Divulgadas às vésperas do feriado de Carnaval, as informações do IBGE relativas ao desempenho das Contas Nacionais para o ano de 2010 foram pouco discutidas pelos órgãos de imprensa e pelo mundo político de uma forma geral.

Mais uma vez, o destaque oferecido pelos meios de comunicação acabou ficando por conta da maneira descontraída com que a fala das autoridades da área econômica retratou o fenômeno. Trata-se aqui da divulgação dos dados do Produto Interno Bruto, mais conhecido pela sua sigla, PIB.

A brincadeira havia começado, na verdade, quando o IBGE começava a preparar suas prévias para os cálculos do PIB de 2009. Em uma entrevista coletiva no mês de dezembro daquele ano, o Ministro Mantega foi provocado por alguns jornalistas, a respeito de sua opinião sobre o que seria o “Pibinho” daquele ano. Escanteado no momento, tentou contra-argumentar com os dados da União Européia e demais países do mundo desenvolvido, que se viam igualmente às voltas com problemas de crescimento negativo em suas economias, ainda mais acentuados que o Brasil. Mas os dados definitivos, vindos a público alguns meses depois, foram realmente incômodos. O Brasil havia conhecido uma recessão de suas atividades econômicas entre janeiro e dezembro de 2009, com uma retração do PIB de – 0,6%

Agora, passado um ano do fato, o Ministro não perdeu a oportunidade de dar seu troco. Logo após a publicação dos dados do PIB de 2010, Mantega saiu-se com a fórmula do aumentativo: o “Pibão”. Afinal, o Brasil havia experimentado entre janeiro e dezembro do ano passado um crescimento de seu PIB de 7,5%. Ou seja, tudo a comemorar na lógica do ocupante de cargo no poder. E também para a maioria da população e o conjunto do País, que se viram beneficiados pela retomada do ritmo das atividades produtivas e de serviços, pelo aumento do nível de renda e do emprego, enfim pela perspectiva de um futuro mais positivo.

No entanto, apesar das dificuldades da presente tentativa, é necessário desdramatizar esse debate e trazê-lo para níveis mais próximos da realidade. “Pibão” ou “Pibinho” são expressões típicas da nossa forma, brasileira, de encarar o fenômeno político, social e mesmo econômico. Para o mal ou para o bem, parece que somos mesmo o país da piada pronta… Com tudo se brinca, de tudo se busca tirar uma casquinha. Portem, o fato é que o debate acerca de questões como crescimento econômico exigem um pouco mais de calma e seriedade em seu tratamento.

Agora, passado o tempo, parece que até mesmo os mais otimistas dos governistas se convenceram de que 2009 foi realmente um ano ruim para a nossa economia. É claro que os efeitos foram trazidos para cá pela crise econômica internacional e que o Brasil conseguiu ser menos atingido do que boa parte do mundo desenvolvido. Mas, por outro lado, é também inegável que ficamos bem atrás da capacidade de recuperação de outros países em condições semelhantes às nossas, como a China (8,6%) e a Índia (5,6%), por exemplo.

Em tais condições, a avaliação parece apontar para a demora do governo em adotar as medidas de natureza contra-cíclica ainda em 2008, quando os primeiros efeitos da crise financeira internacional se desenhavam no horizonte. Isso porque as conseqüências das medidas macroeoconômicas adotadas pelo Estado levam um certo tempo para exibirem seus efeitos no mundo real. Ao longo daquele ano, por exemplo, poucos se lembram, mas o governo chegou a aumentar ainda mais a já elevada taxa SELIC, que saiu de 11,25% e encerrou em 31 de dezembro nos irresponsáveis 13,75% ao ano. Com tamanho desincentivo ao investimento produtivo, os efeitos sobre a economia real só poderiam ser mesmo os de natureza recessiva. Os números do IBGE só vieram confirmar o que todos sentiam como fato em seu cotidiano.

Já em 2009, com a pressão gritante do conjunto da sociedade e a mudança de postura dos próprios responsáveis pelas decisões econômicas nos países desenvolvidos e nos organismos multilaterais como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, o governo do Presidente Lula acabou por se render às idéias da heterodoxia. Ou seja, a implementação de medidas de política econômica que eram consideradas verddaeiros tabus pela cartilha do falecido Consenso de Washington. A nossa taxa de juros oficial, que começara o ano em 13,75%, acabou sendo reduzida a cada reunião do COPOM, de forma a encerrar o mês de dezembro em 8,75%. Essa queda no custo do dinheiro e as decisões de estímulo à produção e ao consumo adotadas pelo governo criaram as condições, ao longo de 2009, para a retomada das atividades econômicas, com as conseqüências se fazendo sentir justamente na sensível melhora no PIB de 2010.

O PIB pretende ser um retrato do conjunto das atividades econômicas do País num período de tempo. Em geral, compara-se a produção de bens e serviços ocorrida ao longo de um ano, mas há estatísticas trimestrais para uma avaliação mais refinada das tendências a cada momento. Pela ótica dos setores, em 2010 o crescimento obtido de 7,5% pode ser assim decomposto: a agropecuária cresceu 6,5%, a indústria 10,1% e os serviços 5,4%. Um olhar mais detalhado pode sugerir o que têm sido as prioridades na agenda do governo. Soja e trigo foram os que mais cresceram na agricultura, com mais de 20% de crescimento. No setor industrial, o ramo de maior crescimento foi a indústria extrativa mineral (petróleo, minério de ferro e outras “commodities”) com 15,7%. E na área de serviços, como não poderia deixar de ser, o ramo intermediação financeira e seguros liderou com 10,7%.

É claro que o atual nível de internacionalização das relações econômicas entre os países não permite o isolamento dos mesmos, de maneira a não sentirem os efeitos de uma crise financeira de amplo espectro, como a que o mundo viveu recentemente. No entanto, tudo depende da capacidade dos governos em estabelecerem políticas públicas internas para defender os interesses nacionais e atenuar os efeitos perversos vindos do exterior.

Principalmente em se tratando de países com estruturas econômicas amplas e com alto potencial de diversificação como a nossa, tal tarefa fica mais facilitada em comparação a países pequenos, dependentes de poucos itens em seu menu econômico. Além disso, é óbvio, contribui também o fato de apresentar um mercado interno capaz de gerar uma demanda que independa da procura gerada fora de seus domínios.

Como a cabeça dos formuladores de política econômica ainda estava bastante dominada pelo modelo conservador do ajuste ortodoxo, a vacilação e a passividade observadas em 2008 contribuíram sobremaneira para a geração do “Pibinho” de 2009. Já no ano seguinte, a mudança de postura e as propostas afirmativas do governo foram, em grande medida, responsáveis pelo “Pibão” de 2010. Afinal, saímos de -0,6% para +7,5% ao ano.

No entanto, é importante ressaltar que a base para o crescimento do ano passado foi justamente um ano anterior de recessão. Ou seja, é necessário um pouco de cautela na comparação, pois há uma tendência “natural” a que o crescimento da economia seja acelerado logo no início da recuperação, para depois a curva ir se adequando, paulatinamente, a níveis mais razoáveis de elevação do PIB. Ou seja, recomenda-se um pouco de contenção na vibração eufórica com os índices elevados. É necessário relativizar a comparação a seco. Por exemplo, se compararmos a evolução do PIB a cada trimestre, verificaremos que no último trimestre de 2010 comparado ao último de 2009, o crescimento já foi menor do que na comparação dos 12 meses de cada ano: 5% ao invés dos 7,5% ao ano.

Finalmente, há que se ressaltar a questão da sustentabilidade dos níveis de crescimento econômico numa série histórica de médio e longo prazos. E isso tudo ainda sem mencionar outra questão essencial, relativa à distribuição dos frutos de tal crescimento num projeto de desenvolvimento social e econômico. Um dos pontos cruciais refere-se à composição do PIB entre o consumo e investimento. Não há como manter níveis elevados permanentes do Produto de um país apenas com estímulos ao consumo. A obtenção de índices expressivos de crescimento do investimento é exatamente o que garante a capacidade de consumo durável no futuro.

Caso contrário, o modelo esbarra rapidamente em gargalos de oferta interna e de dificuldades oferecidas por uma infraestrutura inadequada em termos de eletricidade, telecomunicações, transportes, organização dos espaços rural e urbano, entre outros. Ou então, o que é pior, o país acaba sendo obrigado a apelar para o suprimento da demanda interna com a importação de bens e serviços gerados do exterior.

E nesse quesito, os dados de 2010 ainda estão distantes da necessidade do Brasil. O item relativo à Taxa de Investimento ficou em 18,4% do PIB, índice mais elevado do que a média da década, mas ainda pouco significativo para fazer face às exigências de um crescimento sustentado. Algumas avaliações indicam que tal proporção deveria se aproximar de 25% para que nossa economia pudesse entrar num ciclo de expansão sem riscos de enfrentar problemas de incapacidade na infra-estrutura do País.

O aspecto que mais preocupa, no entanto, refere-se à forma como as autoridades encaram os dados aqui analisados. Vestem a máscara da austeridade e do rigor fiscal para já pavimentar a via para o discurso da necessidade de elevar a taxa de juros e cortar ainda mais os gastos orçamentários. Como sempre, mais uma vez, acenando com o fantasma da inflação. Realmente é impressionante a capacidade que temos de jogar fora as oportunidades que a História nos apresenta para rompermos o círculo vicioso da dependência e da desigualdade. Triste sina, essa nossa!

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Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte: Carta Maior