Primeiro, a carga tributária brasileira não é a mais alta do mundo.

Uma comparação honesta com países como França e Alemanha serve para desmistificar o mantra. Se há algum prêmio que a tributação brasileira merece é, na verdade, o de carga mais injusta. Como a base da arrecadação está vinculada a tributos sobre consumo e produção, são as pessoas de menor renda que acabam sentindo mais o peso dos impostos. Enquanto isto, um banqueiro paga a mesma porcentagem de Imposto de Renda que um miserável professor, ou seja, 27,5%.

Neste sentido, qualquer discussão séria a respeito da reforma tributária deveria começar por propostas que visassem, paulatinamente, substituir as tributações sobre consumo e produção por tributações progressivas sobre renda.

Este seria um capítulo fundamental para a implementação de políticas concretas de combate à desigualdade social.

Tal substituição passa, entre outras coisas, pelo aumento de impostos para os 2% mais ricos da população, assim como criação de mecanismos como impostos sobre grandes fortunas, impostos sobre herança e impostos sobre consumo de luxo. Ela passa, também, pela retomada de impostos como a CPMF: talvez o imposto mais justo criado no Brasil, já que tributa mais aqueles que têm grandes operações financeiras e visa subvencionar programas sociais. Neste sentido, talvez seja o caso de dizer: no Brasil, precisamos de mais impostos para os ricos e mais benefícios sociais para os pobres.

É claro que haverá aqueles que se indignarão afirmando que o Estado é mau gerente, que comparar os impostos no Brasil e em países europeus é desonesto, já que tais países oferecem serviços sociais de qualidade a seus cidadãos.

Bem, sobre o segundo ponto, valeria a pena simplesmente lembrar que eles podem fornecer tais serviços exatamente porque os impostos são altos. Além do que, em um país continental como o Brasil, onde, por exemplo, criar um sistema público de saúde significa desenvolver uma estrutura logístico-gerencial para um território com a extensão de toda a Europa (à exceção da Rússia), não haverá melhoria dos serviços públicos sem grandes investimentos estatais.

Por outro lado, a criação de um corpo gerencial estatal de alto nível e estável deve ser visto como um dos grandes desafios da política de nosso tempo. Mas não é pregando o desmonte do Estado que faremos isto. Até porque o mundo seria muito mais simples se problemas gerenciais fossem apanágio apenas do Estado. Pelo que se sabe, Lehman Brothers, Citibank, AIG, General Motors não são nem eram exatamente empresas estatais.

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Professor no departamento de filosofia da USP

Fonte: jornal Folha de S. Paulo