A primeira é a consolidação da democracia. Nunca o continente teve tantos governos eleitos por meio de sucessões institucionais, no contexto de concorrências eleitorais sem restrições. Ao mesmo tempo, nunca se observou na região um marco de governabilidade tão extenso, apenas perturbado por episódios que acabaram sendo resolvidos dentro da legalidade democrática.

Da mesma maneira, também é inédita a existência de uma grande pluralidade. Na América do Sul, governos majoritariamente de esquerda, nacionais, populares e democráticos, convivem com os autodenominados de direita, liberais ou de centro em outras partes do continente. Lideranças democráticas que possuem grande legitimidade e forte apoio da maioria são outro sinal da realidade singular em nossa região.

O segundo ponto, o crescimento sustentável da maioria dos países, por meio de fundamentos sólidos, políticas anticíclicas, contas públicas saudáveis e baixos níveis de endividamento e inflação, além de maior capacidade e recursos para atenuar os impactos da crise no mundo desenvolvido. Economias que deixam para trás antigas antinomias: Estado-mercado; agro ou indústria; mercado interno versus exportações; inflação versus recessão. Nos últimos dez anos, foram sendo abandonadas políticas pendulares e os países buscaram, cada um a sua maneira, projetar novos modelos de desenvolvimento com maior inclusão social.

O terceiro elemento, o combate eficaz à pobreza e à indigência. O atual crescimento sustentável das economias, na maior parte dos países, veio acompanhado de diminuição substancial da quantidade de pessoas abaixo da linha da pobreza ou em condições de indigência. As questões sociais estão entre os focos de atenção mais importantes e as políticas de distribuição de renda, transferências condicionadas ou de subsídios universais estão presentes de forma ampla em quase todo o continente. Já são poucos os países que avalizam a “teoria do derrame”, que havia sido protagonista excludente nos anos 1990. Também não se adere ao dogma de que as políticas sociais podem ser compensatórias dos desajustes e iniquidades geradas pelas decisões macroeconômicas.

A quarta, a vontade política e o compromisso do conjunto dos países de avançar nas estratégias de integração. Apesar das diferenças de projetos, de visões, às vezes até opostas, e de emblemas ideológicos diferenciados, a maioria dos países revalorizou o papel da América Latina, sua importância no mundo e a necessidade de contribuir para as políticas de integração. Isso pode ser visto no funcionamento da Unasul, na criação da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), na vontade de renovar o papel da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) e nas decisões dos presidentes de diferentes tendências de avançar em uma unidade que assuma a diversidade.

E o quinto e último elemento, vinculado ao ponto anterior, é a possibilidade de que a América Latina possa ser uma das regiões protagonistas, tanto na nova etapa de desenvolvimento mundial, como na reconfiguração de uma ordem multipolar que vai sendo constituída a partir de novos países emergentes e de blocos regionais de poder. Isso significa que há a necessidade e o desafio de afirmar uma identidade própria, de apoiar com distintas velocidades o espaço interior e projetar para fora uma imagem de unidade que permita visualizar o continente como um novo ator global.

A Celac pode e deveria converter-se no instrumento capaz de fomentar acordos regionais, como também os debates de fundo que marcam a agenda mundial. Nessa tarefa, a Aladi, da qual participam as maiores economias do continente, também pode transformar-se em um organismo-ponte a serviço da unificação de posições e da harmonização do grande mercado interno latino-americano e em um dos principais cenários para articular os distintos pontos de vista dos países ante os principais fóruns internacionais.

As cinco dimensões descritas — democracia, crescimento, justiça social, integração e protagonismo mundial — tratam-se de uma realidade concreta e também de desafios auspiciosos. É neles que temos de colocar todo nosso esforço nos próximos anos.

* Carlos Chacho Alvarez é secretário- geral da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi)