Não é a primeira vez que um órgão da imprensa pode ser investigado nos trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. A primeira CPI brasileira teve como objeto principal o jornal “Última Hora”, do jornalista Samuel Wainer. Por motivos adversos ao de “Veja”, a Resolução da Câmara dos Deputados nº. 313, de 1953, buscava incriminar Wainer de “dumping”, de obter empréstimos do Banco do Brasil — que não era privilégio somente seu — e de não ser brasileiro.

Samuel foi o primeiro a adjetivar esses grupos como “imprensa golpista” ou “sindicato da mentira”. Denunciou em negrito e letras garrafais o plano de golpe ao segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Ele também incomodava os tubarões da mídia com o sucesso editorial do jornal — e por conseguir furar o cerco midiático.

Até o surgimento do “Última Hora, o mercado de jornal impresso era dominado pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que dominava o mercado na base antipopular; “O Correio do Povo”, da família Caldas; “O Estado de S. Paulo”, da família Mesquita; “O Correio da Manhã” e “A Tarde”, da família Simões; e o “Jornal do Comércio”, da família Queirós Lima.

Segundo o “Anuário Brasileiro de Imprensa (1950-57)” e o “Anuário de Imprensa, Rádio e Televisão (1958-60)”, a tiragem do jornal saiu de 70 mil exemplares em 1952 para 117 mil em 1960, à medida que a “Tribuna da Imprensa”, de seu arqui-inimigo Carlos Lacerda tombou de 25 para 18 mil. Já “A Notícia” passou de 130 para 56 mil, enquanto o “Diário da Noite”, de Chateaubriand, foi de 129 para 40 mil exemplares.

O sucesso de “Última Hora” feria interesses políticos e econômicos dos adversários de Vargas. A reação não tardou. A conspiração do silêncio seria quebrada, mas com resultados funestos para “Última Hora”. Contra ele se uniram todos esses interesses, que se sentiram ameaçados na maior campanha que se tem notícia na história da imprensa. O objetivo do velho PIG era claro: desestabilizar o governo Vargas. Para isso, intensificaram sua atuação na primeira CPI da história do país.

O desafio à “Veja”

Qual será o posicionamento da revista Veja se tiver sua participação confirmada na CPI de Cachoeira? Vale a pena contrastar com a posição de Samuel Wainer e desafiá-la? Em um cenário de extrema polarização na CPI do “Última Hora”, que durou mais de dois anos, Wainer fez dela palco de defesa de um projeto nacional desenvolvimento e tratou logo de expor as questões essenciais — do que se tratava aquele inquérito.

Uma dessas questões era a regulamentação da mídia brasileira. O jornalista, em seu primeiro depoimento à CPI, disse que a responsabilização da atividade jornalística devia ser regra, e não exceção. “Estamos servindo tão-somente à causa da boa imprensa, aquela que não vive do escândalo nem da venda do silêncio, nem das ligações inconfessáveis.”

Para a revista “Veja”, a possibilidade de depor na CPI de Carlinhos Cachoeira é um “verdadeiro atentado à liberdade de expressão” — o que fortalece, assim, o discurso anti-imprensa. Defensiva ou tergiversação?

Outra questão essencial era o ataque ao país. Wainer respondeu, na edição 1.333 de seu jornal, que sua defesa não era pessoal ou do jornal “Última Hora” — e, sim, a defesa do Brasil, do povo e da economia. “Estou defendendo o futuro, contra a cobiça dos interesses monopolistas internacionais — o que de resto constitui o centro de toda essa onda conspirativa contra as nossas instituições democráticas”.

Em outro editorial, o jornalista continua: “O alvo dos atiradores é outro, é o Brasil, exatamente quando o nosso país se encontra em ponto de transformar-se de nação de economia semicolonial em nação de economia industrial”. Para Wainer, o centro do inquérito e o objetivo da imprensa golpista era a disputa entre “um Brasil jovem contra o Brasil que queria fazer-se velho e impedir os prósperos ventos da conjuntura nacional”.

Terá a Veja coragem para defender seu projeto de Nação no microfone da CPI de Cachoeira?

“Deixe o Brasil trabalhar”

Para o editor do “Última Hora”, a imprensa golpista fazia uma crítica infundada, sem base real, à economia e à recente exploração do petróleo. No artigo “O Brasil quer trabalhar”, o jornal dizia que a única coisa que o povo brasileiro reclamava naquele período era de trabalhar em paz.

A situação atual do país não é muito diferente. Enquanto o Brasil alcança o patamar de sexta economia mundial, no curso de uma crise econômica do capital, falta base real para a crítica apresentada pelo PIG sobre a situação política nacional.

O fundo dessa crítica rasa é há muito tempo conhecida, como foi anunciada no artigo “O Partido do Pessimismo”. Segundo Wainer, “eles não acreditam em Brasil, em povo brasileiro, em capacidade brasileira, em democracia brasileira, em capitais brasileiros. Sofrem um fascínio absoluto do que é estrangeiro e operam eficientemente, pertinazmente, convictamente, à base de um pessimismo irrecuperável (…). Eles trabalham contra o Brasil, e proclamam isso como um mérito, como única saída, como a solução natural”.

Último questionamento: terá a “Veja” capacidade de mostrar ao povo brasileiro suas relações sombrias?

* Ana Flávia Marx é jornalista, secretária de Comunicação do Comitê Distrital Centro e dirigente municipal do PCdoB de São Paulo