Falarei das expectativas em relação à presidente Dilma ou compromissos que, como todo mundo, eu também fiz comigo mesma para o ano que se inicia? Prometo fazer dieta, não faltar à academia, reduzir a carga de trabalho e o estresse, ficar mais em casa e com a família, viajar mais com meu filho. Ir mais ao cinema e cuidar mais de meu jardim. Contemplar mais vezes o entardecer sobre o lago, o sol morrendo atrás da Ponte do Bragueto enquanto as garças voejam e um casal de quero-quero faz rasantes sobre o gramado. Eu prometo, mas sei que não resisto aos chamados da vida embora esteja decidida a reduzir a velocidade.

Venho para o computador, mas as imagens que deixei na ilha não se despregam de mim. E elas me dizem que preciso falar, ainda um pouco mais, destes anos felizes e sofridos, estimulantes e decepcionantes,

extraordinários e banais, esses anos irrepetíveis, depois dos quais nada mais será como antes no Brasil. Já falei do legado de Lula no artigo de dezembro, já dirigi uma série de TV falando disso.

Agora estou me referindo a um tempo, não exatamente a um governo. Um tempo em que Lula esteve no centro da nossa vida e isso vale para os que o admiraram como para os que o odiaram, para os que o apoiaram como para os que desejaram seu fracasso e mesmo sua derrubada. Um tempo é mais que um governo embora todo governo faça parte de um tempo.

O tempo em que vivemos sob Lula foi especial pelas razões já tão apontadas: porque alguém nascido do povo finalmente governava para o povo e fazia isso de modo absolutamente natural, com uma autenticidade irritante para os cultores do poder representado; porque, sem tisnar interesses, seu governo moveu o equivalente a uma França, fazendo com que 50 milhões de brasileiros ascendessem na escala social, para desgosto dos que desconhecem completamente o sentido da pobreza; porque, apesar da ampla aprovação popular, foi quase regra, nos meios de comunicação, retratar Lula como bravateiro tosco, senão como farsante; porque, apesar destas crônicas domésticas, lá fora existiu outro Lula, não apenas líder do Brasil e de nossa região, mas portador de nova mensagem na política internacional, que resultou em novos consensos e novos instrumentos de decisão multilateral, como o G-20 e a Unasul.

Um Lula que recebeu prêmios prestigiosos. O jornal francês Le Monde o escolheu como Homem do Ano em 2009. Logo depois o diário espanhol El País deu-lhe o título de Personagem Ibero-Americano e o Financial Times o incluiu entre as 50 personalidades que moldaram a década. O Forum Econômico de Davos deu-lhe o título de Estadista Global. Nem tudo foi resolvido em seu governo nem faltaram momentos de decepção. Faltou uma reforma política, avançamos pouco na saúde e na educação, não enfrentamos alguma questões delicadas, entre elas, a impunidade dos torturadores.

Mas os tempos que vivemos sob Lula ficaram também marcados por grandes mesquinharias que devemos nos esforçar para superar, agora que ele saiu da Presidência para voltar às ruas, como disse. Sob Lula, conhecemos o ódio de classe e, de certa forma, aos pobres. Chamaram o Bolsa-Família de bolsa-esmola. ]

Os que nunca acenderam uma lamparina desdenharam o programa Luz para Todos. O preconceito contra os nordestinos aflorou, sobretudo após a vitória de Dilma. Sob Lula, o jornalismo abandonou seus melhores cânones, colocou de lado as regras da boa técnica que fizeram da imprensa brasileira, sobretudo nos tempos da transição da ditadura para a democracia, uma das melhores do mundo. Sob Lula, a conjunção adversativa “mas” passou a frequentar as manchetes de jornais quando a notícia era positiva.

Agora vamos ser governados por uma mulher e, no que pese a novidade de gênero e o apoio de Lula, ela é branca, bem-nascida e tem curso superior, o que pode lhe render alguma boa vontade, pelo menos no início. Devemos aproveitar a lua de mel para deixar para trás, definitivamente, as torpezas e mesquinharias cometidas contra Lula e sob Lula, em grande parte porque lhe faltava um berço, um sobrenome, um diploma de curso superior e aquelas boas maneiras que só a elite conhece. A oposição pode ser mais eficiente sendo menos raivosa. A imprensa pode ser crítica sem ser preconceituosa.

Seremos mais felizes com menos idiossincrasias. Tenhamos todos um feliz 2011.

___________________________________________________________

Tereza Cruvinel é jornalista, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

Fonte: Correio Braziliense