Uma análise do plano de Ryan pelo Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) apresenta esses argumentos. Seu cenário de "permanência" das linhas básicas atuais presume que a lei fique inalterada. Sob essa suposição, a arrecadação aumentaria de 15% para 21% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2022 e para 26% em 2050. Os gastos governamentais também aumentariam substancialmente, de 23,75% do PIB em 2010 para 30,25% em 2050. Como resultado, o déficit cairia do atual nível, enquanto as dívidas em mãos do público aumentariam para 90% do PIB em 2050.

Como o CBO deixa claro, é um cenário otimista. A lei atual inclui, mais notavelmente, a suposição de que os cortes tributários de 2001 e 2003 serão abandonados, como estabelecido em lei. Isso, aliado ao impacto do "arrasto fiscal" decorrente do crescimento econômico e da inflação, gera o aumento na arrecadação em relação ao PIB. No lado dos gastos do governo, a parcela da seguridade social sobe modestamente, de 4,75% do PIB em 2010 para 6% do PIB em 2050. A parcela de todos os outros gastos (incluindo os militares), sem contar os de saúde, supostamente cairia para sua média histórica de 8% do PIB. Mas os gastos com saúde explodiriam, de 5,5% do PIB em 2010 para 12,25% em 2050.

O CBO também explora um cenário de longo prazo bem pior. A receita subiria para apenas 19% do PIB, por volta da média histórica, com a prorrogação dos cortes tributários e a criação de outros alívios fiscais. Os gastos governamentais também sobem um pouco. Mas o impacto principal nos gastos vem dos pagamentos de juros relativos à decolagem das dívidas: as dívidas em mãos do público chegam a 344% do PIB até 2050 e os juros devoram 17%.

Os EUA têm os maiores índices de mortalidade infantil e materna entre os países de alta renda e uma das expectativas de vida mais baixas. O resultado desses cortes nos gastos com a saúde dos mais pobres e dos idosos seria uma maior deterioração. Será que isso é aceitável?

A conclusão é clara. Se se permitir a alta da arrecadação para 26% do PIB, ajustes modestos nos gastos assegurariam a sustentabilidade. Os gastos (incluindo os dos Estados), no entanto, ficariam em cerca de 45% do PIB. Ao ficarem próximos do nível de gastos dos europeus, os EUA também precisariam ficar próximos aos patamares europeus de tributação. Se os EUA persistirem com sua arrecadação histórica em relação ao PIB, a posição fiscal se tornaria insustentável.

É nesse debate que entra Ryan, com a proposta de manter a arrecadação em 19% do PIB. Os gastos, contudo, seriam cortados para 10,25% do PIB em 2020 e para meros 14,75% em 2050. As dívidas cairiam para níveis desprezíveis. Ninguém teria dúvidas de que esse plano representa uma virada radical. Mas o que não pode estar óbvio é simplesmente até que ponto isso é radical – e simplesmente até que ponto é implausível.

As partes mais complicadas do plano referem-se ao setor de saúde. As verbas federais ao Medicaid, em vez de uma proporção dos custos, passariam a consistir em um repasse de valor fixo aos Estados, presumivelmente reduzindo essas verbas. Os repasses à assistência médica aos idosos seriam transformados em contribuições federais direcionadas ao seguro médico privado.

Mesmo essas mudanças radicais deixariam a parcela das verbas federais para gastos com saúde em 5% do PIB. Isso, no entanto, também seria 40% da proporção prevista no cenário básico do CBO. A parte engenhosa é que o plano apenas impediria pessoas com 65 anos de juntar-se ao Medicare a partir de 2022. O apoio ao seguro médico dos idosos também seria baseado nas condições financeiras individuais e variaria de acordo com a saúde do beneficiário. No geral, sugere a CBO, os idosos arcariam com 68% dos custos do seguro-saúde em 2030. Como destaca: "Esse maior encargo exigiria que eles reduzissem seu uso de serviços de assistência médica, gastassem menos em outros bens e serviços ou economizassem com mais antecipação do que o fariam pela lei atual."

Os EUA têm os maiores índices de mortalidade infantil e materna entre os países de alta renda e uma das expectativas de vida mais baixas. O resultado desses cortes nos gastos com a saúde dos mais pobres e dos idosos seria uma maior deterioração. Será que isso é realmente aceitável politicamente?

O plano, no entanto, tem outros aspectos surpreendentes: primeiro, a seguridade social ficaria intocada; segundo, ("os residuais") os gastos excluindo juros e seguridade social seriam reduzidos a 6% do PIB em 2022 e seriam constantes em termos reais depois de 2021.

Essa categoria residual inclui os gastos militares, a maioria dos programas para veteranos de guerra e os gastos obrigatórios com aposentadoria federal de civis e militares, pesquisas científicas, seguro-desemprego e créditos tributários por filhos ou baixa remuneração, entre muitos outros. O plano requer o desaparecimento quase completo dessas funções residuais, com exceção das militares, já que é difícil ver motivos para os gastos com defesa caírem muito em relação à média dos últimos dez anos, de 4,5% do PIB. O restante, então, cairia para 1,5% do PIB até 2022. Na verdade, no longuíssimo prazo, mesmo os gastos militares despencariam. Suponham, por exemplo, que os gastos "residuais" em todas as áreas que não as militares" fossem de 1,5% do PIB em 2050. Então, os gastos militares seriam de meros 2% do PIB. Será que isso é um plano republicano?

Suponham, em vez disso, que os gastos "residuais" voltem à média histórica de 8% do PIB. Suponham, também, que os gastos em saúde sejam mantidos abaixo de 8% do PIB – uma reviravolta extraordinária. Então, excluindo juros, os gastos ainda ficariam em 22% do PIB em 2050 e o déficit fiscal seria bem superior a 3%. Em resumo, a arrecadação teria de ser maior, mesmo sob essas suposições altamente otimistas.

O plano de Ryan é uma "reduction ad absurdum" – uma redução ao absurdo, uma refutação por meio de uma conclusão lógica. Tornaria o governo em um mísero fornecedor de aposentadoria e seguro-saúde. Essas funções absorveriam 75% dos gastos, excluindo pagamento de juros, em 2050. Outras funções, incluindo até o setor militar, desabariam. É muito provável que isso ocorra. Na verdade, mesmo se o governo fosse surpreendentemente bem-sucedido em restringir o crescimento dos gastos com saúde, a parcela dos gastos federais em relação ao PIB quase certamente ficaria acima de 20%.

Uma luta fiscal de longo prazo se aproxima. A solução pode até ter de surgir a partir de uma crise, Mas Ryan deu ao presidente uma oportunidade, ao definir o que certamente não ocorrerá. Obama precisa aproveitá-la.

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Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

Fonte: Valor Econômico