Até o presente, não é disponível informação detalhada sobre o projeto do trem-bala. Não foi feito o projeto básico! Segundo as informações disponíveis, entre Rio de Janeiro e São Paulo o bala percorrerá 511 km e consumirá 93 minutos; terá a velocidade de 350 km/h e, saindo do Rio (Galeão ou Leopoldina?), deslocar-se-á para São Paulo (Guarulhos ou Cumbica?). Não está claro se será um bala parador (talvez as cidades de Barra Mansa, Volta Redonda, Resende, Aparecida do Norte e São José dos Campos venham a ser estações intermediárias). A demanda por passagens foi estimada em 32,6 milhões e a tarifa para o trajeto será de R$ 199 ou R$ 200.

Em 1997, a obra foi estimada em R$ 7,6 bilhões. Em 2011, o Tribunal de Contas da União a estimou em R$ 33 bilhões, levemente abaixo da avaliação do BNDES (R$ 36 bilhões). As empreiteiras parecem haver avaliado o projeto entre R$ 45 bilhões a R$ 55 bilhões; se a decisão for transferida para 2012, custaria mais R$ 5 bilhões. Em dólares, estamos falando de um projeto cujos valores oscilam entre US$ 22 bilhões até quase US$ 40 bilhões. Para comparação, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) havia gasto, de janeiro de 2010 até o final do primeiro trimestre de 2011, R$ 20,4 bilhões, dos quais teriam sido desembolsados apenas R$ 3,6 bilhões, havendo restos a pagar de R$ 17 bilhões.

Já escrevi sobre minha perplexidade em relação à prioridade dada ao projeto do bala. Continuei perplexo até que, no dia 22 de julho, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o bala "é o transporte ideal" e que "é inviável o avião entre duas metrópoles distanciadas entre 500 km e 600 km". Citou o bala japonês, ligando Tóquio a Osaka, como evidência inquestionável e explicitou duas consequências previsíveis da execução do projeto: em primeiro lugar, falou que haveria uma "desconcentração" (?) entre Rio e São Paulo ao longo do eixo ferroviário; em segundo lugar, sublinhou que o bala iria "criar uma valorização imobiliária ao longo do trajeto".

O que a presidente não disse é que o Japão tem a melhor rede logística do planeta. Lá, é espetacular o sistema integrado de transporte de mercadorias e as pessoas que acessam ao bala se deslocam pelas magníficas redes metroviárias de Tóquio e Osaka.

Não há comparação entre a prioridade do transporte nas cidades e o projeto ligando Rio-São Paulo

O Brasil tem uma péssima logística, que faz repousar o transporte interurbano de mercadorias basicamente na modalidade rodoviária e o deslocamento de passageiros urbanos sofre a insuficiência dos sistemas públicos de transporte. Nos EUA, o sistema logístico – considerado antiquado e insuficiente pelo presidente Obama – consome 8,9% do Produto Interno Bruto (PIB) americano; no Brasil, um cálculo otimista utilizando os critérios daquele país estimou em 13% a 14% o custo logístico brasileiro. A diferença está embutida nos fretes elevados do pão nosso de cada dia. O tempo de deslocamento residência-trabalho-residência, na cidade do Rio, compromete em média duas horas do cidadão carioca.

Dada a intensidade com que cresce a frota de veículos automotores (9% ao ano na última década), é previsível que a situação continue a se deteriorar e o morador do Rio, São Paulo e demais metrópoles e cidades de porte médio seja cada vez mais, pela insuficiência da logística, desapropriado do tempo de existir, esvaído no deslocamento pela rede urbana.

No Japão, o bala é um complemento; no Brasil, seria um luxo a serviço de uma pequena fração da população. Foi estimado que, com os recursos do bala brasileiro seria possível construir mais de 100 km de metrôs nas grandes cidades. Com uma fração do bala, poderíamos metrovializar os eixos ferroviárias das antigas Central e Leopoldina, que servem a mais de 60% da população do Rio. Não há comparação possível entre a prioridade social da melhoria do transporte coletivo metropolitano em relação ao bala.

Duvido que seja mais conveniente o deslocamento ferroviário em relação ao aéreo, em termos de custo e tempo de viagem. No futuro, se o bala for implantado, será terrível acessar ao embarque e desembarque ferroviário. Após o deleite do bala, o passageiro voltará a mergulhar no caos urbano.

A presidente Dilma falou de "desconcentração" ao longo do eixo ferroviário. Não creio que estivesse pensando em transporte de mercadoria pelo bala. Não creio que nenhum paulista ou carioca se deslocará, devido ao bala, para uma estação de parada. Se obtiver emprego em qualquer cidade do Vale do Paraíba, certamente poupará R$ 199 por dia morando naquela cidade. A multiplicação de empregos depende da dinâmica macroeconômica do país e de variáveis microeconômicas locacionais outras que não o luxo do bala.

Minha surpresa maior consistiu na defesa da valorização imobiliária. Qualquer política habitacional e de desenvolvimento exige terrenos edificáveis, com boa infraestrutura e ao menor custo possível. Uma das vantagens estratégicas do transporte coletivo metroviário é ampliar a oferta de terrenos mais baratos que permitam um tempo de deslocamento civilizado e existencialmente agradável. Concordo que, nas estações, haverá uma valorização imobiliária. Não sabia que esse é um objetivo da política de desenvolvimento nacional.

No Japão, nos terminais do bala estão instalados shoppings, o que reduz o tempo de abastecimento do usuário que, com sua compra, se desloca para o metrô. É difícil imaginar o passageiro do eixo Rio-São Paulo, quer no avião quer no projetado bala, fazendo compras domésticas.

Não sei como foi gestada a ideia do bala. Talvez seja para que os visitantes estrangeiros, quando da Copa do Mundo e da Olimpíada, digam que o Brasil é um país prodigioso, pois tem o bala.

A czarina Catarina II, quando se deslocava, passava por aldeias que eram previamente enfeitadas e pintadas para sua alegria visual. Talvez estejamos repetindo um gesto de baixíssima prioridade num país que tem 12% da oferta de água do planeta e apenas 4% da água dos rios que abastecem as metrópoles é de ótima qualidade. Nas periferias da grandes cidades é onde a água é de pior qualidade. Para ficar no eixo do trem-bala, o Rio Paraíba está degradado e poluído.

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Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES

Fonte: Valor Econômico