Um comitê formado por cerca de 100 ativistas realizou uma breve cerimônia no escritório da ONU em Ramallah, na quinta-feira, 8, para marcar o lançamento da campanha Palestine: State 194, organizada por movimentos populares de toda a Palestina. O número 194 refere-se à posição que o Estado palestino ocupará nas Nações Unidas, hoje constituída por 193 países-membros. O grupo levou uma carta endereçada ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, solicitando sejam feitos todos os esforços para atender “as justas demandas dos palestinos”.

O lançamento da campanha acontece no momento em que as autoridades palestinas se veem às voltas com pressões destinadas a impedir o encaminhamento de seu pleito às Nações Unidas. No início de setembro, Alain Juppé, ministro de Relações Exteriores da França, alertou a Autoridade Nacional Palestina (ANP) de que a ida à ONU poderia “levar a crises diplomáticas sérias”. Na terça-feira, dia 6, Tony Blair encontrou-se em Jerusalém com Hanan Ashrawi, do comitê executivo da OLP, para tentar dissuadir a organização de levar avante o reconhecimento da Palestina.

Mais tarde a secretária de Estado Hillary Clinton telefonou para Mahmoud Abbas, presidente da ANP, pedindo-lhe que desistisse da ideia de ir à ONU para não causar um “cenário negativo em Nova York” no final do mês (negativo para quem?). Na quarta-feira, 7, foi a vez do diplomata estadunidense David Hale, enviado especial para a paz no Oriente Médio, e de Denis Ross, assessor de segurança para a região. Na quinta-feira, 8, foi anunciada para breve a visita do ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle.

Todos apresentam os mesmos argumentos, que podem ser resumidos numa frase: somente se alcançará a paz por meio de negociações. Eles parecem esquecer, ou desconsiderar, aspectos importantes. Um deles é que a Palestina não está em guerra e, por isso, não precisa de acordos de “paz”. Outro diz respeito ao fato de o pleito à ONU não ter nada a ver com tais negociações. Elas não darão à Palestina o reconhecimento de seu Estado nem o status de membro pleno da organização. Somente as Nações Unidas podem atender essas demandas, baseadas em decisão da própria ONU, que em 29 de novembro de 1947, por meio da Resolução 181, decidiu dividir a Palestina em dois países, um para atender a exigências dos sionistas, outro para os palestinos. O pleito às Nações Unidas, assim, é mais do que legítimo. Será, na verdade, um direito reconhecido tardiamente, 65 anos depois da partilha de 1947.

A população palestina reagiu a essas pressões com uma passeata de protesto em Al-Manara, a praça central de Ramallah, na quarta-feira, 7. E Abbas já deve estar cansado de repetir que o reconhecimento do Estado palestino não interferirá nas negociações para o fim da ocupação israelense. O que ele não pode, em consequência da mobilização popular, é permitir que essas negociações sejam prejudiciais aos palestinos, como sempre foram, desde a Conferência de Madri, em 1991. E todas as propostas feitas até agora, incluindo as assinadas por Yasser Arafat, líder da OLP morto em 2004, nunca levaram em conta os interesses do povo palestino. (E que ninguém culpe Arafat, a quem não foi dada alternativa senão concordar com acordos draconianos.) São, invariavelmente, pró-Israel, como aquelas que estão sendo preparadas pelo Quarteto – Estados Unidos, Rússia, União Europeia e ONU – e pelos EUA. Com o reconhecimento de seu Estado na ONU, os palestinos esperam poder negociar em melhores condições.

Em Israel, até o primeiro ministro Biniamin Netanyhau acenou para Abbas com o reinício das negociações, paradas desde o ano passado em consequência da decisão do governo israelense de reverter a decisão de “congelar” a construção de colônias judaicas em território palestino.

Esse é o grande nó: Israel se recusa a devolver as terras tomadas aos palestinos, onde foram construídas as colônias e a infraestrutura para receber seus 500 mil moradores. Trata-se de obra ilegal, segundo o direito internacional, mas os governos israelenses jamais se preocuparam com isso. A devolução dessas terras, assim como o desmantelamento das cercas eletrificadas e dos muros do apartheid, vão permitir que a Palestina tenha contiguidade territorial. Sem isso seu território continuará recortado, com as cidades e vilas da Cisjordânia cercadas por muros, colônias e checkpoints controlados pelo exército israelense.

Um povo em busca de direitos
Desde o final do século XIX, quando os primeiros sionistas se instalaram na Palestina, os direitos da população nativa também vêm sendo confiscados. Atualmente estão reduzidos ao mínimo. Os palestinos sabem que só os recuperarão quando tiverem seu próprio país. Por isso, independentemente do debate sobre vantagens e desvantagens da constituição de dois Estados ou de um só, que se dá em vários círculos da Palestina e de Israel, a maioria da população coloca suas expectativas na Assembleia Geral da ONU. Há pouco mais de um mês suas organizações mais expressivas começaram a reunir-se para construir a campanha lançada no dia 8 de setembro. Representantes de sindicatos, associações de mulheres, de trabalhadoras e trabalhadores, de estudantes, de artesãos, partidos políticos e comitês da luta popular não violenta contra o muro e as colônias uniram-se em encontros diários, que iam da manhã à tarde, muitas vezes estendendo-se até a madrugada.

Ideias e sugestões foram debatidas em tempo recorde, e as decisões, tomadas rapidamente. Os pontos principais estão na carta para Ban Ki-Moon e nos manifestos da campanha, distribuídos na quinta-feira. Mas não se pense que o lançamento da campanha é uma reação ao aumento da pressão sobre a ANP . “Estabelecemos essa data, 8 de setembro, no momento em que começamos a nos reunir, mais de um mês atrás”, explica Abdallah Abu Rahmah, coordenador a quem cabe a responsabilidade de organizar as ações da campanha em toda a Palestina.

Isso quer dizer que os movimentos populares palestinos têm agenda própria e não temem as ameaças das grandes potências. Para eles, interessa apenas “acabar com a ocupação, com esse sofrimento de 63 anos, e viver com liberdade”, diz Abdallah, que, aos 40 anos, nasceu num país já ocupado. E que, por resistir a essa situação, foi preso quatro vezes, sob acusações falsas. Na última, amargou 16 meses na cadeia – experiência que contará num livro a ser lançado no final do ano.

Ele sabe que o reconhecimento do Estado palestino na ONU não basta para pôr fim à ocupação. Prefere considerar a hipótese o primeiro passo de uma nova etapa da luta. “Teremos mais acesso às diversas instâncias da ONU, um fórum para denunciar os abusos cometidos por Israel e para exigir que eles cessem”, afirma.

Adepto da não violência ativa desde menino, quando conheceu a filosofia de Mohanas “Mahatma” Gandhi, o persistente Abdallah, líder nato, acabou se tornando a figura de maior destaque entre os líderes populares da Palestina. Fiel a seus princípios, ele programou ações não violentas para o lançamento da campanha Palestine: State 194 nas vilas, na sexta-feira, 9 de setembro. Manifestações não violentas também serão realizadas, a partir do dia 10, nos centros das regiões distritais e das vilas, longe das colônias judaicas e dos checkpoints. “Haverá ações diárias até 23 de setembro”, conta Abdallah. “E de dois tipos. Num deles serão realizadas reuniões, palestras, conferências para esclarecer a população sobre a importância do reconhecimento do Estado e de sua admissão como membro pleno da ONU, além de discutir a construção do novo país. O outro será composto por marchas de crianças e mulheres, por festas comemorativas desse momento importante de nossas vidas.”

Abdallah também descreve outra ação, que terá como palco o checkpoint de Qalandiya, na saída de Ramallah para outras cidades, incluindo Jerusalém. Ali acontecerá o encontro das marchas das mulheres israelenses e palestinas, em 17 de setembro. “As israelenses virão de Jerusalém e as palestinas, de Ramallah. As duas passeatas se encontrarão em Qalandiya, para apoiar o Estado da Palestina e celebrar a solidariedade entre os dois povos.”

A manifestação mais importante foi reservada para 21 de setembro. Entre 11h e 14h, praticamente toda a população da Palestina estará reunida nos centros das regiões distritais (Belém, Ramallah, Nablus, Jenin, Tubas/Salfit, Tulkaren, Qalqiliya, Hebron, Jericó e Gaza) para mostrar ao mundo que está decidida a ter seu Estado. Com os palestinos estarão milhares de israelenses e ativistas de todas as partes do planeta, gente que nunca falha na hora de demonstrar apoio, dentro ou fora da Palestina.

É com essa gente que Abdallah conta para constranger os colonos, armados e treinados há sete meses pelo exército israelense. Grande parte deles costuma andar com metralhadoras e entrar nas vilas palestinas, ferindo moradores (incluindo crianças), matando seus animais, incendiando casas e plantações. Os mais extremistas têm se reunido para decidir ações contra os palestinos. Uma das ideias aventadas é uma passeata de colonos armados até as cidades.

Abdallah não os teme. “Nossas ações são pacíficas e o povo palestino não é violento. Ninguém vai reagir a provocações. Se houver problemas, serão resolvidos pela polícia palestina, destacada para proteger todas as cidades.” Entre os manifestantes estarão pessoas para identificar provocadores e agentes sionistas que costumam infiltrar-se nas manifestações palestinas, dando início a confusões ou agredindo e prendendo ativistas, como se viu em 15 de maio, dia da Nakba, em Qalandiya.

Dessa vez eles não terão essa chance. Há mais de 100 anos os palestinos lutam por seu Estado. Não serão alguns sabotadores que os impedirão de consegui-lo.

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Fonte: Carta Maior