A possibilidade de votação das mudanças no Código Florestal é um momento raro, uma rara oportunidade para o Congresso Nacional dizer a que veio.

Na teoria o Legislativo deve ser ponto de encontro para a busca de maiorias -ou até consensos- em temas polêmicos. Na prática a Câmara dos Deputados e o Senado vêm constrangidos a uma posição subalterna, cada vez menos relevante.

Os congressistas vivem reclamando do Judiciário, da judicialização da política. E mostram incômodo diante da hegemonia absoluta do Executivo, quase uma autocracia de fato.

A perda de substância do Legislativo leva a situações como agora no Código Florestal. O Brasil tinha um código mais ou menos coerente, que foi sendo remendado e remexido por iniciativas extracongressuais.

A atualização nas décadas recentes era necessária, mas terminou resultando numa colagem arbitrária.

E o produto não é bom. Produziu-se na legislação em vigor um mosaico inaplicável, uma aberração. Por isso a necessidade de mudanças.

Não tem havido acordo sobre o que mudar, nem quanto. A saída habitual é suspender temporariamente os efeitos da lei vigente. O jeitinho brasileiro. A gambiarra.

Uma lei/gambiarra cuja vigência precisa ser suspensa de tempos em tempos já está morta, já recebeu o atestado de óbito.

O ideal seria as diversas facções convergirem, mas não tem acontecido. Em vez de procurar moer o assunto em busca de soluções práticas, preferem a polarização ideológica.

Polarização útil para quem vive dela, de estimulá-la além do limite da racionalidade. Mas polarização inútil -e até perigosa- para um país com nosso patrimônio agrícola e ambiental. E com nossas responsabilidades na defesa do meio ambiente e na produção de alimentos.

As pressões sobre o Brasil só vão aumentar. O mundo quer cada vez mais comida e cada vez mais preservação. E talvez sejamos o único grande país simultaneamente potência ambiental e agrícola.

A contradição embute um detalhe: não pode ser resolvida com a supressão de um dos lados.

Não é razoável pedir ao Brasil que sacrifique na pira ambiental a necessária expansão da agropecuária. E não é tampouco razoável pedir ao Brasil que destrua os ecossistemas para ajudar a combater a inflação mundial no preço da comida.

Daí a necessidade de um projeto nacional unificador para solucionar a disputa. Projeto que possamos defender para nós mesmos e para o resto do mundo.

Ele poderia nascer de duas fontes: um governo suficientemente forte e coeso ou o Congresso Nacional.

O governo Dilma Rousseff é forte, mas não consegue alcançar coesão neste ponto. Por algum motivo misterioso, nossa habitualmente voluntariosa e firme presidente da República aceita aqui submeter-se a vetos paralisantes.

Misterioso? Nem tanto. O PT, em vez de capitanear a busca da maioria, aceitou ser empurrado ao isolamento, talvez para não desagradar a grupos de pressão internos e próximos. O resultado é ter paralisado o governo que ele, PT, deveria ajudar a liderar.

Então é hora de o Congresso ocupar o espaço. Eis a raridade da situação. Desta vez quem criou o vácuo foram o Executivo e o partido da presidente.

Que não querem resolver o problema, mas resistem a vê-lo resolvido por outros.

Daí o vácuo. Se suas excelências das conchas não o preencherem, não venham reclamar depois.

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Alon Feuerwerker é jornalista, escreve para o Correio Braziliense e autor do Blog do Alon