Desde o começo de 1946, duas denúncias apresentadas percorriam a Justiça Eleitoral. Uma delas incluía numerosas publicações de jornais e de entrevistas pretendendo provar que o Partido era uma organização orientada pelo comunismo marxista-leninista internacional. As repostas de Prestes sobre uma hipotética e falaciosa guerra entre o Brasil e a União Soviética eram os principais argumentos. A outra afirmava que, logo depois de registrado, em 10 de novembro de 1945, o PCB havia passado a exercer ação nefasta insuflando luta de classes, greves, confusão e desordem.

O voto contrário do juiz Sá Filho, na sessão do TSE do dia 12 de abril de 1947, motivou intensos debates sobre os rumos daquela perseguição anticomunista. Onze dias depois, o procurador-geral da Justiça encarregado do caso, Temístocles Cavalcanti, deu parecer sobre as petições dos denunciantes, farsas que partiram de dois desclassificados — como os definiu o líder da bancada comunista na Câmara dos Deputados, Maurício Grabois —, Himalaia Virgulino e Barreto Pinto. O primeiro, um ex-procurador do já extinto Tribunal de Segurança Nacional (TSN) do Estado Novo; o segundo, um deputado fanfarrão e exibicionista, que logo seria cassado por violação do decoro parlamentar ao ser fotografado pela revista O Cruzeiro em fraque e cueca.

O parecer concluiu que a denúncia não parecia bem fundamentada, não se justificando, portanto, a abertura de sindicância. O procurador-geral pediu o arquivamento das denúncias, mas, como se dizia na época, às vezes por trás da cruz escondiam-se artifícios do diabo. A instituição encarregada de ser a guardiã da justiça abandonou as obrigações para manobrar contra o PCB. O ardil veio na forma de rejeição do parecer do procurador-geral Temístocles Cavalcanti pelo TSE por três votos contra dois. Julgando-se impedido para continuar funcionando no caso, o procurador-geral passou-o ao desembargador Alceu Barbedo.

Libelo contra o anticomunismo

A devassa no PCB começou em maio de 1946. Vigiaram as atividades dos comunistas — principalmente dos dirigentes — na imprensa, nos sindicatos, nas manifestações e nas greves. O Tribunal Regional Eleitoral (TER) do Distrito Federal, responsável pelas investigações, enviou ao TSE seus resultados em setembro, com a observação de que as greves recentes não eram de responsabilidade exclusiva do PCB. Em 17 de janeiro de 1947, o Ministério da Justiça engrossou o cartapácio com documentos que tentavam provar a duplicidade de Estatutos do Partido, um legal e outro clandestino.

Alceu Barbedo acolheu a nova denúncia e em seu parecer enquadrou o PCB na categoria inconstitucional dos partidos “extremistas”. Alegou que a foice e o martelo representavam a divisa do movimento comunista internacional e que o fato de o cargo máximo ser “secretário-geral” pressupunha autoridade superior, logicamente estrangeira. De nada adiantaram as defesas do PCB, a decisão era política. Em 7 de maio de 1947, o registro do Partido Comunista do Brasil foi cancelado. 

Conforme explicou o advogado do PCB, Sinval Palmeira, em recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) — um libelo que percorreu as doutrinas jurídicas com leveza e erudição, com o título Liberdade de ser comunista, e, com argumentos arrasadores, reduziu a tese aprovada pelo TSE a pó —, não se deram sequer ao trabalho de examinar provas. “Data venia, não é assim que se exerce a grande e nobre função de julgar”, disse. Com contundência, Sinval Palmeira rebateu a ideia de que o PCB era uma organização estrangeira. “Na verdade, o pensamento humano não conhece fronteira. A democracia não é criação do Brasil, como o cristianismo, em cujo nome falam tantos fariseus, é uma doutrina estrangeira e foi combatida, de início, como revolucionária e subversiva, tal como ocorre ao ideal comunista no mundo da reação”, disse.

Discurso de Marighella

Uma das alegações que ele considerou mais inconsistente era o uso da foice e do martelo, que seriam símbolos soviéticos. “Já o usavam os camponeses alemães”, lembrou. O símbolo era universal, como a roda dentada usada pelos rotarianos, a espada e a balança pela justiça, a cobra pela medicina. Os historiadores encontrariam no futuro, ao analisar o processo, elementos de uma época, disse o advogado. “Tudo isto ficará quando já houverem passado os homens, atores dessa peça que, afinal, não foi muito bem ensaiada, chegando alguns dos protagonistas a sentirem distúrbios emotivos. Como advogado, defendemos o direito que julgamos líquido e sagrado. O Supremo Tribunal que faça justiça, pois este é seu mister”, afirmou. Não consta que o STF tenha cumprido o seu dever, como esperava Sinval Palmeira.

Não demorou muito para que a artilharia da direita mirasse os mandatos comunistas. O Partido Social Democrático (PSD) provocou o pronunciamento da Justiça Eleitoral sobre “o preenchimento das vagas” dos mandatos comunistas e, em 29 de julho de 1947, o TSE se pronunciou contra. Mas outro projeto, com a mesma finalidade, já havia pousado no Congresso Nacional pelas mãos do senador Ivo de Aquino.

Discursando em nome da bancada do PCB, o deputado Carlos Marighella comentou que contradição mais absurda não poderia existir: cancelou-se o registro do Partido Comunista do Brasil, mas os representantes comunistas no parlamento continuavam defendendo o mesmo programa apresentado para os seus eleitores. O problema em si merecia outros comentários, disse Marighella, não fosse o fechamento do PCB uma decisão meramente política do judiciário, sob a coação do executivo. E já Rui Barbosa dizia: “Justiça política equivale a justiça de partido, justiça de interesse, justiça de desforra, justiça de crueldade.”

História do Rei Vesgo

O PCB preparava mais uma campanha de resistência. Comícios foram programados em diferentes pontos do país, muitos proibidos pela polícia. Em São Paulo, os dirigentes comunistas Pedro Pomar e João Amazonas discursaram no “comício da unidade democrática”, realizado no Vale do Anhangabaú em junho de 1947. “A política da reação é: depois de nós, o dilúvio”, disse Pedro Pomar. Segundo ele, o presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, poderia ser derrotado porque as condições internacionais não eram favoráveis à ditadura.

Com ironia, discorreu sobre o título de “redentor” dado a Dutra pelo deputado Otávio Mangabeira (UDN-BA). “Sim, estamos redimidos, não pelo ditador, mas pela nossa capacidade de resistência física à fome, à miséria e a todas as vicissitudes que a ditadura oferece ao povo. É com o nosso amor à liberdade, à paz, à união do nosso povo que realmente salvaremos a nossa pátria, exigindo e obtendo a renúncia de Dutra. Desejamos a democracia, mas a que está na Constituição. A democracia que garante a inviolabilidade dos mandatos dos parlamentares, a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, o direito da livre manifestação do povo. Desejamos o caminho que não seja o da fome e da miséria”, discursou.

No comício foi lida a parábola “História do Rei Vesgo”, escrita por Monteiro Lobato especialmente para aquele evento. O povo ouviu:

Na frente do palácio de certo Rei do Oriente havia um morro que lhe estragava o prazer. Esse Rei, apesar de ser vesgo, tinha uma grande vontade de “dominar a paisagem”; vontade tão grande que ele não pôde resistir, e lá um belo dia resolveu secretamente arrasar o morro. Tratava-se, porém, de um morro sagrado, chamado o Morro da Democracia, e defendido pelas leis básicas do reino. Nem essas leis, nem o povo jamais consentiriam em sua demolição, porque era justamente o obstáculo que limitava o poder do Rei. Sem ele o Rei dominaria ditatorialmente a paisagem, o que todos tinham como um grande mal. Mas aquele Rei, que além de vesgo era malandro, tanto espremeu os miolos que teve uma ideia. Piscou e chamou uns cavouqueiros, aos quais disse:

— Tirem-me um pouco de terra desse morro, ali há umas touceiras de craguatá espinhento. Se o povo protestar contra a minha mexida no morro, direi que é para destruir o craguatá espinhento; e que se tirei um pouco de terra foi para que não ficasse no chão nem uma raiz ou semente.

Os cavouqueiros arrancaram os pés de craguatá e removeram várias carroças de terra. O povo não protestou; não achou que fosse caso disso. Só alguns ranzinzas murmuraram, ao que os apaziguadores responderam: “Foi muito pequena a quantidade de terra tirada; não fará falta nenhuma”.

Vendo que não houve protesto, o Rei, logo depois, deu nova ordem aos cavouqueiros para que arrancassem outro pé de qualquer coisa, mas com terra – ele fazia muita questão de que a planta condenada saísse sempre com um bocadinho de terra… Continuando o povo a não protestar, prosseguiu o Rei por muito tempo naquela política de “extirpação das plantas daninhas do morro”, e as foi arrancando, sempre “com terra”, até que um dia…

— Que é do morro?

Já não havia morro nenhum no reino. Desaparecera o Morro da Democracia, e o rei pôde, afinal, estender o seu olhar vesgo por todo o país e governá-lo despoticamente – não pelo breve espaço de apenas quinze anos, mas pelo de trinta e tantos, segundo rezam as crônicas históricas.

Isso foi no Oriente. Mas nada impede que aqui aconteça o mesmo, porque também temos o nosso morrinho da Democracia, cheio dessas plantas más que costumam nascer em tais morros. É preciso, pois, que o povo se mantenha sempre vigilante, para que os nossos Reis vesgos não as arranquem “com terra”. Do contrário o morro se acaba – e… como é? Ditadura outra vez? Tribunalzinho de Segurança outra vez? Paizinho dos pobres outra vez?

Este comício tem essa significação. É um protesto do povo contra as primeiras carroçadas de terra que o nosso Rei, sob o pretexto de arrancar o craguatá espinhento do Comunismo, tirou do nosso Morro da Democracia. Cesteiro que faz um cesto faz cem. Quem tira uma carroçada de terra tira mil. Se não reagirmos energicamente, um dia estaremos privados do nosso morro e com um terrível soba dominando toda a planície.

E se tal acontecer e esse soba instituir o Relho como instrumento de convicção, será muitíssimo bem feito, porque outra coisa não merece um povo que deixa seus governantes despojarem-se pouco a pouco das suas mais belas conquistas liberais.

O preço da liberdade é uma vigilância barulhenta como a dos gansos do Capitólio.

Violência da polícia

Na escalada repressiva de Dutra, a violência se tornou aberta. No dia 22 de agosto de 1947, à noite, a polícia reprimiu um comício na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, que comemorava o quinto aniversário da declaração de guerra do Brasil ao Eixo nazi-fascista, e agrediu deputados e vereadores do PCB — Alcides Sabença, deputado federal em licença por motivos de saúde, foi violentamente espancado, jogado em uma caminhonete e ameaçado de ser levado para a Polícia Central.

Maurício Grabois conta que permaneceu no palanque o tempo todo, só descendo quando a praça estava deserta — com alguns manifestantes feridos e incapacitados de se locomoverem. “Não tiveram coragem de espancar-me porque saberia reagir”, disse ele. “Mas ouvi alguns desaforos e achincalhes ao próprio parlamento. Disseram-me, por exemplo, que os deputados nada valem e deram-me ordens para que me locomovesse, querendo até traçar meu itinerário.”

O líder da bancada comunista dirigiu um apelo veemente ao presidente da Câmara dos Deputados para que fossem tomadas as necessárias providências “a fim de fazer respeitar as nossas imunidades parlamentares, porque, do contrário, teremos de recorrer às nossas forças para defendê-las, por qualquer processo eficiente”. Maurício Grabois encaminhou requerimento solicitando apuração da violência cometida pela polícia.

Auxiliar imediato de Dutra

O chefe de polícia, senhor Pereira Lira, havia organizado um bando que atacava sistematicamente os jornais do Partido. Em 21 de outubro de 1947, a gangue de policiais voltou a atacar a Tribuna Popular, jornal do qual Pedro Pomar era diretor, quando as oficinas do jornal foram depredadas. Quinze pessoas, entre funcionários e membros do PCB, tentaram conter os desordeiros, lutaram por mais de uma hora e no final foram espancados e ameaçados. Em seguida, os facínoras empastelaram a redação, instalada no Edifício Borba Gato, na Esplanada do Castelo. No dia seguinte, a Tribuna Popular não circulou, mas no dia 23 de outubro uma edição redigida na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e impressa em papel ofício denunciou o crime.

Uma nota publicada no jornal A Classe Operária, edição de 18 de novembro de 1947, diz que as máquinas transformadas em um montão de ruínas foram recuperadas em tão poucos dias graças à abnegação dos operários gráficos, com ajuda do povo. Segundo a nota, se não bastassem a destruição selvagem das oficinas e da redação da Tribuna Popular, o grupo fascista passou a perseguir policialmente “todos patriotas” que vendiam, em “comandos”, exemplares da Tribuninha, impressa em uma pequena tipografia. Quando o jornal passou a ser impresso em São Paulo, as companhias de aviação foram ameaçadas, o que impedia que as folhas chegassem ao Rio de Janeiro.

O vandalismo policial também foi denunciado por Pedro Pomar, já deputado federal. Ele emendou o assunto ao infame ato da Ligth, que deixara de cumprir o contrato estabelecido entre as partes, uma flagrante ilegalidade. Havia, na verdade, um conluio para devastar as instalações da Tribuna Popular. A multinacional, sempre denunciada pelo jornal por seus desmandos, cumpria de bom grado ordens do prefeito do Rio de Janeiro, o general Mendes de Morais, nomeado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Pereira Lira, segundo Pedro Pomar, era um auxiliar imediato de Dutra. 

Malta de vagabundos

Na oficina recuperada, após uma vistoria judicial, houve a tentativa de ligar as máquinas e uma nova recém-adquirida, mas elas não funcionaram. Da tribuna da Câmara dos Deputados, Grabois indagou: “O que aconteceu?” “A Ligth, empresa imperialista que vive explorando o povo do Distrito Federal e de São Paulo, recusou-se terminantemente a fazer a ligação da força para movimentar a nova rotativa ali instalada”, respondeu. A nota do jornal A Classe Operária diz que a empresa “imperialista”, da qual o chefe da Casa Civil da Presidência da República era advogado, violou mais uma vez a Constituição.

Para enfrentar o bando de Pereira Lira, Pedro Pomar organizou um grupo liderado pelo ex-tenente do Exército e militante do PCB, Salomão Malina, que havia lutado na Itália com a FEB. Era uma medida necessária, pois no mesmo dia do vandalismo na Tribuna Popular os jornais O Momento, da Bahia, e Folha do Povo, de Pernambuco, foram atacados. “Um bando de criminosos, envergando a farda do Exército para enxovalhá-lo, invadiu e empastelou o jornal O Momento, destruindo implacavelmente todo material do referido órgão da imprensa baiana”, denunciou Pedro Pomar.

No Recife, uma “malta de vagabundos e policiais”, segundo disse Maurício Grabois na tribuna da Câmara dos Deputados, ameaçou o jornal local do PCB. Ele estava na cidade e presenciou “um assassino conhecido, velho agente de polícia” que contava em sua folha de serviço com “numerosos assassinatos, inclusive o do jornalista José Lourenço Bezerra, irmão do senhor Gregório Bezerra, e de operários presos em 1935”, colocar-se “à frente de cinquenta desocupados, ameaçando empastelar a Folha do Povo”. “O povo mobilizou-se em frente à redação do referido jornal, esperando que a malta de provocadores fosse atacar esse órgão de imprensa, para lhe dar a resposta merecida”, discursou.  

No início de dezembro de 1947, Pereira Lira e seus comparsas atacaram novamente a sede da Tribuna Popular e foram recebidos à bala. A troca de tiros varou pela noite e no final da refrega mais de uma dezena de militantes comunistas foram presos, acusados de portar armas e organizar uma “guarda de choque”. A Tribuna Popular foi suspensa e Pedro Pomar teve a ideia de pôr em circulação outro jornal, a Imprensa Popular, impresso nas mesmas oficinas e com o mesmo conteúdo.

Reedição do chefe nazista Goering

A escalada repressiva crescia rapidamente. Em Pernambuco, o comando da 7ª Região Militar, desrespeitando a Constituição, proibiu a realização de um comício no Parque Treze de Maio, no Recife, contra a cassação dos mandatos comunistas. A decisão violava a norma constitucional de autonomia dos entes federados, uma vez que o governo local autorizara o evento.

Segundo comunicado daquele comando militar, o motivo da proibição era a presença do deputado comunista Gregório Bezerra, que estivera no estado preparando o comício e confirmara “suas intenções anunciadas na Câmara dos Deputados em 27 de novembro de agitar as massas em Pernambuco como represália à lei em elaboração sobre a cassação dos mandatos” comunistas. A decisão baseava-se na ação do truculento chefe de polícia local, Alarico Bezerra. A nota do comando da 7ª Região Militar dizia que as instruções eram “para reprimir energicamente, em cooperação com as outras classes armadas, qualquer ameaça de perturbação da ordem”.

As instruções passavam por cima da autoridade do governador, ao dar ordem ao secretário de Segurança, e deixava os agentes de Alarico Bezerra de mãos livres para praticar violências. Em entrevista após um ato preparatório ao comício, o chefe de polícia fez ameaças explícitas. “Sabe o amigo o que é opinião pública? Os ouvintes do comício representam a opinião pública. E a opinião pública ali estava a pé, a cavalo e motorizada”, disse. “Não haverá mais comício no Recife. Nortearemos nossa ação no futuro em concordância com os termos da nota oficial publicada hoje”, avisou. Segundo Maurício Grabois, Alarico Bezerra reeditava as palavras do chefe nazista Goering, que dizia: “Quando ouço falar em cultura, ponho a mão no revólver.”

Velho conhecido dos comunistas

Em Alagoas também o governador Silvestre Péricles de Góis imitava os nazistas. Ele apreendeu o jornal O Momento Alagoano, prendeu os editores, os distribuidores e até leitores. Dois operários foram presos quando liam o jornal. Um deles foi deportado para o Rio de Janeiro algemado em um avião e entregue à Polícia Central da capital da República. O outro desapareceu. Três deputados estaduais eleitos pelo PCB que procuravam o operário foram presos.

O governador alagoano era um velho conhecido dos comunistas. Em abril de 1947, alegando não saber o que era a Juventude Comunista ou o Partido Comunista quando só a organização juvenil estava proscrita, mandou fechar as células e a sede do Comitê Regional do PCB. Em resposta a um telegrama de Prestes protestando contra a arbitrariedade, Silvestre Péricles de Góes Monteiro declarou: “Realmente recebi um telegrama do senador Carlos Prestes. Mas não dou atenção a um cínico traidor da pátria. Não quero negócio com escravos de Moscou, que pretendem russificar traiçoeiramente o Brasil. Eu tenho outra espécie de resposta para Prestes e seus asseclas.”

Clima exaltado em São Paulo

Em 1947, São Paulo seria tabuleiro de uma jogada eleitoral decisiva para a sucessão do presidente Dutra. As eleições para vereadores, prefeitos e vice-governador atraíam a atenção de todas as forças políticas do país. Com os olhos voltados para os movimentos políticos no estado, o governo federal pressionava o governador Adhemar de Barros, exigindo que ele eliminasse a força dos comunistas. Estes, por sua vez, conclamavam as forças democráticas para que cerrassem fileiras contra novos golpes na democracia. 

O clima estava exaltado quando o PCB tentou organizar comícios no estado para defender seus mandatos e fazer “propaganda dos candidatos recomendados pelo senador Luis Carlos Prestes”. Uma das campanhas anticomunistas em São Paulo dava conta de suposta reaproximação do PCB com Getúlio Vargas, agora senador pelo Rio Grande do Sul e aspirante à sucessão presidencial. As tropelias contra os comícios do ex-presidente eram denunciadas pelos parlamentares comunistas sempre que surgiam informações de truculências promovidas pelo governo paulista para impedir campanhas dos “candidatos de Prestes”. Adhemar de Barros era chamado de perjuro, acusado de forjar um candidato a vice-governador, Noveli Júnior, com conchavos palacianos e conluios com o presidente da República, moldado na copa e na cozinha do palácio do governo.

Se já ficara explícito que o governador paulista havia tomado o partido do Palácio do Catete, logo viria a confirmação de que aquele assunto, se preciso fosse, seria resolvido a bala. Houvesse o que houvesse, Noveli Júnior seria o vice-governador, ameaçou Adhemar de Barros. O governador encarregou o indivíduo conhecido como “capitão Armando”, um austríaco fabricante de chocolate, de montar um grupo de capangas. A gangue percorria os bairros da capital paulista atrás de manifestações populares para fazer provocações.

As ameaças passaram aos fatos quando em um comício gigantesco, durante discurso do deputado comunista Diógenes Arruda Câmara — ele e Pedro Pomar foram eleitos, em 19 de janeiro de 1947, pelo PSP adhemarista —, tiros foram disparados. Em seguida, a capangagem, acompanhada da polícia, dispersou a multidão a cassetetes, patas de cavalo e bombas de gás lacrimogêneo. Adhemar de Barros implantara em São Paulo um regime de banditismo, atrelado ao projeto fascista de Dutra, de olho na cadeira presidencial, denunciou o PCB. 

Pressão de Dutra em São Paulo

Enquanto as ações do governador paulista alimentavam a revolta generalizada, Pedro Pomar liderava a costura de alianças para lançar candidatos comunistas a vereadores e prefeitos pelo Partido Social Trabalhista (PST) e combater o esquema Dutra-Adhemar de Barros. Para vice-governador, a opção foi o segundo candidato do PSD, Cirilo Júnior — aliança que despertou reação do presidente da República.

Em telegrama ao presidente da Comissão Executiva estadual do PSD e secretário de Justiça e Negócios Internos do governo paulista, Cesar Vergueiro, Dutra disse que lamentava a posição adotada no estado. Enquanto no plano federal seu partido assumia uma atitude de defesa do regime, pleiteando e aplaudindo o fechamento do Partido Comunista do Brasil e apoiando “firmemente” no Senado a cassação dos mandatos comunistas, no âmbito estadual as coisas tomavam outro rumo, ralhou o presidente da República. 

São Paulo era o local em que os comunistas deveriam ter mais atenção. Dutra fazia pressão para assenhorear-se do estado, centro que decidiria a sucessão presidencial. A engenharia do PCB deu certo: apesar da eleição para vice-governador do adhemarista Noveli Júnior, em 9 de novembro de 1947 muitos vereadores comunistas foram eleitos. Armando Mazzo foi eleito prefeito de Santo André. Mas, além da batalha eleitoral, o PCB estava entrando em uma nova guerra. Nesta, os comunistas seriam atacados sem piedade, regras e escrúpulos.

Tribuna Popular sitiada

Na seção noturna da Câmara dos Deputados em 6 de dezembro de 1947, Pedro Pomar denunciou a ação truculenta do ministro da Justiça, Adroaldo Costa, que suspendeu a Tribuna Popular por 30 dias com base na Lei de Segurança do Estado Novo. O governo havia alcançado um acordo com as “forças majoritárias” e preparava mais uma onda repressiva. Mas o líder da UDN, Prado Kelly, condenou a medida do ministro da Justiça, para ele uma arbitrariedade igual à praticada quando o ex-ministro da Justiça Carlos Luz suspendeu o jornal por quinze dias, e discordou de Pedro Pomar sobre a existência do acordo. Vários deputados ocuparam a tribuna para condenar a suspensão do jornal do PCB.

Pedro Pomar retomou a palavra e completou a denúncia. Segundo ele, a polícia sitiou as oficinas da Tribuna Popular e, como na guerra, apontou metralhadoras para o edifício onde funcionava o jornal. Ironizou os diretores da imprensa “sadia”, que em uma hora daquelas, de desacato à liberdade de imprensa, se banqueteavam com o governo para fazer acordos contra aumentos dos salários dos jornalistas e a favor do projeto de cassação dos mandatos comunistas, de autoria do senador Ivo de Aquino. Responsabilizou também o presidente da ABI, Herbert Moses, que não estava sendo o fiador da liberdade de imprensa e estava cedendo e capitulando diante das ameaças feitas ao jornalismo. 

Na qualidade de presidente de uma sociedade anônima, a empresa que editava a Tribuna Popular, Pedro Pomar disse que precisava zelar pelo seu patrimônio e nessas condições estava sempre presente para dar assistência ao pessoal que trabalhava no local. Não podia, como representante da nação, estar sujeito a desacatos, como vinha ocorrendo. Perguntou, então, ao presidente da seção, Samuel Duarte, que medidas ele sugeria para garantir a integridade física a um deputado e aos trabalhadores das oficinas da Tribuna Popular. Samuel Duarte respondeu que a denúncia era grave e que conversaria com o ministro da Justiça a respeito.

Espectro do comunismo

A bancada comunista brilhou naquela que pode ser considerada uma seção histórica para os comunistas. Era uma sábado e os debates começaram na Comissão de Constituição e Justiça em torno do projeto número 900, que pretendia cassar os mandatos comunistas. Os deputados do PCB se revezaram na tribuna para fazer um diagnóstico profundo do país e do papel das forças progressistas em sua história. Dados, fatos, números, citações e análises formaram o conjunto da defesa da bancada.

Um dos discursos mais significativos foi o de Pedro Pomar. Ele começou lendo o início do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels. A aliança de forças que os autores citaram como perseguidores do “espectro do comunismo” havia cem anos era repetida naquele momento no Brasil. “Fui eleito nas eleições de 19 de janeiro por cento e trinta mil votos pelo povo paulista, e tenho a honra de dizer: sou comunista, sou um dirigente comunista. Infelizmente, não pude ser eleito na legenda do glorioso Partido Comunista. Sei, entretanto, que cumpro dever democrático, dever patriótico, ao vir a essa Comissão, neste dia, defender o mandato daqueles deputados que tanto sabem honrar e cumprir os juramentos feitos ao povo”, disse, complementando que defendia especialmente o mandato de Prestes. A defesa do mandato do senador comunista, segundo Pedro Pomar, era o reconhecimento do seu papel como líder dos operários e camponeses.

Citou a contribuição de Prestes para a compreensão do atraso brasileiro. “Olhemos o passado, vemos a figura de Mauá. Há poucos dias expliquei por que o Barão de Mauá foi à falência, por que as suas formidáveis iniciativas não puderam prosseguir — Mauá, que era a expressão da nossa vontade, da nossa inteligência, do nosso valor como povo. No entanto, porque não marchamos para frente depois da experiência de Mauá? Justamente porque persistem o monopólio da terra e os grandes latifúndios. A política dos latifundiários derrotou Mauá. Mauá não teve a capacidade de ver como a escravidão e o latifúndio eram os grandes fatores na formação do nosso mercado interno. Não compreendeu que os escravos eram a classe social em que devia se guiar para a extinção do atraso, da opressão e da miséria. Mauá, como toda a nossa burguesia comercial, não teve a capacidade de enfrentar o problema fundamental, que é o da terra”, discursou. Citou também André Rebouças, que via o latifúndio como o maior problema social brasileiro e não podia ser suspeito e acusado de comunista.

A legalidade mata a reação

Pedro Pomar recordou a luta de Prestes e do PCB pela legalidade. “A legalidade para nós, acusados de conspirar contra as instituições, só nos beneficia”, disse. Mostrou como exemplo uma passagem de Engels no prefácio do livro de Marx A luta de classes na França. Leu:

A ironia da história põe tudo de cabeça para baixo. Nós, os “revolucionários”, os “revoltosos”, prosperamos muito mais com os meios legais do que com os meios ilegais e a subversão. Os partidos da ordem, como eles mesmos se chamam, vão a pique com a legalidade criada por eles mesmos. Exclamam desesperados, como Odilon Barrot: La legalité nous tue” (A legalidade nos mata), enquanto nós ganhamos, com essa legalidade, músculos vigorosos e faces coradas. E parece que fomos tocados pelo sopro da eterna juventude e, se não somos tão loucos para nos deixarmos arrastar ao combate de rua simplesmente para satisfazê-los, não terão afinal outro caminho senão romper eles mesmos com a legalidade que lhe és tão fatal.      

Recorreu também a uma carta de Dutra, escrita quando ele iniciava sua campanha para a Presidência da República, de 17 de março de 1945, endereçada ao comandante Átila Soares, defendendo a livre organização partidária e prometendo respeitar o PCB se os comunistas mantivessem a linha de conduta então assumida. “Que se organize, que viva como qualquer outro partido, disputando eleitoralmente a sua supremacia, e procure, por meio dos seus representantes, influir na vida administrativa e política do país”, escreveu. Pedro Pomar denunciou que Dutra não tinha palavra, não era capaz de cumprir com os compromissos assumidos. “Acho que Sua Excelência não mudou nada em sua ação fascista conhecida, particularmente quando constituiu o maior obstáculo na nossa participação na guerra contra o nazismo”, fulminou.

Segundo Pedro Pomar, se dependesse de Dutra o Brasil já teria se transformado em um campo de concentração e as forcas estariam nas praças erguendo os corpos de patriotas, especialmente o de Prestes. “Mas é a posição firme, é a posição enérgica, é a posição corajosa dos comunistas que tem impedido, até o presente momento, que o país enverede pelo caminho que quer a ditadura, o grupo fascista e o senhor Dutra”, discursou. Lembrou que ao espírito unitário dos comunistas, à política de ausência de ressentimentos e de mão estendida, a ditadura respondia com perseguições, brutalidades, violências, espaldeiramentos e assassinatos em praça pública. “Voto contra o projeto de cassação dos mandatos, de acordo com o parecer da comissão designada pelo meu Partido”, concluiu.

Tensão febril

Nos dias seguintes, a bancada comunista fez uma marcação cerrada sobre o projeto. Os deputados comunistas revezavam-se para denunciar, todos os dias, na tribuna da Comissão de Constituição e Justiça, o que representava aquela medida proposta. O governo tinha pressa. Seu líder, Acúrcio Torres, corria de deputado em deputado, de bancada para bancada, a fim de impedir que os comunistas continuassem a falar. A mídia seguia a procissão e acusava a bancada do PCB de “sabotar os trabalhos parlamentares”.  O voto de José Maria Crispim, deputado comunista por São Paulo, foi implacável. Em um copioso discurso, ele esmiuçou o projeto e contestou, detalhe por detalhe, as argumentações de Ivo de Aquino. 

O jornal A Classe Operária reproduziu um áspero entrevero iniciado por Pedro Pomar com Acúrcio Torres, que discursava de maneira efusiva para tentar justificar o projeto:

— Vossa Excelência está lendo um discurso de encomenda.

Acúrcio Torres esbraveja.

Diógenes Arruda interrompe suas cavilações de rábula do imperialismo, gritando-lhe:

— Vossa Excelência se diz patriota, mas está falando em nome do “partido americano”.

Marighella acrescenta:

— Se dinheiro tivesse cheiro, o projeto Ivo de Aquino teria cheiro de dólares.

E Gregório Bezerra:

— Vossa Excelência diz que não conhece os americanos, mas conhece o dinheiro americano.

Acúrcio Torres sua, desconversa, torna-se patético. O líder do PSD fala em liberdade.

Amazonas interrompe:

— A liberdade de Vossa Excelência é a liberdade de fazer negociata.

O “líder” queremista continua aos trancos e solavancos.

Diógenes Arruda o desmascara:

— As palavras de Vossa Excelência e as palmas da maioria revelam o medo que Vossas Excelências têm da bancada comunista e dos comunistas que sempre defenderam e defenderão os interesses do proletariado e do povo. Vossas Excelências têm medo.

A “maioria” cumpre o seu triste papel: vota, passando por cima do próprio regimento.

No encerramento da discussão, a bancada comunista grita:

— Maioria subserviente a Dutra e ao imperialismo americano! Coveiros da democracia!

Depois de aprovado na Comissão, o projeto foi à discussão no plenário em 29 de dezembro de 1947. Uma tensão febril se apoderou do Rio de Janeiro quando o jornal Imprensa Popular — que substituíra a Tribuna Popular —, apreendido pela polícia, não circulou nos dias 30 e 31 de dezembro de 1947 e 1º de janeiro de 1948. A mais importante conquista do regime que libertou o país das algemas do Estado Novo, a liberdade política, estava prestes a desaparecer, parecia óbvio para todo mundo. Há quase um ano desmoronava rapidamente.

Fervilhavam pela capital da República, naquele fatídico e quente fim de ano, os mais estranhos boatos, sendo que o mais alarmante deles não deixava de ter fundamento. Havia rumores de que Dutra mandaria para a cadeia o maior número de comunistas possível tão logo os mandatos fossem cassados. No apagar das luzes do ano de 1947, em 29 de dezembro, Pedro Pomar subiu à tribuna da Câmara dos Deputados para anunciar que os protestos populares contra a cassação dos mandatos comunistas voltariam com força tão logo o calendário fosse virado.

No dia 2 de janeiro de 1948, Pedro Pomar, que ocupava o posto de quarto secretário da mesa da Câmara dos Deputados, ao encaminhar a votação sobre um Projeto de Lei que autorizava a reconstrução de açudes particulares destruídos por enchentes no Nordeste, comentou o assunto. Denunciou também que o Tribunal Superior Eleitoral anulou os votos de mais de cento e cinquenta mil eleitores ao cassar vereadores e o prefeito de Santo André, Armando Mazzo, eleitos pelo PST no estado de São Paulo. “Trata-se de um desses atos monstruosos que revelam o caráter de classe, o caráter profundamente reacionário desta Justiça Eleitoral, que constituiu-se em um tribunal da ditadura, tornando-se o maior eleitor do grupo fascista no poder”, discursou.

Fundamentação dos votos

Segundo Pedro Pomar, em 31 de dezembro de 1947, tão cheio de calamidades para o povo brasileiro com as enchentes, o TSE praticou medida atentatória ao povo que no pleito de 9 de novembro enviou vereadores para as câmaras municipais, assim como a uma prefeitura do segundo município industrial do estado de São Paulo, que elegeu um prefeito democrático, popular, saído da classe operária. “Como representante do povo paulista, não devo silenciar ante injustiça de tal ordem, que constitui verdadeira calamidade política. Calar neste momento seria trair o mandato do povo”, disse.

Os grupos que governavam o país, afirmou, tendiam à anulação das conquistas democráticas, das esperanças na representação popular, da demonstração de vontades dos cidadãos, por todas as formas ao seu alcance, de ver instaurado um clima de tranquilidade e de união nacional. “Há um grupo, porém, obstinado, com propósitos firmes, com a obsessão de fazer desaparecerem todas essas conquistas, intimidando o povo e oprimindo-o. Vão além: desejam arrancar os representantes comunistas desta Casa”, denunciou.

A fundamentação dos votos de alguns juízes, de acordo com Pedro Pomar, revelava o caráter da decisão “reacionária, fascista, profundamente atentatória à democracia no Brasil”. A decisão feria a democracia e fazia com que o povo descresse na Justiça. O país estava diante de uma democracia que não era aquela aspirada pelos seus concidadãos, “mas a de uma minoria, a democracia de Mister Truman, para os ricos, para os poderosos, para os potentados e para os generais fascistas”.

Sacola na mão

Pedro Pomar explicou o ardil. O Diretório Central do Partido Social Trabalhista havia comunicado que o seu Diretório Estadual em São Paulo era irregular, pedindo a anulação de registro dos seus candidatos, ainda no princípio de novembro de 1947. O TSE concluiu pela inexistência da direção do partido no estado. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) interpretou essa decisão no sentido de que o Diretório Estadual estava nulo a partir da data da decisão do TSE, em 6 de novembro de 1947. As eleições se processaram em 9 de novembro e o Diretório Estadual do PST tinha, portanto, todos os seus atos reconhecidos como legais. Apesar disso, o TSE resolveu praticar o esbulho no dia 31 de novembro de 1947.

As portas estavam se abrindo para a abolição da liberdade pessoal dos comunistas. A tempestade caiu forte em 7 de janeiro de 1948, quando o projeto do senador Ivo de Aquino, depois de ter passado pelo Senado, foi aprovado na Câmara dos Deputados. Em 10 de janeiro de 1948, a mesa da Câmara dos Deputados declarou extintos os mandatos dos parlamentares e suplentes eleitos sob a legenda do Partido Comunista do Brasil. Apenas Pedro Pomar votou contra.

Ao fazer o histórico dos acontecimentos, Pedro Pomar disse que todos os partidos, com exceção de poucos democratas, se atiraram de maneira indigna sobre aquilo que não lhe pertencia — as cadeiras tomadas da bancada comunista. Desde o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), dito de oposição e mais interessado do que qualquer outro nas vagas pecebistas, até a UDN, o partido da “eterna vigilância” que mal procurava salvar as aparências para fingir amor à Constituição. Os udenistas, segundo Pedro Pomar, marcharam vergonhosamente de sacola na mão atrás dos “senhores da ditadura”, agiram como juristas do “acordo interpartidário” que repartiu as cadeiras que pertenciam ao PCB.

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Editor do Portal Grabois