As ruas das principais cidades do mundo são tomadas por movimentos que contestam a receita neoliberal de socorro ao sistema financeiro às custas dos trabalhadores e do bem-estar social. Wall Street foi ocupada por cidadãos convencidos de que são os grandes banqueiros – e não os políticos eleitos pelo voto – os verdadeiros donos do poder. Lá, como nas praças indignadas da Espanha, escutam-se propostas de maior regulamentação das atividades financeiras e maior participação popular nas decisões políticas.

As influências são muitas e mútuas. O levante egípcio que derrubou Mubarak, aliado do imperialismo estadunidense, inspirou europeus a protestarem contra a política econômica que os levou à crise; também serviu de estímulo para se intensificarem os protestos estudantis chilenos, os quais se tornaram gigantescos. A esta onda não ficaram indiferentes os insatisfeitos nos Estados Unidos, de onde, por sua vez, saíram filmes – notadamente Trabalho Interno (Inside Job) – fundamentais para que um número maior de pessoas compreendesse os motivos que levaram à crise econômica capitalista. A emergência de países como China, Índia, Brasil e Rússia também contribuiu para esta nova percepção, seja por meio do discurso de seus líderes (especialmente Lula), seja pelo êxito econômico alcançado por estes países mediante a adoção de políticas opostas ao ideário neoliberal (a China é o exemplo mais impressionante).

Por enquanto, os movimentos contestatórios que vêm sacudindo os Estados Unidos e a Europa não resultaram em mudança política. Em Portugal e na Espanha, onde já houve eleições este ano, saíram-se vitoriosos grupos políticos ainda mais à direita que os anteriores. O caminho para a mudança, assim como o fundo do poço, pode estar ainda distante da situação atual.

Como é frequente na história econômica e política mundial, a ciclos de declínio no centro do sistema correspondem movimentos ascendentes nas áreas mais dinâmicas da periferia. Assim, apesar da crise sistêmica, respira-se esperança na América do Sul, na Ásia e em alguns países da África. Isto não quer dizer, de maneira alguma, que estas sejam sociedades apáticas. Muitas vezes, a mídia brasileira, frustrada com o apoio popular ao projeto em curso desde a eleição de Lula em 2002, reclama de uma suposta acomodação da sociedade brasileira, em comparação com os movimentos vistos no Oriente Médio e no Ocidente em crise. Usam até o exemplo do Chile, omitindo que este país, junto com a Colômbia, constitui exceção em uma América do Sul onde a transformação progressista – e não a crise – é a própria ebulição. Na região estão em andamento, desde o início do século XXI, processos de mudança baseados, cada um ao seu modo, na soberania nacional, na superação do neoliberalismo, no desenvolvimento econômico e no combate à pobreza.

O sucesso desses projetos explica o otimismo presente hoje no Brasil e em seus vizinhos, lamentado pelas oposições locais e certamente pelo imperialismo estadunidense. São esses projetos que, ao mudarem as sociedades sul-americanas em todas as suas esferas, causam desconfortos, exigem novas adaptações e acomodações, geram resistências, atraem oposições. Também inspiram mais e mais demandas, as quais dificilmente coincidem com a agenda que a oposição e a mídia propõem. Vivemos, decididamente, tempos muito interessantes.

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Fonte: debatedores.com