A evolução da economia mundial não pode ser abordada sem considerar pelo menos três dos seus pilares fundamentais: a disponibilidade de terra fértil para a produção de alimentos e outras matérias-primas biológicas, de reservas geológicas para a extracção de matérias-primas minerais, e de energia para accionar as indústrias, os transportes e comunicações e outros serviços.

Ora o crescimento económico, como entendido pelo capitalismo, conduz mais cedo ou mais tarde a serem atingidos níveis de produção que já não são sustentáveis (quando a taxa de reposição natural é excedida) ou a exaurir recursos simplesmente não renováveis.

A presente crise anunciada como financeira afigura-se de facto multiforme e global, porque também apresenta sinais sérios de que os limites aqui referidos foram ultrapassados ou estão em vias de ser atingidos à escala planetária.

A Agricultura

Consideremos o solo para a produção agrícola.

A área presentemente cultivada em todo o mundo atinge 1.500 milhões de hectares. O decréscimo da produtividade de solos sobre explorados nuns casos e a saturação do efeito da adição de fertilizantes noutros, o crescimento da população mundial, o excesso alimentar em países afluentes e as alterações dietéticas em classes médias de países em ascensão económica, pressionam o alargamento da área agricultada. O negócio agro-alimentar encontra aqui oportunidades para expandir-se e acumular proveitos.

Sendo já escassa a margem de lucro nos países industrializados, procuram investir no latifúndio ultramarino, em administração directa ou por subcontratação. A crise que em 2008 agudizou e se manifestou também no agravamento do custo da generalidade de commodities, incluindo produtos agrícolas, acelerou a corrida a solo arável por todo o mundo, com maior incidência em África.

Nos últimos anos tem-se observado a expansão da terra agricultada ao ritmo de mais 2,7 milhões de hectares por ano (no período 1990-2005); mas atenção, a tendência é também para a deslocalização da produção agrícola: acréscimo de 5,5 milhões em “países em desenvolvimento” em contrapartida a decréscimo de 2,9 milhões em “países industrializados” mais “países em transição” (The World Bank, 2010 (a)). A deslocalização e expansão têm-se dado sobretudo para a África Subsaariana, América Latina e Sueste Asiático.

No período de 2004 a 2008, constatou-se uma verdadeira “corrida à terra” (land grab). As aquisições de terra atingiram 4 milhões de hectares no Sudão, 2,7 milhões em Moçambique, 1,6 milhões na Libéria, 1,2 milhões na Etiópia, etc. Os investidores foram maioritariamente nacionais mas a produção foi ainda relativamente escassa; o cenário está montado para a subsequente entrada directa ou indirecta de investidores estrangeiros e em força. Os impactes sociais e ecológicos destes mega projectos são potencialmente enormes, sobretudo em estados frágeis com governos vulneráveis.

O Banco Mundial estima em 445 milhões de hectares a disponibilidade potencial de solo fértil não cultivado, situando-se na África Subsaariana e na América Latina o grosso desse precioso stock. Esse montante é atingido considerando áreas não florestadas de solo fértil (entendido como apto a atingir 60% de produtividade padrão em alguma das seguintes culturas “industriais”: trigo, milho, soja, óleo de palma ou cana de açúcar, com recurso apenas a água precipitada) e com baixa densidade populacional (inferior a 25 habitantes/km2).

Mas para além de terra fértil inculta, o potencial incremento da produtividade de solos já em exploração (mediante irrigação artificial e fertilização) também atrai o investimento estrangeiro.

Consideremos a água doce para consumo e a produção agrícola e industrial.

O consumo global atingiu o montante colossal de 7.450 mil milhões m3/ano, em 2000, ou seja 1.240 m3/ano/capita, num largo intervalo que vai de 700 na RP China a 2.480 nos EUA (Hoekstra, A.Y. & Chapagain, A.K., 2004). A maior fracção é absorvida pela agricultura, no montante de 6.390 mil milhões de m3/ano, sendo metade na produção de cereal; mas atenção, a produção de carne e de certos produtos das indústrias extractivas e transformadoras é muito intensiva em consumo de água (que não aparece incorporada no produto final, e por tal motivo se designa “água virtual”). Assim, enquanto a água dispendida na produção de cana-de-açúcar anda por 175 m3/tonelada e no milho por 909, atinge 15.000 m3/tonelada para a carne da vaca e 20.000 para o café torrado.

A disponibilidade de água é um factor indispensável para a produção agrícola e por tal é vital para as populações residentes e cobiçada, tal como o solo fértil, pelo agro negócio. O Nilo é a mais extensa rede hidrográfica do mundo, sendo a sua água partilhada por nove países, desde o Mediterrâneo até aos Grandes Lagos no Centro de África (allAfrica.com, 2010; The World Bank (b), 2010). É também significativo que no Norte de África existam os dois mais extensos sistemas aquíferos de água doce do mundo (água subterrânea fóssil, não renovável), partilhados por seis países – Arenito da Núbia e Sahara Norte (The Nubiam Aquifer, 2010). Estas circunstâncias não são estranhas a disputas, investimentos, e manobras de intervenção por parte das potências estrangeiras que sabem do enorme valor económico desses recursos – escassos à escala planetária e sobretudo nos países “desenvolvidos”.

A produção Mineira

Ao longo da segunda metade do século XX entraram em cena muitos novos metais e outros produtos minerais com aplicações nas indústrias química e dos materiais, nas indústrias nuclear, aeroespacial e energética, semicondutores e electrónica, telecomunicações, informática, etc.

Nas décadas mais recentes, a procura de materiais com propriedades especiais para aplicações nestes vários domínios técnicos conduziu à inclusão da maioria dos 92 elementos da Tabela Periódica em produtos variadíssimos, e muitos deles integrados em bens de consumo massivo.

Nos anos 2000-2008 foi aparente, pela primeira vez a nível global, a escassez persistente de matérias-primas minerais. Uma análise baseada nos ritmos de crescimento do volume de produção e de crescimento do preço, identifica 27 produtos minerais como muito ou extremamente escassos no período de pré-recessão 2000-2008 (Chris Clugston, 2010). E, projectada no período até 2030, essa análise aponta com probabilidade alta ou quase certa a insuficiência de produção face à procura para 23 produtos, tendo em conta as reservas geológicas conhecidas e prováveis. Uma vintena de metais parece terem já passado ou estarem próximo de atingir a sua produção máxima.

De 41 minerais examinados, num estudo realizado por iniciativa da Comissão Europeia, 14 foram identificados como estando em défice de oferta: antimónio, berílio, cobalto, fluorite, gálio, germânio, grafite, índio, magnésio, nióbio, tântalo, tungsténio e ainda o “grupo da platina” (seis metais) e as “terras raras” (dezasseis metais). Enfatizando ainda que um factor crucial seria a concentração da produção em apenas quatro países: Brasil, China, Congo e Rússia.

Um estudo sobre as matérias-primas na economia alemã (Angerer et al, 2009) regista no período 1995-2006 um crescimento acentuado (60%) do custo das matérias-primas para a indústria transformadora, enquanto o custo do trabalho estagnou (0%) e o PIB cresceu 17% (preços constantes); constata que em 2006 os materiais pesavam já 43% na estrutura de custos da indústria transformadora (23% para o trabalho e 32% em capital); e assinala a vulnerabilidade das “tecnologias emergentes” da economia alemã face ao mercado global de uma vintena de metais especiais.

Como ilustração com particular actualidade tomemos o caso das “terras raras”, uma série de 16 elementos de transição. Elementos raros na crusta terrestre e avessos à concentração como minério em depósitos geológicos, têm contudo uma presença discreta mas essencial e muito vasta nas sociedades industrializadas contemporâneas. Existem muito poucos grandes depósitos geológicos de “terras raras” a nível mundial (Gordon Haxel et al, 2002); e no decurso das duas últimas décadas, a China veio a tornar-se, e de longe, o primeiro produtor mundial (James Kanter, 2010).

Tirando partido dessa circunstância excepcional, e assumindo uma política de protecção e valorização dos seus recursos, o governo chinês tem progressivamente reduzido, desde 2000, as quotas de exportação e anunciou este ano que irá implementar até 2015 medidas para concentrar e controlar a extracção e a exportação de “terras raras” – incluindo a proibição de exportação de cinco das mais valiosas (EurActiv, 2010), intenção que tem surgido com crescente insistência no noticiário internacional (Leslie Hook & Mure Dickie, 2010). O Japão concretamente tem sido penalizado pelas quotas que têm actuado como constrangimento ao plano de fabrico de carros híbridos e eléctricos pela Toyota e a Honda (Leo Lewis, 2009).

Outra ilustração da escassez de matérias-primas minerais, é a dos fertilizantes, cujo impacto na produção agrícola e alimentar é notório.

No período de pré-recessão 2000-2008 analisado por Chris Clugston (2010) os fertilizantes (Fosfatos, Azoto (amoníaco) e Potássio) estavam também incluídos entre os referidos 27 produtos minerais dados como muito ou extremamente escassos.

Neste contexto não surpreende que os fertilizantes estejam actualmente no centro de uma acesa disputa inter-capitalista, em que a anglo-australiana BHP Billiton, a maior empresa mineira privada do mundo, pretende a aquisição hostil da canadiana Potash Corp, por sua vez uma das maiores empresas do sector químico.

O caso dos fosfatos merece um comentário especial; sobretudo aplicados como fertilizante, as reservas mundiais concentram-se na China e em Marrocos (que ilegalmente ocupa, controla e explora as reservas do Sahara Ocidental); os maiores produtores mundiais são os EUA, China, Marrocos e Rússia, mas sendo Marrocos o primeiro exportador mundial. Ora os fosfatos têm importância vital e o ciclo de vida da sua produção tem o seu fim à vista no horizonte deste século (A.L. Smit et al, 2009; D.A. Vaccari, 2009); é alarmante que as reservas de fósforo estejam em degradação e caminhem para a exaustão (Dana Cordell, 2009) pois que dele depende a produtividade dos solos para a produção alimentar. Registe-se o incumprimento da Resolução do Conselho de Segurança 690(1991) da ONU que determina a realização de um referendo que permitiria ao povo saharaui assumir a sua auto-determinação, táctica de sabotagem tolerada pelas potencias Europeias e pelos EUA, enquanto prossegue o saque dessa riqueza do povo saharaui.

A Energia

Subjacente a todas as actividades económicas está a Energia.

A dinâmica e a sustentabilidade da evolução económica dependem e podem ser aferidas através do indicador produção/consumo de energia, particularmente dos combustíveis fósseis que asseguram a larga maioria da energia primária à escala mundial (81%, sendo 34% petróleo, 26 % carvão, 21% gás natural). Nesse aprovisionamento o petróleo ocupa o lugar primeiro, não só por ser a maior fracção, mas também por ser a de utilidade mais ampla, e a mais dificilmente substituível.

As reservas de petróleo encontram-se concentradas em regiões relacionadas com condições geológicas favoráveis à sua génese remota e ao seu subsequente armazenamento até ao presente. Dois terços das reservas encontram-se no interior de uma elipse cujo eixo SW-NE corre do Médio Oriente à Sibéria Ocidental; do restante, a maior parte formou-se no fundo oceânico do Atlântico primitivo em processo de abertura, encontrando-se agora nos golfos do México e da Guiné e em regiões contíguas.

Actualmente, a forte concentração de reservas e da produção encontra-se ilustrada pelo facto de apenas pouco mais de cem campos (reservatórios) gigantes e super-gigantes assegurarem metade da produção mundial. Com as sombrias notas adicionais que os super-gigantes são todos campos envelhecidos e quase todos já em declínio, e os milhares de pequenos campos implicarem muito mais pesados custos de produção.

Ora a produção mundial de petróleo, tendo tido um crescimento exponencial desde 1900 até à década de 1970, atingiu o seu pico nos EUA em 1971, sofreu um primeiro e um segundo choque petrolífero em 1973 e 1979, tendo desde então exibido um crescimento mais moderado. Em 2005 a produção atingiu um patamar irregular, entre 83 a 88 Mb/d (milhões de barris por dia), no qual o agravamento de preço no Verão de 2008 se insere (OCDE/IEA, 2008; Rembrandt Koppelaar, 2009). Desse nível atingido, 73 Mb/d é petróleo convencional de alta qualidade e maior acessibilidade. A contribuição de outros hidrocarbonetos líquidos (petróleos ultra-densos, polares, betuminosos, líquidos de gás natural, etc.) tem crescido significativamente desde a década de 1960, e atingiram já 13 Mb/d em 2008 (i.e. 15% de todos os líquidos). Estes recursos têm colmatado o défice de petróleo convencional, mas são mais escassos ou menos acessíveis ou de inferior qualidade e consequentemente têm menor valor económico. Quanto aos propagandeados agro-combustíveis (tão controversos) a sua contribuição é de cerca de 1% no conjunto de todos os líquidos.

Os países associados na OPEP-12 – Arábia Saudita, Irão, Iraque, Kuwait, Venezuela, Qatar, Líbia, Emiratos Árabes Unidos, Argélia, Nigéria, Equador, Angola – atingiram um patamar de produção de petróleo a 35 Mb/d, ao passo que o resto do Mundo atingiu 51 Mb/d. Dos produtores exteriores à OPEP devemos destacar, pelo maior volume de produção de petróleo (líquidos totais no final de 2008: Rússia (10 Mb/d), EUA (7,7 Mb/d), China (3,8 Mb/d), Canadá (3,4 Mb/d), México (3,1 Mb/d), Brasil (2,5 Mb/d); Noruega (2,5 Mb/d), Reino Unido (1,6 Mb/d), Cazaquistão (1,4 Mb/d), Azerbeijão (1,1 Mb/d) – que só por si somam 37 Mb/d, ou seja outro tanto quanto a OPEP. Dos países referidos apenas oito – Arábia Saudita, Iraque e EAU no que toca à OPEP, e China, Canadá, Brasil, Cazaquistão e Azerbaijão entre os restantes – têm potencial para ainda incrementar a actual capacidade produtiva, os restantes encontrando-se já em fase de declínio de produção (C. J. Campbell & Siobhan Heapes, 2008).

No que toca ao consumo, este tem decrescido irregular e lentamente na área da OCDE, cerca 2Mb/d de 2005 a 2008, ao passo que cresceu consistentemente na OPEP, cerca de 2 Mb/d de 2003 a 2008, com destaque para a Arábia Saudita e o Irão. A Ocidente, nos EUA e na UE-27 o consumo de petróleo estacionou no último quinquénio, com sinais de tendência para decréscimo. No Oriente, no último quinquénio, o consumo tem persistido em lento declínio no Japão e estacionário na Coreia do Sul, mas tem exibido tendência ascendente quer na Índia (+0,5 Mb/d) quer na China (+1 Mb/d, atingindo agora 7 Mb/d).

Estas evoluções do consumo de energia são indicativas da evolução da actividade económica, com reflexo em outros sectores económicos, e nos indicadores de desempenho económico e social destes países.

O comércio mundial de petróleo é enorme em termos físicos e financeiros. Até ao último trimestre de 2004 a sua tendência foi ascendente. Daí até ao último trimestre de 2008 o fluxo de exportação/importação manteve-se em torno de 46-48 Mb/dia, dos quais 29 a 31 Mb/d exportado pela OPEP e 17 a 18,5 Mb/d por países restantes.
A OPEP-12 detém 44% da produção mundial e mais de 60% da exportação mundial, predomínio que tende a reforçar-se.

Na larga maioria dos países grandes exportadores (Arábia Saudita, Rússia, Noruega, Venezuela, Irão, EAU, Kuwait, Angola, Líbia, Argélia, México, Qatar) a produção e a exportação são controladas por monopólios estatais. São países em que as receitas da exportação de petróleo e gás representam a principal ou uma das principais fontes de divisas, que alimentam o rápido crescimento do rendimento interno e permitem investimentos vultosos – o que induz a absorção de uma fracção crescente da produção em consumo próprio. Esta é mais uma razão para que a produção disponível para exportação tenda a diminuir, por essa via contribuindo para agravar o estreitamento do mercado internacional – e pressionar em alta o preço do petróleo.

Relativamente ao gás natural, a situação é comparável à do petróleo, a começar pela sua génese geológica e ocorrência geográfica. Mas a concentração das reservas é ainda mais acentuada: Rússia, Irão e Qatar detêm conjuntamente cerca de 55% das reservas mundiais e quase metade da produção é assegurada por apenas 25 reservatórios (campos) gigantes.

Mas diferentemente do petróleo, o comércio internacional do gás é sobretudo regional (dada a maior dificuldade de transporte intercontinental e a maior dificuldade de armazenamento). Para a União Europeia, o diálogo a Leste com a Rússia e a Sul com a MENA (Médio Oriente e Norte de África), em vista da dita “segurança” de aprovisionamento, é sintoma de uma dependência incontornável.

As grandes empresas petrolíferas encontram-se entre as maiores do mundo, em grau de concentração de capital, vendas e proveitos, ainda que no período 2005-2010 a taxa de crescimento anual de vendas (6%/ano) tenha ficado por metade do verificado nos sectores da banca ou de produtos farmacêuticos e biotecnologias.

A gravidade e alcance económico da crise energética é percepcionada pelo Comissário Europeu para a Energia, que recentemente escreveu que uma nova crise petrolífera nos espera, que os preços poderão saltar para 200 US$/barril nos próximos anos, e que os preços presentemente moderados apenas nos oferecem algum tempo de reacção para nos prepararmos para os tempos mais difíceis que estão para vir. Todavia é incapaz de formular e tomar medidas de política correspondentes.

Também a Agência Internacional de Energia, que tradicionalmente reflecte a opinião dos governos da OCDE e os interesses da grande indústria, em vista da imposição das evidências, vai de ano para ano refazendo o seu discurso e moderando as suas projecções de crescimento exponencial. O World Energy Outlook 2008 começa assim: “O sistema energético mundial está numa encruzilhada. As actuais tendências globais de produção e consumo de energia são patentemente insustentáveis – dos pontos de vista ambiental, económico, social. Mas tal pode e deve ser alterado; ainda há tempo para mudar o curso que prosseguimos.”

A dimensão do esforço necessário para manter o presente patamar de produção de petróleo é enorme: o equivalente a pôr em produção mais uma nova Arábia Saudita ou Rússia de quatro em quatro anos. O esforço de investimento necessário para manter o actual nível de produção de energia primária (e adicionar um pequeno crescimento de 1,6%/ano) e secundária (com destaque para a energia eléctrica) estima-se atingir um milhão de milhões US$ por ano.

As energias renováveis, com o auxílio das quais a humanidade chegou até ao limiar da Revolução Industrial, têm sido apresentadas como alternativas salvadoras para os graves défice e inconvenientes dos combustíveis fósseis. Substanciais progressos e investimentos têm sido alcançados e feitos para a sua promoção. Todavia o ritmo da sua expansão está condicionado pela disponibilidade de energia fóssil e de matérias-primas minerais bastantes. O capital não estava habituado e não entende tais constrangimentos colocados pela economia real às taxas de retorno a que estava habituado, que ambiciona ou de que carece.

A crise energética afigura-se inultrapassável no presente quadro conceptual e institucional. E é um travão ao crescimento económico. A finança poderá querer manter um crescimento fictício, mas a expensas de acrescidos danos sociais, enquanto os povos o tolerarem.

Imperialismo e Crise

A crise do capitalismo é também a subordinação à dinâmica do capital financeiro e a incapacidade de entender a natureza e as limitações impostas pelos factores naturais na produção económica. O choque do preço do petróleo, demais combustíveis fósseis e matérias-primas e alimentos com forte incorporação de energia, em 2008, e a subsequente quebra de produção e queda de preços, conduziu o sistema capitalista a adiar investimentos em novos projectos em vista de serem progressivamente mais dispendiosos, demorados e com período de retorno mais longo (Michel Mallet, 2009; Ed Crooks, 2009). Esta opção em subordinar a racionalidade económica ao paradigma financeiro, terá como consequência o agravamento das actuais circunstâncias económico-sociais e a indução de renovados estrangulamentos e choques, quando forem tentadas retomas futuras.

O lado geoestratégico do aprovisionamento de energia está enfatizado pela concentração (presentemente cerca de 2/3), que se vais acentuando, das reservas remanescentes quer de petróleo quer de gás numa “vasta” mas “estreita” faixa entre o Médio Oriente e a Sibéria Ocidental. Bem como pela concentração do controlo da produção e exportação num pequeno número de grandes monopólios estatais (NOC), sem prejuízo de parcerias com grandes companhias internacionais (IOC), o que confere ao “negócio dos hidrocarbonetos” uma importância e uma aproximação à dimensão de “negócios estrangeiros” dos respectivos países. A Agência Internacional de Energia admite que uma grande reestruturação prossegue na indústria de prospecção, extracção e comercialização internacional de hidrocarbonetos (“upstream”), com as NOC a desempenharem um papel de ainda maior destaque no futuro, em particular assegurando 80% da produção adicional futura (essencialmente a substituição da produção em declínio).

A produção de matérias-primas – minerais e orgânicas – por força do crescimento do seu volume e da degradação da qualidade da base de recursos tradicional e dispersa em que tem sido produzida, deslocaliza-se e concentra-se agora em algumas poucas áreas produtoras e dá suporte a “economias emergentes”.

Os solos e a água doce necessários às actividades agrícolas degradam-se e escasseiam, e aquisições ou investimentos em África e na América Latina procuram assegurar a expansão ou a mera renovação de recursos insuficientes, degradados ou exauridos.

A grande indústria mineira disputa recursos além fronteiras enquanto alguns países impõem medidas proteccionistas, à medida que reservas e teores declinam, minas encerram e stocks se esgotam. Uma dúzia de países detém o grosso da produção de dezenas de metais e outras substâncias escassas não substituíveis.

Pelo contrário, as economias industrializadas tradicionais vêem-se constrangidas pela relativa indisponibilidade de energia e de variadas matérias-primas essenciais às designadas “altas tecnologias” ou de importância “estratégica” através das quais afirmam a sua força política e militar e competem no comércio no plano internacional.

A grande crise financeira que se desenvolveu e eclodiu em 2008 enquadra-se ou converge com manifestações de crise de aprovisionamento de bens que estão nos alicerces da actividade económica e que como tal são essenciais à estabilidade e opulência das sociedades “desenvolvidas”, como são à sobrevivência de sociedades “sub-desenvolvidas”: energia (combustíveis líquidos em particular), água para irrigação e abastecimento, solos férteis e produtivos, fertilizantes, bens alimentares bastantes, e bens de consumo massivo (desde os supérfluos aos indispensáveis).

Esta crise, recessão económica prolongada com profundo impacto social potencialmente conducente a uma depressão global, é coincidente com una vaga de concentração de capital e acentuada sobreprodução. Porém, pela primeira vez, a sobreprodução coincide com a escassez não superável de um largo leque de produtos minerais insubstituíveis. Esta circunstância nova sugere que a saída desta crise capitalista não passará por soluções já experimentadas no passado ou antecipáveis, nem conduzirá a um período de expansão e ao retorno a um mundo já conhecido, como aconteceu em fenómenos anteriores.

Isto também significa que a “superação” da crise financeira não resolve os constrangimentos materiais em que o sistema económico se encontra, e que uma nova ordem de organização da produção e da sua repartição deverá ser instituída.

A evolução para um mundo policêntrico, dos pontos de vista económico e político, abre caminho à ascensão da competição inter-capitalista, e pode suscitar reacções de conflito e até agressão, se não directa entre os principais protagonistas, então interpostas, ou ainda pela cativação de áreas de influencia ou mesmo dominação militar. Os sinais de “guerra cambial” e de “guerra comercial” que se vêm registando ao longo de 2010 são sintomas preocupantes.

Em contraponto à difusão do progresso técnico, à ascensão económica e a ganhos sociais em várias partes do mundo, o imperialismo procura manter a velha ordem. Para o que carece de criar inimigos e de suscitar divisões para justificar a imposição forçada ou até a subjugação militar. Neste sentido, alianças político militares, designadamente a NATO, são uma ameaça à segurança dos povos e à paz no mundo. E tal como destroem, também distraem da atenção e esforço urgentemente necessários para a resolução dos problemas que afligem a humanidade.

Versão completa do artigo “Escassez de recursos e crise imperialista”, publicado in “Portugal e a UE” (GUE/NGL), Novembro 2010, n.º 59, pp 26-30.

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Fonte: ODiario.info