Na Câmara dos Deputados, a homenagem será na próxima terça-feira, dia 11, em Sessão Solene proposta pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP). A esposa Marina Baird Ferreira e o filho Aurélio Baird Buarque Ferreira são convidados de honra. O alagoano Lêdo Ivo, membro da Academia Brasileira de Letras, já confirmou presença na Sessão Solene.

Aurélio: vida, obra e seus vários mundos

Biografia elaborada para as comemorações do centenário – Governo do Estado de Alagoas

Foi em 03 de maio de 1910, nos confins da região norte de Alagoas, na pequena cidade de Passo de Camaragibe (um quase litoral cercado por escassas plantações de cana-de-açúcar), que nasceu o homem que se tornou sinônimo da palavra “Dicionário”. Em meio à pobreza e à conhecida ausência de oportunidades que continuam a fazer parte da vida da maioria dos alagoanos, criou-se Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.

Aos nove meses de idade, o filho do pequeno comerciante Manuel Hermelindo Ferreira e de Maria Buarque Cavalcanti Ferreira mudou-se com a família para Porto de Pedras, cidade vizinha a Passo de Camaragibe, onde viveu de fato a sua infância e de onde guardou boa parte do sempre saudoso imaginário de suas raízes.

Tendo como cenário de menino o inigualável azul-esverdeado – ou verde-azulado – mar de águas límpidas e tranquilas do ermo pedaço de litoral, Aurélio Buarque de Holanda cresceu entre as lendas e os causos típicos do interior.

Aprendeu a ler em casa com a mãe e só entrou para a escola aos seis anos, onde estudou com a professora Palmira Cardoso, figura que ele nunca esqueceria por causa dos seus modos rígidos de ensinar. Ela seria retratada, anos depois, no conto “A Primeira Confissão”.

Mesmo envolto nas limitações financeiras de sua família e na atmosfera culturalmente pobre de onde passou a infância, foi exatamente nessa fase da vida que o dicionarista foi conquistado pelas palavras. “Lembro-me que, desde os sete anos, quando aprendi a gostar de ler, a apreciar a leitura, a descobrir o mundo através das palavras em um velho livro texto de Felisberto de Carvalho, desde os meus sete anos leio poesia, o que me faz íntimo das palavras, a ponto de poder dizer, hoje, que amo a poesia. Sim, amo e sempre amei a poesia”, disse, certa vez.

Sobre a misteriosa força que lhe empurrava para um universo completamente distante e diverso daquele que o abrigava, Aurélio declarou em uma entrevista de 1949 à Revista do Globo: “Não saberia dizer-lhe. Não foi por certo o ambiente familiar nem qualquer professor. Pelo contrário, nunca pessoa alguma soube orientar-me no estudo da língua ou em qualquer outro estudo, o que, somado às dificuldades dos meus primeiros tempos de menino e de rapaz, teria dado para desistir, se a curiosidade e a possível vocação não fossem mais poderosas do que tudo”.

A sua constatação olhando para o passado de sua infância faz todo sentido. Na humilde casa de seus primeiros anos de vida não havia sequer um dicionário. O único, de Simões da Fonseca, a irmã levou consigo ao casar-se, e, mesmo quando o livro ainda estava em casa, o pequeno Aurélio não tinha permissão para consultá-lo à vontade.

“Passei a viver sonhando com a delícia de possuir um livro dessa espécie, mas, como adquiri-lo se meu pai se queixava sempre da ‘crise pavorosa’? Tempos mais tarde vim a descobrir no cartório do tabelião de Porto Calvo – José Bonifácio de Paula Cavalcanti, aliás aparentado comigo – o dicionário de Jaime de Séguier. Aí então fartei-me. Quando queria decifrar o sentido de alguma palavra, corria ao tabelião – e o gordo volume desvendava-me os mistérios vocabulares”, relembrou o dicionarista durante a mesma entrevista .

Aos dez anos de idade, Aurélio mudou-se novamente com a sua família. Na cidade de Porto Calvo, ele passou três anos, continuando os estudos na escola primária do professor José Paulino. Em um de seus muitos textos sobre o amigo, o poeta Carlos Moliterno escreveu que os progressos do jovem Aurélio nos estudos eram tais que seu professor decidiu ensinar somente a ele análise sintática e francês.

“De sua permanência em Porto Calvo, recorda-se Aurélio do rio onde aprendeu a nadar e da velha igreja, a mais importante da cidade, onde havia uma imagem enorme do Senhor dos Passos, que no silêncio do templo impressionava. E lembra-se também das lendas que ouvia sobre a antiga cidade – histórias do tempo da guerra holandesa”, escreveu Moliterno no texto intitulado “O Menino e o Homem”.

No ano de 1923, então com treze anos, o menino Aurélio, que começava a deixar a infância e mais tarde se tornaria ensaísta, filólogo e lexicógrafo, foi morar em Maceió, onde estudou no colégio Adriano Jorge e fez os preparatórios no Liceu Alagoano. Dois anos depois, já dava aulas particulares de português e ingressava no magistério. Aos 15 anos, dava aulas no curso primário do Ginásio Primeiro de Março e passava a se dedicar com afinco ao estudo da língua e literatura portuguesas.

Foi nessa época que Aurélio teve que interromper os estudos para trabalhar. O pequeno negócio que mantinha a família ia mal e o seu pai lhe pediu que passasse a ajudar na renda da casa. Conseguiu um emprego numa antiga casa comercial da capital para ganhar 60 mil réis, dinheiro que lhe possibilitou encomendar sua primeira roupa de casimira para vestir no Natal.

Apesar do ofício no comércio, o jovem não deixou de lado a sua dedicação às letras. Os primeiros versos foram escritos nesse período.

Em 1926, Aurélio trocou de emprego, indo trabalhar na companhia americana Texas, recebendo um salário de 100 mil réis. Trabalhou na empresa por apenas um mês. Em entrevistas, o dicionarista relembra com lamento da demissão injusta e sem motivação, segundo ele. Porém, um texto do escritor Carlos Moliterno conta que a gerência da casa demitiu o servente e mandou o jovem Aurélio varrer o chão e limpar a placa da firma, o que ele teria achado deprimente, pois datilografava cartas e melhorava o português do gerente.

Após o episódio e sem emprego, ele começou a publicar versos no jornal da Arquidiocese, o Semeador. Para ganhar algum dinheiro, Aurélio passou a dar aulas particulares até ser chamado, em 1928, para ensinar no Orfanato São Domingos, onde foi professor durante cinco anos.

Mesmo escrevendo pouco, o dicionarista freqüentava as rodas literárias de Maceió da época. No início dos anos 30, uma verdadeira constelação de talentos se reunia com frequência para falar sobre literatura, artes e afins.

Graciliano Ramos chegou à Capital para ocupar o cargo de diretor da Imprensa Oficial do Estado de Alagoas e passou aos mais jovens a sua paixão pela literatura, apesar de o autor de Caetés ainda ser inédito. No gabinete do Mestre Graça e no café Ponto Central, as conversas se prolongavam entre escritores, entusiastas, médicos, artistas e professores.

Faziam parte da “roda de amigos” de Aurélio outros notáveis, como José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Valdemar Cavalcanti, Raul Lima, Aloísio Branco, Jorge de Lima, Santa Rosa, Carlos Paurílio, Barreto Falcão, Diegues Jr. e Alberto Guimarães Passos.

Vários dos mais importantes livros da moderna literatura brasileira foram escritos em Maceió nessa época, como Angústia (de Graciliano Ramos), Menino de engenho, Doidinho, Banguê, e parte do Moleque Ricardo (de José Lins do Rego).

Em 1933, Aurélio mudou-se para o Rio de Janeiro, mas passou apenas um ano e retornou a Maceió, onde passou a trabalhar na prefeitura. Três anos depois, conseguiu-se formar-se em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Nesse mesmo ano, tornou-se professor de Língua Portuguesa e Francesa e de Literatura no Colégio Estadual de Alagoas.

Em 1937 e 1938, assumiu o cargo de diretor da Biblioteca Municipal de Maceió e, cumulativamente, o de Diretor do Departamento de Estatística e Publicidade da capital alagoana. No final de 1938, numa curiosa ironia, o jovem amante das palavras foi convidado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para fazer um estágio de especialização em estatística no Rio de Janeiro, cidade onde passaria o resto de sua vida.

Lá, começou a escrever artigos e contos para jornais e revistas e iniciou seus primeiros passos na carreira que lhe transformaria numa das maiores referências da língua portuguesa. Ele seguiu no magistério, ofício que exerceu até os 70 anos, ensinando Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Colégio Pedro II e no então Colégio Anglo-Americano. Dona Marina Baird, viúva do dicionarista, conta que ele era um professor nato e adorava ensinar.

Entre os anos de 1939 e 1943, Aurélio foi secretário da Revista do Brasil. Em 1941, ele iniciou o seu trabalho de lexicógrafo, colaborando, sob recomendação do amigo Manuel Bandeira, com o Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa, da editora Civilização Brasileira.

Nessa época, Aurélio também se dedicava à revisão de textos. Passaram pelo seu exigente olhar livros de escritores consagrados, como Manuel Bandeira, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.

O seu primeiro livro, Dois Mundos, premiado pela Academia Brasileira de Letras, foi lançado em 1942. No ano seguinte, trabalhou no Dicionário Enciclopédico do Instituto Nacional do Livro. Em 1945, publicou o ensaio “Linguagem e Estilo de Eça de Queirós”. Nesse mesmo ano, participou do I Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo, e lançou, com o amigo Paulo Rónai, o primeiro dos cinco volumes da coleção Mar de Histórias, uma antologia de contos da literatura universal.

Ainda em 1945, casou-se com Marina Baird, com quem teve dois filhos, Aurélio e Maria Luísa, e cinco netos. Entre 1947 e 1960, produziu textos para a seção O Conto da Semana, do suplemento literário do Diário de Notícias.

A partir de 1950, começou a escrever para a revista Seleções, do Reader’s Digest, na seção Enriqueça o Seu Vocabulário. Oito anos depois, reuniu todos os artigos que produziu para essa seção, publicando-os em um livro com o mesmo título.

De 1954 a 1955, Aurélio foi contratado pelo Ministério das Relações Exteriores para lecionar Estudos Brasileiros na Universidade Autônoma do México. Seis anos depois, o dicionarista foi eleito para a cadeira nº 30 da Academia Brasileira de Letras (ABL), anteriormente ocupada por Antônio Austregésilo.

Apesar de todas as conquistas do menino pobre de Passo do Camaragibe, Aurélio Buarque de Holanda, nessa época, ainda não havia realizado o maior sonho e o mais importante trabalho de sua vida: o seu próprio dicionário.

Cada vez mais apaixonado e envolvido pelo mistério contido nas palavras, o mestre, em suas pesquisas sobre o idioma, “escarafunchava” livros, escritos e o falar das pessoas.

A primeira edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, conhecido como Dicionário Aurélio ou Aurelião, levou mais de cinco anos para ficar pronta e foi lançada no ano de 1975. Em 1977, ele publicou o Minidicionário da Língua Portuguesa, que também é chamado de Miniaurélio, e, em 1989, ano de sua morte, foi lançado o Dicionário Aurélio Infantil da Língua Portuguesa, com ilustrações de Ziraldo.

Aurélio também traduziu várias obras, como Poemas de Amor, de Amaru; Pequenos Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire; e os contos para a coleção Mar de Histórias.

O dicionarista faleceu no dia 28 de fevereiro de 1989, no Rio de Janeiro, vítima de Mal de Parkinson.

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Fonte: Portal do Deputado Aldo Rebelo