Como já escrevi anteriormente, Chávez enfrenta na Venezuela uma crescente oposição à esquerda, inclusive dentro de seu governo. Os pedidos de “unidade” que ele tem feito, desde a cirurgia em Cuba, refletem isso. O tom dos discursos do presidente é ora reformista, ora revolucionário, para atender aos principais agrupamentos que se reúnem sob o chavismo.

Mas Chávez, na prática, é um reformista — exatamente como Lula. Como disse a respeito dele um ex-embaixador americano em Caracas, “prestem atenção nas ações, não na retórica”. Basicamente, o programa econômico de Chávez se organiza (organiza!?) em torno da maior distribuição dos lucros do petróleo. Como? Através de programas sociais.

Estes são os limites da “revolução bolivariana”, como revela “Venezuela: La Revolución como espectáculo“, uma crítica anarquista a Chávez. Em “La herencia de la tribu“, a escritora Ana Teresa Torres demonstra que não há nada de extraordinário no que é vendido como “autoritarismo militarista” de Chávez. Num país que teve uma verdadeira guerra de Independência — guerra, aliás, arrasadora —, a exploração do mito fundador, com destaque para o heroísmo dos militares, é uma realidade desde… bem, desde a Independência.

Concordem ou não com isso, gostem ou não disso, o fato é que Chávez representa continuidade histórica na Venezuela, assim como Lula tocou adiante a nossa “modernização conservadora” com uma plataforma trabalhista. Lula e Chávez, obviamente, têm histórias e origens distintas. Mas são ambos reformistas. A diferença no sucesso dos programas sociais que ambos implantaram não tem relação com a questão ideológica, mas com a própria organização das sociedades em que se elegeram.

Como sempre enfatiza o Gilberto Maringoni, autor de A Venezuela que se Inventa, o Brasil tem uma indústria bastante desenvolvida e, portanto, as características que resultam de uma organização industrial, com os relógios de ponto, as metas e as hierarquias. A economia venezuelana é, basicamente, de um produto só: o petróleo. Que sempre teve como destino principal, antes e depois de Chávez, o mercado dos Estados Unidos.

Podemos argumentar, inclusive, que os programas sociais no Brasil têm maior possibilidade de êxito, uma vez que se assentam na ideia de uma ajuda temporária, um apoio para que as famílias eduquem seus filhos e se insiram economicamente numa sociedade industrial e de serviços. A Venezuela carece de um mercado de trabalho suficientemente grande. Há limites claros, portanto, para um crescimento sustentado no mercado interno, como aconteceu no Brasil. Faltam os empregos com carteira e os salários.

Uma verdadeira revolução socialista na Venezuela teria mexido com a propriedade dos meios de produção. Uma verdadeira revolução capitalista teria usado as rendas do petróleo para fomentar a indústria local ou acabar com a dependência dos importados agrícolas. Nenhuma delas aconteceu. Com tanto petróleo à vontade, que permite manter o preço da gasolina em valor equivalente a 2 centavos de real o litro, é até possível entender…

Se ganhar a eleição de 2012 — e o “risco” disso ocorrer é razoável –, Chávez deverá sua sobrevivência política muito mais a questões concretas do que a discursos ou práticas “revolucionárias”. Questões que foram resolvidas graças a parcerias com empresas bem capitalistas, como a brasileira Odebrecht — o governo Chávez, diga-se, também tem parcerias com a Chevron e o Grupo Cisneros, entre outros.

Foi a Odebrecht que começou a implantar o projeto de interligar todos os morros de Caracas ao Metrô e, portanto, ao mundo do consumo e do trabalho. É isso o que definirá a eleição de 2012. O resto, como diria o outro, é mimimi.

Fonte: Vi o Mundo