O que existe de real e visível a léguas de distância para quem não se deixou cegar pela “Operação Lava Cérebro” desse país minúsculo recheado de mandos e desmandos, sobreposto ao Brasil de verdade, é o estardalhaço natural de quem inventa fatos — principalmente porque lhe faltam glórias próprias — para cravar seus tentáculos no tecido social de onde ele tira o tutano que lhe mantém adiposo e arrogante. Para a sua lógica política, o Brasil de verdade não pode ter processos sociais funcionando democraticamente porque isso quebraria a engrenagem do seu modus operandi.

Essa gente passou a vida, de geração em geração, trocando favores, construindo atalhos, traficando influência. Se todos os cidadãos tivessem assegurados os mesmos direitos, por meio de sistemas sólidos e funcionais, toda essa rede de relações obscuras, essa indústria da maracutaia, perderia o sentido. Se o sistema de transporte público fosse eficiente, o significado de ter um carro de luxo mudaria no país. Se os serviços de saúde púbica fossem azeitados, o fato de haver hospitais cinco estrelas seria irrelevante. Ladrões do Erário, sanguessugas dos trabalhadores e algozes da horizontalidade social, eles simplesmente abominam qualquer iniciativa política que questiona seu status quo.

Quando o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva galgou a rampa do Palácio do Planalto como presidente da República eleito em 2002, esse país da maracutaia coçou a cabeça e comoçou a maquinar formas de fazê-lo sair de lá, de preferência debaixo de chicote. E se possível levá-lo ao pelotão de fuzilamento ou à forca, para fazer o Brasil de verdade lembrar que no passado gente ousada como Frei Caneca e Tiradentes receberam o tratamento que se aplica aos brasileiros do andar de baixo que sonham com a liberdade e a independência. O sentido da afirmação é figurado, mas os métodos são os mesmos — tentam fuzilar a moral de Lula e enforcar sua dignidade.

Rede de esgoto

Tudo isso porque em seu governo ele deu forma definida a um anseio difuso que vinha ganhando corpo no país. Transformou-o num projeto político e nele engajou boa parte da sociedade. Óbvio que foram medidas que não passaram nem perto da superação das sequelas do patrimonialismo dessa elite, mas o Brasil atingiu um patamar de maturidade social que, se não for interrompido, fará emergir uma sociedade mais dinâmica e democrática, que não aceita o fardo da opressão e da exploração impendido o seu progresso. Ao ampliar o escopo da democracia, Lula garantiu a eleição e a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, um passo ousado e inaceitável para o país da maracutaia.

Vivemos numa realidade tão complexa que a construção de uma simples rede de esgoto em alguma periferia ou de uma estrada asfaltada que rasga os sertões rompe ao mesmo tempo o véu das relações sociais obsoletas que temos no Brasil. E olha que são medidas meia-sola, que nem de longe ameaçam o status quo. O problema é que o governo Lula se propôs a ir além e com essas pequenas ações sociais granjeou apoio popular para temas como política externa independente, desenvolvimento econômico, planejamento, papel do Estado e integração progressista da América Latina — assuntos que ganharam espaços no panorama político e no debate ideológico.

Procuradores de escândalos

Não há dúvida de que essa é a causa da faca da mídia no pescoço de Lula, com essa campanha absolutamente cretina e hipócrita de combate à corrupção, para tentar conduzi-lo imobilizado ao matadouro. A operação casada com a “República do Paraná” do juiz Sérgio Moro — outro grupo de alta periculosidade — criou um ambiente de julgamento paralelo ao Estado Democrático de Direito, à moda de justiceiros bem ao gosto da tradição do país da maracutaia, a maior farsa política da história brasileira. Não sem motivo os narradores dessa operação costumam dizer que ela é histórica — com ênfase no “tó” — e que a transformação de denunciados em réus — com ênfase no “ré” — mostra que as “instituições” funcionam.

A verdade é que um mínimo de seriedade ao analisar o cenário criado pela mídia revela que a justiça ao arrepio da lei é ágil em casos farsescos e cágada — a sílaba tônica fica a seu critério — para explicar suas ações. Convenhamos, não se faz justiça com pé no peito e faca no pescoço. Um país democrático e civilizado — não o do da maracutaia — deveria proclamar: deixem os poderes da República trabalhar e noticiemos o que eles fazem! E assim os procuradores de escândalos, os promotores de injustiças e os julgadores de farsas não teriam vez. E aí sim teríamos toda razão do mundo para clamar por justiça para todos — independente da cor ideológica de cada um. Mas rigorosamente não é disso que se trata atualmente no Brasil.