O Governo Dilma deu uma demonstração inequívoca de que está tomando as rédeas da política monetária em favor de um efetivo programa de crescimento. Agora falta tomar conta da política fiscal. No caso monetário, o rebaixamento da taxa Selic e a determinação aos bancos públicos de reduzirem as taxas de juros de empréstimos para forçar os privados na mesma direção constituem a iniciativa mais consistente nessa área desde que o ministro Mário Henrique Simonsen, nos tempos de Geisel, deu carta branca aos bancos para aumentarem ao bel prazer as taxas de juros.

A distorção da política fiscal é mais recente. Foi consagrada nos anos 90 pela chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, um truque semântico por trás do qual vinha (e vem) o propósito de impedir ou reduzir o endividamento público mesmo que à custa do investimento em funções básicas e de infra-estrutura, e independentemente do ciclo econômico. A clássica política keynesiana sugere a realização de superávit orçamentário nos períodos de alto crescimento e pleno emprego, e a realização de déficit nos períodos de recessão. A LRF tende a congelar o superávit.

A baixa taxa de crescimento do Brasil, no ano passado, deve-se em grande parte ao elevado superávit primário que foi realizado ao longo do ano. Essa taxa continua muito baixa em 2012 pelo mesmo motivo, e tende a continuar assim, ou ficar ainda pior, se não houver mudança na política fiscal. No primeiro trimestre do ano, o superávit fiscal acumulado foi de R$ 46 bilhões.

Isso é muito dinheiro esterilizado, tendo em vista um PIB trimestral de aproximadamente R$ 1,2 trilhão. Tem um efeito contracionista direto na economia, travando o crescimento econômico, já que representa uma drenagem de recursos reais da ordem de 3,1% do PIB – ou espantosos R$ 156 bilhões!

A comunidade dos economistas profissionais, que carrega o pecado de ter sido indiferente, durante décadas, em relação às taxas de juros e spreads bancários cobrados no Brasil, os mais altos do mundo, comete um pecado ainda maior em relação à política fiscal. Seja por ignorância, seja por má fé, o “mercado” não consegue reconhecer a interação entre orçamento público e o conjunto da economia. Superávit primário é dinheiro líquido retirado da economia sob a forma de impostos, e contabilmente direcionado para o pagamento dos juros da dívida pública.

Os analistas do “mercado” param por aí. Não questionam o destino que os donos privados da dívida pública dão aos juros recebidos do Governo. E é justamente nesse ponto que se tem uma indicação do caráter contracionista ou expansivo da política fiscal: se o dinheiro do superávit primário retirado pelo setor público da economia tem como contrapartida a aplicação em investimentos dos juros da dívida pública recebidos pelo setor privado, o efeito é neutro ou expansivo; se, pelo contrário, os juros recebidos são entesourados (reaplicados), o efeito é contracionista.

A pergunta seguinte é: em que situação o setor privado prefere reaplicar os juros a investi-los? São duas situações: quando a taxa de juros de remuneração dos títulos públicos está muito elevada, e quando não existe estímulos ao investimento produtivo. Em 2010 houve estímulo governamental forte ao investimento, em 2011 não. Isso significa que, diante de uma taxa de crescimento tão baixa quanto a atual, o Governo deve continuar reduzindo a Selic e o superávit primário, transformando parte deste em investimento do próprio setor público – o qual tem, para o conjunto da economia, o mesmo efeito expansivo de um investimento qualquer. Depois, quando a economia retomar taxas de crescimento elevadas, pode-se recorrer de novo a superávits primários para evitar o superaquecimento dela e a inflação.

Essa política, que significa uma injeção de crescimento da renda e do emprego na economia, esbarra na ortodoxia econômica porque implica uma maior presença do Estado na economia mediante uma expansão do déficit e do orçamento públicos. Contudo, depois do cavalo de pau que a presidenta Dilma fez com a política bancária, usando os bancos públicos como instrumento de redução generalizada dos juros, pode-se esperar tudo pelo melhor. Começo a acreditar que, após décadas em que presidentes da República foram manipulados por economistas do “mercado”, ter uma economista política na Presidência, com coragem para enfrentar tabus econômicos, pode ser uma sorte para o Brasil.

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Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, co-autor, com o matemático Francisco Antonio Doria, de “O universo neoliberal em desencanto”, recém-lançado pela Ed. Civilização Brasileira. Este artigo é publicado também no site Rumos do Brasil e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.

Fonte: Carta Maior