O presidente está furioso com o comportamento dos Bleus na África do Sul. Mas adianta que foi Henry, e não ele, quem pediu o encontro. Será? O ceticismo é válido porque Sarko enviou para a África do Sul sua ministra dos Esportes, Rosalyne Bachelot. Objetivo: lidar com aquela zorra provocada pelos Bleus. Claro, ela tinha de defender os valores e símbolos franceses: a bandeira tricolor, a Marseillaise… Sarko e Bachelot se inquietam com a honneur da pátria. Mas por que Sarko não defendeu o honneur da França quando Henry usou sua mão esquerda para os Bleus fazerem um gol? Foi pior Anelka, ícone nacional, dizer para o técnico Raymond Domenech, mesmo se no vestiário: “Va te faire enculer, sale fils de pute”.

Bachelot disse, em alto e bom som, que os jogadores franceses, ao contrário daqueles vencedores da Copa de 1998, já não são heróis para os enfants de la patrie. A coisa é tão séria que vai haver, ainda, pesquisa oficial. Enquanto isso, o capitão do time, Patrice Evra, anuncia que vai contar a história tintim por tintim. Evra jogou pimenta no campo para atiçar os curiosos: “Houve várias razões (para o fiasco). E quando souberem a verdade, algumas pessoas perdoarão o time francês”.

Aos fatos. Anelka, após suas palavras pouco polidas direcionadas ao técnico Domenech, foi expulso do time pela Federação Francesa de Futebol. O time, enfurecido, se rebelou. Greve. Decide não treinar antes do jogo contra o time da África do Sul. Na sequência, Domenech separa uma iminente briga entre Evra e o preparador físico, este chocado com a atitude do time francês. Os Bleus não treinam. Valentin, o diretor-delegado da Federação Francesa, pede demissão. Domenech, humilhado, lê um comunicado dos Bleus na tevê – no comunicado explicam por que estão em greve. Tanto Domenech quanto o preparador físico se expressam na tevê: patéticos.

No domingo 20, em plena crise, sou convidado pela TF1, maior rede europeia de tevê, para assistir ao Brasil contra a equipe da Costa do Marfim. Vimos o segundo gol de Luís- Fabiano. Chapéus bonitos. Mas sem os braços não haveria um segundo gol do Brasil. E, convenhamos: o segundo gol e um resultado de 2 a 0 facilitaram as coisas. Mais impressionante foi ver, naquela telona da TF1, o sorriso do árbitro para o autor do gol. O juiz sabia. Hipocrisia da Copa: gol de mão vale?

Descem comentaristas da TF1 para tomar um trago. Robert Pires, campeão do mundo em 1998, repete o que havia dito ao vivo: “Não entendo. Eles poderiam ter derrubado o Domenech antes. Mas agora? Eles têm de vestir a camisa e jogar”. Outros contemporâneos, mais preocupados em como a crise provocava o imediato sumiço de patrocinadores, como o banco Crédit Agricole, pareciam inquietos com a queda das ações da TF1. Mesmo assim, no coquetel na sede da emissora havia champanhe a rodo, sushi, pratos de ravióli, salgados e petit-fours refinados.

Isso foi antes da derrota da França para a África do Sul, por 2 a 1. Domenech não cumprimentou o brasileiro Carlos Alberto Parreira, técnico do time sul-africano. Parece que Parreira criticou a França. Domenech não quis dar explicações. A imprensa certamente já havia abalado o francês. L’Equipe, o diário de esportes, tinha publicado que, ao ler o comunicado dos Bleus, Domenech havia “perdido sua última oportunidade de mostrar um pouco de estilo e coragem”. O time francês estava em greve porque tinha medo de perder da África do Sul.

A equipe, quando comparada com Brasil, Itália e Alemanha, não passa de um mito. Venceram a Copa de 1998. Em 2006, graças em parte à valente cabeçada de Zidane em Materazzi, perderam a Copa. E aquele time multiétnico é outra fábula. Alain Finkielkraut, entre os mais respeitados filósofos da França, escreveu, indignado, que o time (desta feita com mais negros que magrebinos) não representa a França. Ele propõe, para a próxima Copa, um time de gentlemen.

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Fonte: revista CartaCapital