Seja qual for a conclusão, a atitude do senador é um retrato histórico do combate político brasileiro entre forças progressistas e conservadoras.

As razões que levaram o senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) a fazer a delação premiada em termos tão comprometedores para meio mundo são ainda desconhecidas. A versão panfletária da Folha de S. Paulo é de que ele se diz “um profeta do caos”, rechaçando os rótulos de vilão e de bandido. No mundo da realidade, não é possível dar razão a ele: quem faz acordo com bandidos não passa de bandido. Delcídio se aliou à torpe revista Veja na ação combinada com a “Operação Lava Jato” do juiz Sérgio Moro para jogar jornalismo marrom no ventilador golpista, ligado 24 por dia.

O grampo do conluio mídia-Lava Jato no ministro Aloizio Mercadante, que repetiu o figurino usado no filho do delator Nestor Cerveró, produziu uma peça grotesca, que fez os golpistas correrem até a janela, colocar a cabeça para fora e agradecer aos céus, aos brados, por essa nova oportunidade de atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff. Essa troca de pele de Delcídio — na verdade ele sempre foi um tucano vestido de petista — reforça as bravatas, o discurso fácil, o denuncismo estéril da mídia.

A jogada é espalhar cascas de banana

A tática é óbvia: fazer o campo governista gastar mais energia preciosa em bate-bocas fúteis e tentar levá-lo para longas caminhadas por becos sem saída. Ao mesmo tempo, desviar o país daquilo que realmente importa: lutar para o seu desenvolvimento, sanar suas mazelas sociais, gerar mais prosperidade e qualidade de vida para todos. A direita tem em conta que os ventos do ciclo Lula-Dilma sopram em direção oposta ao seu rumo e luta para fugir da segunda divisão do campeonato político. Por isso, abandonou o jogo democrático e incita a torcida a invadir o campo institucional — papel sem dúvida bem desempenhado pela mídia.

No centro do alvo estão os êxitos desse ciclo que fazem a direita olhar para frente e ver um cenário bem diferente daquele deixado por ela em 2002. Ou seja: os golpistas têm a convicção de que, no jogo limpo da sucessão presidencial em 2018, apesar da mídia o projeto de país que vem de 2002 se apresentará com força. A fim de evitar esse confronto democrático, a jogada é espalhar cascas de banana pelo caminho e armar emboscadas para resolver já, pela via golpista, o que deveria ser resolvido no término do mandato da presidenta Dilma Rousseff.

A oposição tem consciência de que num debate aberto e num processo político dentro das regras democráticas a maioria da população vai recobrar a percepção de um Brasil bem diferente daquele país alquebrado, em vários sentidos, por uma ditadura militar e por governos neoliberais que geraram desencanto cívico, estagnação econômica, debate político primitivo, corrupção institucionalizada em todos os níveis e baixa auto-estima em ser brasileiro. Há um projeto em curso como seguramente não temos desde Juscelino Kubitscheck. Há uma civilização se construindo, como só acontece em lugares que passam tempo consistente respirando os ares do debate democrático, refletido, e de consideração pelos anseios populares.

Outro lado da fronteira democrática

Essa é uma grande coisa para a situação e uma péssima informação para a oposição. Por isso, a direita não deixa o jogo ser jogado. Ao invés de termos onze jogadores vigiados por um juiz apenas, rigoroso, imparcial, que conheça o seu lugar e só apite quando e onde se fizer necessário, temos onze juízes enlameados da cabeça aos pés vigiando o mesmo jogador. Além dos vigaristas que povoam a mídia, entraram em campo promotores, delegados, procuradores, juízes e até artistas especializados na arte da canelada e da luta-livre circense.

Sobre o motivo — seja ele qual for — de Delcídio Amaral ter aderido a essa tática de jogo, há duas considerações a serem feitas. A primeira é a natureza do processo político brasileiro. Não há dúvida de que o Partido dos Trabalhadores (PT) paga o preço de não ter se protegido contra gente desclassificada como esse senador, agora também delator. A segunda é que a direita tenta se limpar criando um manto de fealdade para cobrir o cenário político brasileiro e emergir como a salvadora da pátria.

É preciso considerar que a direita sempre caminhou pelo outro lado da fronteira democrática para golpear qualquer projeto de país de corte nacional, por meio do conluio e da negociata. Eles não podem simplesmente jogar o jogo porque o escopo ideológico que lhe corre nas veias já há muito está superado pela história. O que há do seu lado no espectro político são oligarquias e forças golpistas que compõem duas faces de uma mesma moeda nada razoável e sem nenhuma chance de gerar um Brasil melhor. A direita tenta fugir dos rótulos — como o de golpista — que, não por coincidência, lhe caem bem.

Desenvolvimentistas de verdade

Seu projeto tem que prever a existência de perdedores, de um exército de excluídos, como forma de garantir seus privilégios. No âmbito político, o que para a o povo é considerado corrupção para os conservadores são apenas hábitos seculares. Para a direita, os sistemas democráticos não podem funcionar a contento porque se funcionassem eles definhariam a maior indústria brasileira, que perpassa todos os níveis de sua atuação, e atinge inclusive, acredite, o seu e o meu dia a dia: a da corrupção, do esquema, do caixa dois. Os conservadores instauraram por aqui, há muitas gerações, o império da gambiarra.

Não convém, para eles, que a democracia seja alargada. Onde impera a democracia de massas, os líderes da administração pública só chegam a seus cargos pelo voto do cidadão. No Brasil da direita, quando essa regra prevalece são enviados para Brasília, por meio das urnas dominadas pelo poder econômico, traficantes de drogas, estelionatários, mandantes de assassinatos, lavadores de dinheiro. Verdadeiros Manchas Negras e Irmãos Metralha — e alguns Superpatetas — posam de vestais, protagonizando situações tragicômicas, excruciantes, de desesperador ridículo. Gente habituada ao tráfico de influência e à falta de transparência dos acordos fechados entre quatro paredes fala de “ética” como valor inegociável. Um escárnio!

Com atitudes como essa de Delcídio Amaral, no entanto, fica difícil enunciar a crítica a tudo isso. Afinal, aquilo que a esquerda sempre considerou maus hábitos passou a ser visto, pelo menos por uma parte da sociedade, como um feixe de tradições políticas de difícil remoção. Mas um governo preocupado em integrar os excluídos, planejando os investimentos de forma organizada e privilegiando as áreas básicas, tem moral para promover a ampliação da democracia e buscar a equalização de duas grandes necessidades brasileiras: sermos desenvolvimentistas de verdade, no âmbito da economia; e solidários, humanistas de verdade, no trato das questões sociais. É por aí que virá a vitória do povo nessa guerra suja deflagrada pela direita golpista.