru e refinado para os portos Baniyas, situado 55 km ao sul de Latakia e 34 km ao norte de Tartus, onde se encontram as duas bases navais da Rússia.

Em fevereiro de 2012, os terroristas da al-Qaeda atacaram e explodiram a maior refinaria de Síria, localizada em Bab Amro, distrito 7km a oeste do centro de Homs (também chamada Hims), [3] cidade em que se concentra a oposição ao regime de Assad.

Essa refinaria, com capacidade de transportar 250.000 barris (bpd), liga, através de um oleoduto inaugurado em 2010, os campos de petróleo, no leste da Síria, à estação de Tel Adas e ao porto de Tartus.

A exploração do petróleo estava a cargo da empresa General Petroleum Corporation (GPC), com o suporte da Syrian Petroleum Co., Gulfsands Petroleum Syria Ltd.. A Royal Dutch Shell e a China National Petroleum Corporation são sócias of GPC, através da “joint venture” Al-Furat Petroleum Co (AFPC).

O governo de Assad ainda planejava construir duas refinarias na Síria: a de Deir ez-Zour com capacidade de processar 100.000 bbl/d pela CNPC, em Abu Khashab, e a da cidade de Homs, com capacidade 140,000 bbl/d, a ser construída por um consorcio de companhias da Venezuela, Síria, Irã e Malásia. [4]

Os ativos da Bacia do Mediterrâneo

Contudo, se as reservas de petróleo na Síria, calculadas em 1 de janeiro de 2011, por The Oil and Gas Journal, contém, aparentemente, 2.5 bilhões de barris (400.000.000 m3), [5] o interesse das potências ocidentais, entre outros, aponta, sobretudo, para os ativos petrolíferos, no mar da região.

Segundo o Ministro do Petróleo e Recursos Naturais da Síria, Sufian Allaw, na Bacia do Mediterrâneo, os estudos científicos modernos indicaram a existência de enorme reserva de gás natural, calculada em 122 trilhões de pés cúbicos, e petróleo, da ordem de 107 bilhões de barris, ao longo da plataforma marítimo da Síria. [6]

Diversas companhias anunciaram recentemente que ali descobriram importantes reservas de gás e petróleo, mas a exploração é complicada devido às tensões entre os países da região. [7]

Essas reservas, em águas profundas, nas camadas sub-sal, a leste do Mediterrâneo, próxima à Bacia Levantina, [8] estendem-se ao longo dos 193 km da costa da Síria até o Líbano e Israel. [9]

Desde o ano de 2010, ou mesmo antes, já se estimava a existência de jazidas com 122 trilhões de pés cúbicos, de gás natural, localizadas na Bacia Levantina, no leste do Mediterrâneo, não descobertas e tecnicamente recuperáveis.

A partir de então, o Great Game, na região, [10] intensificou-se, dramaticamente, com a descoberta na zona econômica exclusiva de Israel, na Bacia Levantina, de gigantesca reserva de gás natural, por isto denominada Leviathan. [11]

Os geólogos da U.S. Geological Survey calculam que área, abrangendo o litoral Israel, Líbano e Síria, contém ainda reservas que podem ser recuperadas, com o uso das atuais tecnologias disponíveis. [12]

O Líbano questionou na ONU a exploração de tais reservas, dado que também se estendem à sua zona econômica exclusiva, mas Israel não está disposto a ceder sequer “uma polegada”, conforme declarou seu ministro do Exterior Avigdor Lieberman. [13]

A companhia petrolífera americana Nobler Energy, sediada em Houston, anunciou, em fevereiro de 2012, a descoberta em Tanin, 13 milhas ao noroeste do campo de Tamar, na plataforma maritíma de Israel, de outro campo de gás natural, prospectando uma profundidade de 18-212 pés, um depósito de aproximadamente 120 pés de gás natural espesso. De acordo com as estimativas U.S. Geological Survey (USGS) os depósitos de gás na Bacia Levantina são da ordem de aproximada de 3.5 trilhões de metros cúbicos.

As descobertas na zona econômica exclusiva de Israel, dos campos de Marie B, Gaza Marine, Y ½, Leviathan, Dalit e Tamar já somavam, em 2011, 800 bilhões de metros cúbicos de gás. [14]

A exploração do campo Leviathan I, em 2011, já havia alcançado 5.170 metros de profundidade, onde os depósitos de gás natural eram estimados em 16 trilhões de metros cúbicos, e devia ainda atingir 7.200 metros, onde existe uma reserva adicional de 250 milhões de metros cúbicos.

As grandes descobertas da Nobler Energy, que explora a zona econômica exclusiva de Israel, no Mediterrâneo, são estimadas entre 0.9 e 1,4 trilhão de pés cúbicos de gás. [15] E ao lado de tais reservas de gás, há a possibilidade da existência de 4.2 bilhões de barris de óleo.

Relevância da Síria no Mediterrâneo

As grandes reservas de óleo e gás, ao longo da Grécia, Turquia, Chipre, Síria, Líbano e Israel, são da maior importância geoeconômica, geopolítica e geoestratégica, uma vez que podem abastecer, diretamente, o Estados Unidos e União Européia, e evitar as ameaças de interrupção no Golfo Pérsico, por onde atualmente milhões de barris do hidrocarbonetos são transportados em navios-tanques e oleodutos.

A disputa dessas fontes de gás e óleo, na Bacia Levantina constitui, também, fator do litígio geopolítico entre a Turquia e a República de Chipre, bem como entre Israel e o Líbano, evidenciando o grau da relevância estratégica da Bacia Levantina, que se estende do mar da Líbia à Síria. [16]

Em 24 de março de 2011, o ministro do Petróleo e Recursos Minerais e a General Petroleum Corporation (GPC), empresas estatal da Síria, anunciaram a abertura de uma concorrência internacional para a exploração e produção de petróleo, oferecendo três blocos (I, II e III), cada um com 3,000 km2 em uma extensão total de 9038 Km2 , localizados offshore, na zona econômica da Síria, no Mar Mediterrâneo. [17]

O anúncio da concorrência excitou as empresas petrolíferas, ao abrir a perspectiva de acesso aos hidrocarbonetos, em uma área sub-explorada e considerada como a verdadeira fronteira da exploração de petróleo, no Mediterrâneo.

O centro desse projeto são 5.000 km de “long-offset multi-client 2D seismic data”, i. é, dados geológicos (coletados através de explosões que provocam ressonâncias sísmiscas, como uma espécie de pequeno terremoto controlado) adquiridos pela companhia francesa CGGVeritas, em 2005, [18] para exploração em águas profundas, entre 500 e 1,700 m.

A guerra na Síria constitui, portanto, um capítulo da guerra para enfraquecer o Irã e, mudando os regimes de Bashar al-Assad e, depois de Mahmoud Ahmadinejad, os Estados Unidos e aos seus aliados, inclusive Israel e Arábia Saudita, mudem o equilíbrio de poder, na região, e possam controlar toda a Bacia do Mediterrâneo.

Notas de rodapé

[1] Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político, professor titular de política exterior do Brasil na Universidade de Brasília (UnB), aposentado, e autor de mais de vinte obras, entre as quais Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque). Mora na Alemanha.

[2] Em 6 de outubro de 1981, o coronel Khalid Islambuli, conspirando com outros jihaditas, assassinou o presidente do Egito Muhammad Anwar al-Sadat, declarado infiel, por ter assinado o Tratado de Paz com Israel, em 1979, com o aval do presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter.

[3] Homs encontra-se a 450 m acima do nível do mar, a 160 km de Damasco e 190 km de Aleppo. Situa-se às margens do rio Orontes é o ponto onde as cidades do interior e a costa Mediterrâneo se interligam.

[4] Syria Oil Gas Profile . “A Barrel Full Oil & Gas Wiki » Country Oil & Gas Profiles”. Syria Oil Gas Profile.

[5] U.S. Energy Information Administration (EIA).

[6] Allaw: “Syria’ oil fell between 20% and 25% because of the sanctions… No company withdraw” . Syrian & Oil Gaz News – al-Hayat.

[7] Eric Fox “The Mediterranean Sea Oil And Gas Boom” Sep 07, 2010 14:53 PM

[8] A Bacia Levantina, com enormes reservas, está situada na região oriental do Mediterrâneo entre o Chipre e o delta do Nilo e contém 10.000 de sedimentos mesozoicos e cenezoicos.

[9] “Oil and gas worldwide. Offshore oil treasures in eastern Mediterranean sea” – Neftgaz.RU – News

[10] “Natural Gas Potential Assessed in Eastern Mediterranean”. ScienceDaily (Apr. 8, 2010).

[11] A Bacia Levantina situa-se no Mar Mediterrâneo, entre a Ásia menor e o Egito.

[12] F. William Engdahl. “The New Mediterranean Oil And Gas Bonanza Part I – Israel’s Levant Basin – A New Geopolitical Curse?”. ASEA – RENSE.COM , F. William Engdahl é autor de Century of War – Anglo-American Oil Politics, 2-19-12.

[13] Ibid.

[14] Alain Bruneton, Elias Konafagos & Anthony E Foscolos. “Economic and Geopolitic Importance of Eastern Mediterranean Gas ffor Greece and the E.U. Enphasis on the Probable Natural Gas Deposit occurring in the Lybian Sea with the Exclusive Economic Zone of Greece”, in Oil Mineral Wealth.

[15] “Noble Energy Announces Another Significant Discovery in the Levant Basin Offshore Israel”.

[16] “Announcement For International Offshore Bid Round 2011” . Syrian Petroleum. Co.

[17] “Engineer Live”. 22.feb. 2nd February 2012.

[18] CGGVeritas é uma firma francesa de trabalho geofísico, formada pela fusão das empresas Compagnie Générale de Géophysique (CGG) e Veritas DGC Inc, em 2007. Sua atividade consiste na aquisição de áreas terrestres ou marítimas para monitorar as reservas, analisar e interpretar estudos eletromagnéticos.

 

Fonte: RedeCastorPhoto